A discrepância nos dados da COVID-19 entre os boletins do Governo Estadual e os boletins das Prefeituras Municipais¹

23/06/2020 13:41

Por: Lauro Mattei²

Desde o início da pandemia provocada pelo novo coronavírus estamos acompanhando a evolução da doença por meio dos Boletins Epidemiológicos elaborados diariamente pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica, órgão público vinculado à Superintendência de Vigilância em Saúde, estrutura da Secretaria Estadual de Saúde. Tais informações encontram-se disponíveis eletronicamente para consultas em www.coronavirus.sc.gov.br. Sempre fomos informados que esses boletins eram confeccionados com base nas informações fornecidas pelas administrações municipais.

Desde que o nível de contágio sofreu uma aceleração mais expressiva, sobretudo a partir da segunda quinzena de maio, dúvidas começaram a surgir em relação à algumas informações. Porém, nunca antes tínhamos realizado comparações conforme apresentaremos neste artigo, mesmo que para poucos dias. Ultimamente nos chamou atenção as informações de duas cidades com elevados números de pessoas contaminadas. Nossa surpresa ocorreu após consultar, pela primeira vez, as fontes primárias das informações, ou seja, os boletins das administrações municipais. Vejamos a seguir dois quadros de discrepâncias sobre as informações estaduais oficiais.

Quadro 1: Dados de Chapecó disponibilizados pela Prefeitura Municipal e pelo Governo Estadual

exemplo 1

Fonte: Prefeitura Municipal: Boletim de Informações e Governo Estadual: Boletim Epidemiológico –SES/SC

Nos últimos dias sabemos que ocorreu uma testagem massiva no frigorífico da BRF em Chapecó e que, segundo informações divulgadas pela imprensa, 25% dos funcionários testaram positivo na testagem rápida. Provavelmente esses dados já tenham sido computados pela prefeitura municipal de Chapecó. A questão é: por que o boletim do governo estadual omitiu essas informações no dia 22.06.20 se tais informações já eram de domínio público desde o início do referido dia?

Quadro 2: Dados de Concórdia disponibilizados pela Prefeitura Municipal e pelo Governo Estadual

exemplo 2

Fonte: Prefeitura Municipal: Boletim de Informações e Governo Estadual: Boletim Epidemiológico –SES/SC

Mas o problema parece ser bem maior, uma vez que um breve olhar sobre os dados dos últimos quatro dias revela que em todos eles há diferenças significativas nas duas bases de dados. No caso de Chapecó a diferença entre as duas fontes de informação foi de 3.069 notificações, enquanto que no município de Concórdia foi de 68 notificações. Com isso, somente nesses dois municípios considerados verificou-se que há uma subnotificação, por parte dos boletins do governo estadual, de 3.137 casos confirmados da doença devidamente registrados nos respectivos municípios.

Esses resultados nos levaram a buscar novas comparações. Vejamos agora mais alguns quadros de outras localidades para as mesmas datas, chamando atenção para que nestes casos sequer ocorreu um processo semelhante ao verificado nos casos anteriores, uma vez que tanto em Chapecó como em Concórdia houve testagem de todos os funcionários de algumas empresas frigoríficas. Para tanto, selecionamos Itajaí, Florianópolis e Blumenau, cidades que integram o quinteto estadual com os maiores números de pessoas infectadas pela COVID-19.

No Quadro 3 (Itajaí) observou uma subnotificação, por parte do governo do estado, de 286 registros. Já no caso de Florianópolis a subnotificação foi de 1.050 casos. Finalmente, em Blumenau observou-se uma subnotificação de 2.071 casos. Somando-se esses valores, chega-se ao valor de 3.407 registros a menos nos boletins epidemiológicos do governo estadual em relação a esses municípios nos quatro dias considerados. Se a este valor acrescentarmos as diferenças entre Chapecó e Concórdia, chega-se ao patamar de 6.544 casos não registrados nos boletins estaduais em apenas quatro dias, considerando-se apenas as cinco cidades com os maiores números de pessoas contaminadas pela COVID-19 em Santa Catarina

Quadro 3: Dados de Itajaí disponibilizados pela Prefeitura Municipal e pelo Governo Estadual

exemplo 3

Fonte: Prefeitura Municipal: Boletim de Informações e Governo Estadual: Boletim Epidemiológico –SES/SC

Quadro 4: Dados de Florianópolis disponibilizados pela Prefeitura Municipal e pelo Governo Estadual

exemplo 4

Fonte: Prefeitura Municipal: Boletim de Informações e Governo Estadual: Boletim Epidemiológico –SES/SC

Quadro 5: Dados de Blumenau disponibilizados pela Prefeitura Municipal e pelo Governo Estadual

exemplo 5

Fonte: Prefeitura Municipal: Boletim de Informações e Governo Estadual: Boletim Epidemiológico –SES/SC

Essas informações conflitantes certamente terão explicações e justificativas por parte das equipes integrantes da Superintendência de Vigilância responsáveis pela elaboração diária do Boletim Epidemiológico, fonte oficial de informação para todos aqueles que acompanham a evolução da doença no estado catarinense. Todavia, chama muito atenção essas disparidades, tanto pelo volume como pela regularidade da ocorrência das mesmas.

No caso particular das cidades de Chapecó e Concórdia, entendemos que uma medida necessária para preservar toda a população, direta ou indiretamente envolvida com atividades frigoríficas, seria fazer a testagem de todos os trabalhadores em todas as plantas agroindustriais. Essa é uma medida que as próprias empresas já deveriam ter adotado há muito tempo. Como isso não aconteceu, pergunta-se aos órgãos públicos de fiscalização se já não é hora de tomar alguma atitude?


1 – Artigo atualizado em 23/06/2020.

2 – Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de PósGraduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br