A expressiva queda da produção industrial no Brasil e em Santa Catarina no mês de abril de 2020

12/06/2020 15:48

Por: Lauro Mattei * e Mateus Victor Fronza **

O Brasil vem enfrentando um processo de desindustrialização há décadas, porém com agravamento a partir do início do presente século. A pandemia atual decorrente do novo coronavírus apenas ajudou a desnudar ainda mais a “máscara da desindustrialização”, isto porque se tornou visível ao conjunto da sociedade o elevado grau da dependência externa da produção industrial de diversos produtos, como foram os casos recentes de equipamentos médico-hospitalares, especialmente de máscaras cirúrgicas e de ventiladores.

Esse processo foi se agravando ainda mais no período recente, particularmente após a grande crise econômica iniciada em 2015, cujos efeitos ainda continuam afetando o nível de atividade e a produtividade do setor industrial do país. Em 2015 o setor industrial teve uma queda de 8,3%, a maior registrada até aquele momento. Já em 2016 a queda continuou, porém em um patamar um pouco menor, da ordem de 6,6%. Em ambos os anos as maiores quedas foram verificadas nas indústrias de bens de capital e de bens de consumo duráveis, quesitos essenciais para a competitividade industrial do país. A partir de 2017 (2,5%) e 2018 (1,0%) observou-se um pequeno período de recuperação, o qual foi interrompido na sequência, uma vez que a produção industrial voltou a apresentar queda de 1,1% em 2019. Os dados revelaram que a produção industrial encerrou tal ano com uma clara desaceleração, sobretudo porque a produção de dezembro de 2019 caiu em 1,2%, comparativamente à produção no mesmo mês do ano anterior.

A queda verificada em 2019 pode parecer pequena, todavia deve-se recordar que ela ocorreu a partir de uma base muito ruim, a qual refletia a perda de competitividade de muitos setores. Portanto, é inegável que está ocorrendo um processo de encolhimento da produção industrial do país, fato que por si só corresponde a um cenário de desindustrialização e de reprimarização cada vez mais forte, cujo indicador é a perda cada vez maior de participação da indústria de bens de capital no agregado produtivo industrial. Com isso, projeta-se uma tendência crescente do país exportar matérias-primas de baixo valor e importar cada vez mais bens tecnológicos de elevado valor.

CENÁRIO DA INDÚSTRIA ANTERIOR AO INÍCIO DA PANDEMIA[1]

É importante registrar que no início do presente ano a produção industrial deu apenas algumas pequenas amostras de crescimento, as quais já começaram a se esvair a partir do mês de fevereiro. Por um lado, ocorreu uma queda de 0,4% em relação ao mês de fevereiro de 2019 e de 1,2% em relação ao acumulado dos últimos doze meses e, por outro, apenas uma parte pequena dos ramos de atividade industrial apresentou pequenos avanços. Neste sentido, é digno registrar os principais setores que já estavam apresentando resultados negativos, com destaque para: equipamentos eletrônicos e de informática (-5,8%); equipamentos de transportes (-8,7%), setor que acumulou uma redução de 17% desde novembro de 2019; manutenção e reparo de máquinas (-13,5); impressão e reprodução de gravações (-25,8%); máquinas e materiais elétricos (-3,6%); e petróleo e biocombustíveis (-1,8%). Com isso, observou-se uma queda de 0,7% para os bens de consumo duráveis e de 0,6% no acumulado de 2020 para o segmento de bens de capital.

Essa situação se agravou ainda mais no mês de março, mesmo que os impactos do novo coronavírus sobre as atividades econômicas ainda não eram totalmente sentidos, uma vez que a pandemia não tinha se estabelecido no país de forma aguda e generalizada como vemos atualmente. Em primeiro lugar, destaca-se que a produção industrial recuou em 23 dos 26 ramos de atividades industriais considerados pelo IBGE. Com isso, o comportamento agregado mensal apresentou uma queda de 9,1% em relação ao mês anterior e de 3,8% em relação ao mês de março de 2019. Novamente, os bens de capital e de bens de consumo duráveis foram os mais afetados, demonstrando que a pandemia viria a agravar ainda mais os setores industriais que já vinham apresentando resultados ruins nos últimos períodos. Dentre os setores, as maiores quedas foram verificadas da forma como segue: indústria de vestuário e acessórios (37,8%); artigos de viagens e calçados (31,5%); veículos automotores e carrocerias (28%); indústria de bebidas (19,4%); e produtos de borracha e materiais plástico (12,5%).

