Carta aberta ao senhor Claudemir Serafim, padre da igreja católica em Pedras Grandes, SC

06/02/2021 15:21
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PorLauro Mattei1

Essa carta aberta é uma resposta indignada aos estapafúrdios comentários proferidos pelo padre acima mencionado sobre a vacina contra o novo coronavírus, chegando-se ao absurdo de se afirmar que as vacinas contra a COVID-19 estão sendo produzidas a partir de “fetos humanos”. Tais afirmações foram proferidas no dia 24.01.2021, durante uma celebração religiosa. Sem dúvida, estamos diante de um negacionismo primata, o qual deve merecer nossa mais profunda contestação. É exatamente isso que pretendo fazer na presente carta.

Em primeiro lugar, é importante frisar que a história da evolução da humanidade foi e está sendo marcada por desafios decisivos no sentido de preservar a vida de todos. Para isso, contamos com o avanço do conhecimento científico, o qual propicia respostas notáveis às distintas pandemias já enfrentadas, bem como àquelas que ainda deverão surgir. É justamente esse conhecimento que propiciou a descoberta das mais variadas vacinas que, na essência, são as formas simples e efetivas de proteger qualquer ser humano contra as mais diferentes doenças, uma vez que elas (vacinas) estimulam o corpo humano a produzir defesa contra uma doença específica, de tal forma a tornar o sistema imunológico de cada pessoa mais forte. Portanto, é importante registrar que qualquer vacina não causa nenhuma doença e, menos ainda, coloca a vida das pessoas em risco.

Neste sentido, as vacinas são importantes por serem instrumentos poderosos para salvar vidas, muito mais hoje que no passado recente. Isso pode ser comprovado pela quantidade expressiva de doenças atuais que tem seu antídoto produzido pelo homem, destacando-se as vacinas contra a cólera, difteria, febre amarela, varicela, tétano, tifo, rubéola, poliomielite, sarampo, meningite, hepatite B, influenza, caxumba, raiva, rotavirus, etc. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que somente essas vacinas são responsáveis por salvar mais de 3 milhões de vidas todos os anos. Além disso, o ato de você se vacinar tem um duplo sentido: ao mesmo tempo em que você se protege, você está protegendo a vida de outras pessoas. E isso é essencial numa vida em sociedade em que o espírito de coletividade deveria sempre guiar o comportamento individual.

Em segundo lugar, contra o negacionismo reinante no cenário brasileiro atual, é importante destacar que a vacina é altamente eficaz para reduzir o risco das pessoas de se contaminarem pelo novo coronavírus, uma vez que tal medicamento atua no sentido de estimular a defesa natural do corpo humano. Isto porque, ao receber a vacina, o sistema imunológico começa a produzir anticorpos, que são proteínas produzidas naturalmente para combater vírus e bactérias que provocariam doenças. Por isso, as vacinas são poderosos instrumentos de proteção do corpo humano por anos, décadas ou até mesmo a vida toda.

Em terceiro lugar, deve-se registrar que toda e qualquer vacina, antes de ser distribuída e utilizada pela população, passa por um rigoroso processo científico, antes mesmo de ser disponibilizada aos países. Neste caso, são feitos testes clínicos em seres humanos, geralmente em três distintas fases: na primeira delas, a vacina é utilizada em um pequeno número de voluntários para verificar, essencialmente, o nível de segurança, a resposta à imunidade e a dosagem mais correta; na segunda fase de produção da vacina o número de voluntários é ampliado, sendo que neste momento um grupo recebe a vacina e outro não a recebe (recebe o que conhecemos como placebo), para análise das distintas respostas; na terceira fase o número de voluntários é fortemente ampliado para se obter os resultados finais que definirão a eficácia da vacina a uma determinada doença. Após esses procedimentos, um conjunto de passos ainda precisa ser cumprido até que as agências públicas que regulam os cuidados sanitários da população aprovem o uso do medicamento, que poderá ser incorporado aos programas de imunização de cada país.

Em quarto lugar, os ingredientes utilizados na produção das vacinas têm um papel importante que garantem a segurança e a eficácia das mesmas. Normalmente, elas contêm antígenos, cuja função principal é enfraquecer o agente infeccioso (vírus ou bactéria) no sentido de estimular o corpo humano a lutar contra tais agentes; auxiliares que estimulam respostas imunológicas mais fortes; substâncias preservativas que garantem maior efetividade da vacina; estabilizadores, cuja função é proteger a vacina durante a estocagem e transporte. Além disso, mesmo que pouco familiar, muitos componentes usados na produção de vacinas estão presentes de forma natural no corpo humano, bem como nos alimentos que ingerimos. Todos esses elementos (naturais e artificiais) fazem parte do processo que é rigorosamente estudado e monitorado visando, em última instância, garantir a saúde e a segurança da população.

No caso das vacinas contra o novo coronavírus que causa a COVID-19 que acabaram de ser disponibilizadas, cientistas do mundo todo estudaram e, num tempo recorde, ofereceram à humanidade diversos tipos dessas vacinas, à luz de distintos procedimentos tecnológicos. Porém, todos eles seguindo os mais rigorosos preceitos que orientam o desenvolvimento de uma vacina, conforme se mencionou anteriormente. Neste sentido, são estapafúrdias as afirmações do senhor Claudemir Serafim, as quais revelam toda sua ignorância sobre o assunto.

Portanto senhor pároco, diante da catástrofe causada pela pandemia do novo coronavírus no Brasil, que já causou mais de 220 mil óbitos, sem contar milhares de pessoas que ficaram com sequelas irreparáveis, seria importante que seu comportamento fosse voltado àquilo que é mais essencial neste momento em que a humanidade vislumbra uma saída digna, ou seja, o senhor deveria estar estimulando as pessoas a se vacinarem por ser este um ato sanitário coletivo e solidário a todos aqueles que desejam o seu bem e o bem do próximo também. Mas não, o senhor prefere o caminho simplório, esquizofrênico e deplorável, características incomuns por parte de um padre da igreja católica, instituição que sempre busca se colocar como um farol para o povo. Seu comportamento é o caminho da escuridão, esperando que o mesmo seja regado pelo mesmo sofrimento que hoje milhões de pessoas estão passando diante dessa doença que, de forma ímpar, afetou toda a humanidade ao mesmo tempo.


1 Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br Artigo escrito em 03.02.2021.