A pobreza no estado de Santa Catarina ao final do ano de 2020

22/12/2021 10:03

Por: Lauro Mattei[1]

As distintas concepções e mensurações da pobreza

Há mais de um século estão sendo usadas diversas concepções sobre pobreza nas discussões internacionais e nos trabalhos comparativos. Elas estão relacionadas às ideias de subsistência, necessidades básicas e privações relativas. Tais concepções têm influenciado as políticas públicas por mais de 100 anos em muitos países do mundo, sendo que a abrangência das mesmas vai se expandindo à medida que a compreensão desse fenômeno social também vai evoluindo.

Neste caso, destaca-se a concepção das privações relativas desenvolvida no início do século XXI, a qual sugere que a pobreza não se refere apenas à privação da renda, mas também à privação de outros recursos materiais e privação de acesso aos serviços sociais, especialmente nas áreas de saúde, educação, alimentação, nutrição e saneamento básico. Isto porque se considera que as pessoas que vivem no presente não estão sujeitas as mesmas leis, obrigações e costumes aplicados aos períodos anteriores, o que, de alguma forma, ajuda a entender porque o padrão da pobreza muda com as mudanças nas próprias sociedades.

Em função disso, existem atualmente diversos métodos para mensurar a pobreza visando a realização de comparações em escala internacional. Inicialmente destaca-se o método desenvolvido pelo Banco Mundial que instituiu a linha de pobreza “1 dólar ao dia”, o qual agrega ao valor da cesta de alimentos os custos das despesas não alimentares (vestuário, moradia, saúde, educação), calculadas como proporção dos gastos alimentares. A partir daí faz-se uma atualização monetária dos valores e calcula-se a proporção de pessoas que fica abaixo destas linhas de renda. Este método ganhou relevância em 1990 quando foi adotado pela primeira vez pelo Banco Mundial em seu relatório sobre Desenvolvimento Humano. Desde então essa instituição internacional vem atualizando essas linhas de pobreza com base na paridade do poder de compra para possibilitar a realização de comparações internacionais.

De um modo geral, essa mensuração da pobreza passou a ser disseminada como a “pobreza monetária”, uma vez que ela se refere unicamente à insuficiência de renda para provisão do bem-estar das famílias, uma vez que o processo de urbanização crescente das sociedades fez com que o nível monetário das famílias se tornasse um importante meio de acesso aos serviços, bem como um instrumento importante na busca por melhores condições de vida. Os dados disponibilizados em 2021 pelo IBGE por meio da Síntese dos Indicadores Sociais relativos ao ano de 2020 contém essa concepção de pobreza.

Deve-se registrar que a partir de 2010 passou a vigorar uma nova metodologia de mensuração da pobreza em escala mundial. Trata-se do Index da Pobreza Multidimensional (IPM) desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU), método que procura medir todos os tipos de privações que as pessoas e famílias estão sofrendo, desde a falta de um nível adequado de renda a um conjunto de outras privações relativas aos direitos básicos, destacadamente nas áreas de saúde, educação, habitação, saneamento básico e lazer. Ou seja, o IPM procura captar as diversas dimensões que compõem esse fenômeno social.

Desta forma, a concepção de pobreza multidimensional faz parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, a qual tem como meta erradicar a pobreza até o ano de 2030. Neste caso, fazem parte, tanto os indicadores monetários como também um conjunto de outros indicadores relativos ao acesso a bens e serviços que são essenciais para promover melhorias na qualidade de vida dos cidadãos, bem como reduzir os riscos e as vulnerabilidades sociais a que partes expressivas das populações estão submetidas.

As linhas de pobreza no Brasil

Oficialmente, o Brasil não adota uma única linha de pobreza. Com isso, temos situações muitas distintas, tanto para o caso da pobreza extrema como para a mensuração da pobreza geral. Por um lado, o programa Benefício de Prestação Continuada (BPC) adota a linha de corte de ¼ do salário mínimo para classificar as pessoas em condição de extrema pobreza e conceder o benefício e, por outro, o programa Bolsa Família adota o valor de R$ 89,00 para as pessoas extremamente pobres aptas a receber o benefício. Já a linha de pobreza extrema recomendada pelo Banco Mundial (US$ 1,90/dia) correspondia a R$ 155,00/mês ao final de 2020.