Foi nesse cenário de produção industrial bastante complexo e heterogêneo que os efeitos da COVID-19 passaram a incidir com toda sua força a partir do mês de abril, enfatizando-se, mais uma vez, que a produção industrial do país ainda não tinha se recuperada de forma adequada após o grande tombo ocorrido no período entre 2014 e 2016.

A GRANDE QUEDA VERIFICADA NO MÊS DE ABRIL DE 2020

Após registrar uma queda de 9,01% em março, a produção industrial decresceu 18,8% em abril de 2020, maior valor desde o início da série, em janeiro de 2002. Esse resultado mostra que o setor industrial brasileiro passou a sofrer todos os efeitos da pandemia, uma vez que muitas empresas perderam demanda externa por conta da paralisação de parceiros comerciais internacionais, bem como da redução de demanda interna. Segundo o IBGE, essa foi a queda mais intensa desde o início da série em 2002, já que os resultados negativos por dois meses consecutivos provocaram uma perda acumulada de mais de 26%.

O gráfico 1 apresenta a Produção Física Industrial Mensal do Brasil desde abril de 2019. Como dissemos anteriormente, o fato concreto é que a produção não apresentou um bom desempenho mensal ao longo de todo o período, alternando pequenas taxas positivas de crescimentos com períodos de quedas expressivas, sobretudo nos meses que antecederam ao período aqui considerado. Desta forma, o gráfico sem sazonalidade revela que desde abril de 2019 a indústria detinha restrições produtivas, em particular porque as taxas de investimento no ano anterior não indicaram retomadas otimistas. Possivelmente elas revelaram, tanto as incertezas do período como a própria cautela por parte dos empresários.

Dados da CNI[2] demonstram que em abril a indústria operou com nível de utilização da capacidade de produção abaixo de 70%. Somado a isso, as empresas começaram a ter dificuldades para pagar os salários e continuar comprando os insumos. Tal fato foi corroborado com estudo da FIESP[3] publicado no início de maio, onde se afirma que boa parte das indústrias brasileiras teria até mais dois meses de caixa para se manter, sendo que muitas delas estão ameaçadas de fechar as portas ou fazerem demissões em massa.

Gráfico 1: Produção Física Industrial Mensal do Brasil (abril de 2019 a abril de 2020)

Fonte: PIM PF – IBGE

A Tabela 1 apresenta a queda percentual na produção industrial de acordo com os três setores de bens: de capital, intermediário e de consumo. Os dados demonstram que houve uma queda generalizada nos três setores, sendo que a mais brusca ocorreu no setor de bens de consumo duráveis, cujo percentual foi de 79,59%. Tal comportamento pode estar relacionado à diminuição da demanda dos consumidores, seja pela redução de seus níveis de renda, seja pela incerteza quanto ao próprio futuro, especialmente diante do cenário de expansão do desemprego.

O setor de bens de capital, que já havia apresentado uma queda de 15,2% no mês de março, continuou apresentando resultados negativos da ordem de 41,53% em abril, revelando uma situação extremamente complexa para o desempenho conjunto das atividades industriais do país, especialmente em termos de competitividade.

Finalmente, os bens de consumo semiduráveis e não duráveis tiverem uma queda superior a 12%, comportamento também já verificado no mês de março, cuja queda foi de 9,1%. Com isso, o primeiro (consumo semiduráveis) anulou todos os ganhos obtidos nos meses de janeiro e fevereiro, enquanto o segundo (não duráveis) continuou com seu crescimento negativo já observado desde o mês de novembro de 2019.

Tabela 1: Variação da produção de abril em relação a março, com ajuste sazonal

Fonte: PIM PF – IBGE

A figura abaixo divulgado pelo IBGE sintetiza a evolução percentual de cada setor em relação ao mês anterior. Inicialmente verifica-se que apenas três setores apresentaram crescimento no mês de abril em relação ao mês de março, São eles: fabricação de produtos alimentícios (3,3%), visto que é um setor com continuidade de demanda e que é uma necessidade básica; produção de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (6,6%), pois, além da busca normal por medicamentos por parte de pessoas que possuem alguma enfermidade, a preocupação com a pandemia pode ter influenciado esse comportamento; fabricação de sabões, detergentes, produtos de limpeza, cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal (1,3%), aumento que também pode estar associado às campanhas de higiene relativas ao combate do novo coronavírus. Apenas a produção da indústria extrativa se manteve no mesmo patamar verificado no mês anterior.

Outros quinze setores apresentaram resultados negativos em relação ao mês anterior, sendo que alguns deles foram fortemente afetados. Neste caso, destacam-se a fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias (-88,5%); outros equipamentos de transporte (-76,3%); indústria de couros, fabricação de artefatos de couro e artigos para viagem e calçados (-48,8%). Além desses, diversos setores apresentaram quedas no patamar de 30%, outros no patamar de 20% e alguns poucos setores tiveram quedas abaixo desse último percentual.

Figura 1: Destaques da produção industrial em abril de 2020

Fonte: IBGE

Outros indicadores para o mês de abril, conforme Relatório de Indicadores Industriais da CNI[4],  revelam que “a queda do faturamento foi mais intensa e levou a uma redução ainda maior da produção. Como resultado, abril registrou o menor número de horas trabalhadas na produção e a maior ociosidade do parque produtivo de toda a série histórica”. A queda no faturamento real foi de 23,3%; as horas trabalhadas na produção tiveram queda recorde de 19,4%; o emprego industrial teve queda de 2,3%, sendo a terceira queda consecutiva e o novo recorde da série; a massa salarial caiu 9,5%, a maior queda em relação ao mês anterior e livre de sazonalidade desde 2006; e a utilização da capacidade instalada caiu 6,6%, totalizando 69,6%.

Em síntese, os dados relativos ao mês de abril divulgados recentemente pelo IBGE mostram com maior intensidade os efeitos da pandemia, destacando-se que os únicos três setores que cresceram são exatamente aqueles com relações diretas ou indiretas ao combate da COVID-19.

A INDÚSTRIA CATARINENSE NESTE CENÁRIO DE QUEDAS GENERALIZADAS [5]

O IBGE tradicionalmente acompanha a produção industrial em 15 unidades da federação, conforme mostrado na figura abaixo. Neste caso, observa-se que em 13 delas ocorreram quedas expressivas da produção industrial. Considerando-se o ajuste sazonal, nota-se que em 90% das unidades federativas que apresentaram resultados negativos, as perdas foram de dois dígitos, chamando atenção para a elevadíssima queda ocorrida no Amazonas. Em apenas dois estados, Goiás e Pará, foram observados resultados positivos para o mês de abril.

Figura 2: Produção Industrial nas Unidades da Federação em abril de 2020

No caso da região Sul, verifica-se que todos os estados tiveram quedas em dois dígitos, sendo a mais expressiva observada no Paraná (-28,7%) e a menor em Santa Catarina (-14,1%), enquanto o Rio Grande do Sul ficou em uma posição intermediária (-21%).

Mas é importante também observar o comportamento da variação da produção industrial no mês de abril em relação a diversos períodos, conforme apresentado no Quadro 1. Para tanto, a referência aqui considerada será a situação da unidade da federação de interesse (SC) em relação aos estados vizinhos da região Sul e ao conjunto do país.

Considerando-se a variação no mês de abril com ajuste sazonal, verifica-se que para o país o resultado foi negativo da ordem de 18,8%, enquanto que para Santa Catarina foi de 14,1%. Já nos estados vizinhos, o Paraná teve o maior percentual (-28,7) e o Rio Grande do Sul (-21%) ocupou uma posição intermediária.

Já em termos de variação no mesmo mês, mas no ano anterior, nota-se que o resultado do Brasil foi de -27,2%, enquanto em Santa Catarina foi bem superior (-30,8%), maior inclusive que no Paraná (-30,6%). Já o Rio Grande do Sul apresentou um percentual elevado da ordem de -35,8%, ficando dentre os quatro maiores percentuais de todas as unidades federativas consideradas.

Quadro 1: Variação (%) da Produção Industrial em UF selecionados e Brasil, 2020

Fonte: IBGE

Do ponto de vista da variação no ano, observa-se que o resultado do Brasil foi de -8,2%, enquanto em Santa Catarina foi bem superior (-11,8%), maior inclusive que no Paraná (-6,2%) e inferior ao Rio Grande do Sul, que apresentou um percentual elevado da ordem de -13,2%, ficando novamente dentre os quatro maiores percentuais de todas as unidades federativas consideradas.