No caso da pobreza geral, o programa Bolsa Família adota a linha de corte de R$ 178,00/mês para que as pessoas estejam aptas a receber o benefício, enquanto o Cadastro Único considera o parâmetro de 1/2 salário mínimo, ou seja, R$ 523,00 no mesmo ano. Já a linha de pobreza recomendada pelo Banco Mundial (US$ 5,50/dia para países de renda média) era de R$ 450,00/mês.

A pobreza no estado de Santa Catarina

A Tabela 1 apresenta uma síntese dos dados da pobreza monetária no estado de Santa Catarina e em sua capital (Florianópolis), comparativamente às informações da região Sul e do conjunto do país. Neste caso, para se calcular a pobreza extrema adotou-se a linha de US$ 1,90/dia, que correspondia a R$ 155,00/mês per capita ao final de 2020. Já para calcular a pobreza geral adotou-se a linha de US$ 5,50/dia, que correspondia a R$ 450,00/mês per capita no mesmo período. Essa segunda linha é recomendada para países de renda média, registrando-se que no âmbito global o Brasil é considerado um país de renda média, segundo o Banco Mundial.

Considerando-se as duas linhas de pobreza adotadas, nota-se que no âmbito do país a proporção de 5,7% correspondia a uma população de 12 milhões de pessoas, ou seja, esse contingente estava classificado como extremamente pobre ao final de 2020. Já o percentual de 24,1% correspondia a 50,9 milhões de pessoas, as quais foram consideradas socialmente como pobres.

Tabela 1: Proporção de pessoas por classe de rendimentos domiciliar per capita

T1

Fonte: IBGE – Síntese dos Indicadores Sociais 2020

No caso da região Sul do país, região com a menor incidência da pobreza dentre as cinco macrorregiões do país, observa-se que o número de pessoas extremamente pobres era de aproximadamente 930 mil pessoas, enquanto a população pobre era superior a 4 milhões de pessoas, destacando-se que nesse espaço viviam cerca de 15% da população do país.

No estado de Santa Catarina, considerando-se a população estimada no ano de 2020, essas duas linhas de pobreza revelaram que existiam 137.541pessoas na condição de extrema pobreza, ou seja, que viviam com renda de até R$ 155,00 per capita mensal, além de 615.315 pessoas enquadradas como pobres, ou seja, pessoas cuja renda domiciliar per capita não ultrapassava a R$ 450,00 mensais.

Essa condição na capital do estado era de 4.581 pessoas na condição de extrema pobreza, enquanto a quantidade de pobres na capital catarinense atingiu o patamar de 27.486 pessoas.

Considerações Finais

 Aspectos cruciais da vida social nacional não podem ser encobertos pela pandemia da COVID-19, ou seja, pretender explicar todas as mazelas sociais atuais apenas à luz dessa crise sanitária global. Na verdade, o que a pandemia fez foi dar maior visibilidade aos graves problemas sociais existentes na sociedade brasileira, os quais vêm se agravando desde a crise política e econômica de 2015-2016. Isto porque um cenário com desemprego elevado, queda acentuada da renda e expansão da inflação promove sempre movimentos de exclusão social, que se explicitam na expansão visível da fome e da pobreza.

Portanto, numa perspectiva mais ampla, o fenômeno da pobreza precisa ser tratado no âmbito de um amplo Sistema de Proteção Social (SPS) que seja capaz de atacar as necessidades imediatas (causadas pela pandemia), bem como enfrentar todas as formas de vulnerabilidades sociais decorrentes de problemas estruturais que conformaram a sociedade brasileira no tempo.


[1] Professor titular do curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email:l.mattei@ufsc.br