Finalmente, quando se considera a variação da produção nos últimos doze meses, o percentual do país ficou em -2,9%, enquanto Santa Catarina teve um percentual um pouco menor (-2,6%) e o Rio Grande do Sul bem superior (-3,6%), situando-o novamente dentre as quatro unidades federativas com os piores resultados. Destaca-se o Paraná, cuja variação foi de apenas -1,7%,

Esses resultados podem ser observados à luz dos setores que mais impactaram as variações percentuais da produção no ano, conforme Quadro 2. Em termos de contribuições positivas, nota-se que no caso de Santa Catarina apenas o setor de produtos alimentícios apresentou um resultado positivo da ordem de 4,3%. No sentido inverso, ou seja, os setores que mais contribuíram para os resultados negativos, destacam-se os setores de máquinas e equipamentos, de produtos minerais não metálicos e de produção de vestuário e acessórios. Esses resultados indicam que a indústria catarinense também está sendo fortemente afetada, particularmente em alguns setores de bens de capital e de bens de consumo duráveis, o que poderá afetar negativamente sua competitividade.

Quadro 2: Principais contribuições de Santa Catarina na taxa de crescimento acumulado, janeiro a abril de 2020

Fonte: IBGE. Elaboração: IEDI

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo ficou demonstrado que a indústria brasileira vem enfrentando sérios problemas há muitos anos. Entretanto, não se pode ignorar que os resultados apresentados no último mês de abril guardam uma relação direta com a situação de pandemia existente no país, pois revelam a dimensão do nível de dificuldades que os diversos setores industriais tiveram de enfrentar diante de uma doença cujo único mecanismo de controle atual é a prática do isolamento social.

Desta forma, desde os primórdios do mês de março, quando foi confirmada a primeira transmissão comunitária pelo novo coronavírus, o conjunto da sociedade foi submetido a períodos de distanciamento e isolamento social como forma de controle da doença. Como esse controle ainda não foi eficaz para controlar totalmente a epidemia, tendo que ser mantido também no mês de maio, é bastante provável que os próximos resultados da produção industrial poderão ser ainda piores que os verificados para o mês de abril.

Esse cenário acabou sendo agravado pelas medidas de política econômica que, na essência, produziram poucos efeitos no sentido de mitigar o problema. Ao contrário, no caso das micro, pequenas e médias empresas, que são aquelas que mais geram empregos, se verificou um total descrédito das ações governamentais, uma vez que esses segmentos empresariais não tiveram acesso às linhas de crédito anunciadas exclusivamente para eles. Com isso, além de ficar sem recursos para pagar custos fixos, especialmente com salários dos trabalhadores, tiveram que retrair suas atividades e, consequentemente, demitir parcelas expressivas de funcionários. E o resultado não poderia ser mais catastrófico: explosão do desemprego!

No caso particular de Santa Catarina, apesar da produção industrial catarinense apresentar uma variação negativa no mês de abril com ajuste sazonal inferior aos resultados do país e dos estados vizinhos, nota-se que a queda no ano (2020) foi bastante elevada, indicando que, além dos efeitos da pandemia, a situação industrial do Brasil discutida no início desse artigo também mantém conexões com o comportamento da indústria no estado catarinense.


[*] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br

[**] Graduando em Ciências Econômicas na UFSC e bolsista do NECAT/UFSC. Email: mateusvfronza@gmail

[1] Todas as informações citadas neste item como nos demais, quando não indicada a fonte, dizem respeito aos dados divulgados pelo IBGE em suas respectivas PIM-PF.

[2] Indicadores Econômicos: Mês de abril foi um dos piores da história para a indústria. Disponível em <https://bucket-gw-cni-static-si.s3.amazonaws.com/media/filer_public/8b/d8/8bd87517-9fc2-43fd-bb09-ce9584561f2d/indicadoresindustriais_abril2020.pdf>

[3] Pesquisa aponta que indústrias brasileiras têm caixa por apenas mais um mês. Disponível em <https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/05/03/pesquisa-aponta-que-industrias-brasileiras-tem-caixa-por-apenas-mais-um-mes>

[4] Coronavírus: indústria operou com metade da capacidade de produção em abril, informa CNI. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/05/20/com-coronavirus-metade-do-parque-industrial-ficou-parado-em-abril-informa-cni.ghtml>

[5] Todas as informações desta seção foram obtidas do Boletim IEDI – Produção Regional, publicado em 09/06/2020