Indústria Catarinense apresenta expansão em novembro, mas setores ainda apresentam acumulado negativo

19/01/2021 21:11

Por: Matheus Rosa [1] e Lauro Mattei [2]

Breves notas sobre o cenário da indústria nacional ao final de 2020

No início de janeiro de 2021 o IBGE divulgou a Pesquisa Mensal da Indústria (PIM) relativa ao mês de novembro, revelando a situação da indústria brasileira ao final do ano de 2020. De um modo geral, observa-se que o setor industrial superou as grandes quedas provocadas pelo novo coronavírus nos meses de março e abril, além de que muitos dos setores de atividades já retomaram seus níveis de produção aos patamares anteriores ao início da pandemia. Isto porque os dados do último mês de novembro revelaram que, dos 26 ramos pesquisados, 17 deles já apresentaram resultados positivos, inclusive mantendo um ritmo de crescimento positivo ao redor de 1% ao mês. Obviamente que não se trata de um grande percentual, mas contextualizando-o no cenário adverso enfrentado em 2020 podemos ter noção da importância desse resultado.

O Quadro 1 apresenta a evolução percentual da atividade industrial ao longo do ano de 2020. Os dados de novembro mostram uma tendência de recuperação dos níveis de produção, ainda que num ritmo moderado, uma vez que a expansão da produção física nesse mês foi de 1,2% em relação ao mês imediatamente anterior, na série com ajuste sazonal. Essa expansão no mês a mês é a sétima alta seguida após as bruscas quedas verificadas nos meses de março e abril.

Quadro 1: Atividade Industrial no Brasil, 2020

Tabela 1, PIM NOV

Fonte: PIM-PF/IBGE; Elaboração: Necat/UFSC

Em termos dos macrossetores industriais, nota-se que a PIM de novembro revelou que todos eles apresentaram resultados, conforme segue: bens de capital tiveram um aumento de 7,4% em relação ao mês anterior; bens intermediários aumentaram 0,1% (em outubro ainda estavam negativos); bens de consumo duráveis com 6,2% positivo; e bens de consumo semiduráveis e não duráveis com 1,5%.

Outro aspecto relevante é que a produção agregada nacional nos últimos três meses vem se mostrando positiva em relação aos mesmos meses do ano anterior, porém com resultado negativo no acumulado do ano (janeiro a novembro) em relação ao mesmo período do ano anterior. Por exemplo, em novembro de 2020 o acumulado do ano registrava uma taxa negativa da ordem de -5,5%, mantendo-se a negatividade da série ao longo de todo ano de 2020.

Ao se analisar o comportamento da produção física mensal, recomenda-se prestar atenção a dois fatos relevantes. Por um lado, é preciso destacar que essas altas recentes vêm ocorrendo com taxas em patamares bastante baixos, como são os casos dos meses de outubro (1,1%) e novembro (1,2%). Por outro, destaca-se que essas taxas menores são reflexos da perda de ritmo da recuperação da produção física industrial no país, considerando-se que o ritmo anterior à pandemia, ainda que positivo, era relativamente baixo.

Em grande medida, esse cenário pode ser explicado a partir de duas situações concretas. A primeira diz respeito ao comportamento do setor de bens intermediários, cujos resultados dos dois últimos meses (-0,4% em outubro e 0,1% em novembro) mostram uma estagnação setorial. Considerando-se que o setor de bens intermediários é o núcleo central do sistema industrial, tais resultados não são muito favoráveis à retomada da produção industrial global a níveis mais expressivos. A segunda informação relevante diz respeito à crise que tomou conta da produção industrial no do país no período entre 2014-2016, mas que não foi superada nos três anos seguintes (2017-2019). O resultado é que a COVID-19 somente veio a aprofundar uma situação que já estava exposta há anos, ou seja, a produção estabilizada em patamares extremamente baixos por longos períodos.

Esse contexto, ainda que com algumas particularidades, é muito similar quando se analisa o desempenho industrial dos estados. Assim, das 14 Unidades da Federação (UFs) pesquisadas pela PIM Regional no mês de novembro, observou-se que 9 delas apresentaram resultados positivos. Em grande parte, esses resultados foram puxados pelo bom desempenho do parque industrial de São Paulo (1,5%) e dos três estados da região Sul (RS, 3,8%; SC, 2,8%; PR, 1,2%) os quais cresceram com taxa acima da média do país. Além desses, destaca-se também o grande crescimento da produção industrial do Amazonas (3,4%), puxado pelos setores de informática e eletrônicos.

A consequência direta desse desempenho positivo observado pela última PIM Regional foi que oito das quatorze UF pesquisadas superaram o patamar pré-pandemia mensurado em fevereiro de 2020. São elas: AM (14,9%); SC (9,5%); CE (7,5%); MG (6,2%); SP (6%); PR (5,9%), RS (5,2) e PE (1,8%).

Já quando se compara o mês de novembro de 2020 com o mesmo do ano anterior, nota-se que nove UF apresentaram resultados positivos: PR (14%); SC (11,1%); PE (10%); RS (8,7%); AM (7,8%); CE (6%); MG (5,2%); SP (4,7%) e BA (1%). Enquanto isso, outras cinco UF tiveram desempenho negativo nessa comparação: MT (18,4%); RJ (7%); PA (4,6%); GO (4,2%) e ES (3,9%). Particularmente no caso do Mato Grosso, esse resultado se explica pelo fato de que a produção industrial nessa unidade da federação é bastante limitada, sendo que as atividades econômicas são fortemente dinamizadas pelo setor do agronegócio.

Todavia, quando se considera o acumulado do ano (janeiro-novembro) em relação ao mesmo período do ano anterior, nota-se que onze UF continuaram apresentando resultados negativos, sendo que a maioria delas de forma expressiva: ES (15,9%); CE (8,2%), RS (-7,4%), AM (7,2%); SP (7,2%); SC (6,1); BA (6,1); MT (5,8%); MG (4,8%); PR (4,3%) PA (0,4%). As únicas taxas positivas foram verificadas em Pernambuco (3,2%), Rio de Janeiro (0,5%) e Goiás (0,4%).

Em síntese, podem ser exploradas algumas hipóteses que justificariam a tímida expansão de 1,1%, ainda que em um cenário que, em tese, deveria permitir uma recuperação mais expressiva. Por um lado, pode-se aventar que a perda de dinamismo do consumo nos últimos meses de 2020, principalmente em decorrência da redução do valor do auxílio emergencial, tenha afetado o setor e, por outro, a própria dificuldade de se conseguir insumos numa série de setores da indústria[3] estaria retraindo os níveis de produção. Mas além desses fatores, não se pode esquecer o elevado nível de incerteza que paira sobre o desempenho da economia brasileira no ano de 2021, sobretudo em função do fracasso de diversas políticas macroeconômicas adotadas durante a pandemia.

O desempenho da indústria catarinense em novembro de 2020

Os dados do mês de novembro da PIM-PF Regional mostram um cenário de retomada da indústria catarinense. Essa retomada vem se apresentando de forma estável pelo menos desde o mês de agosto, quando as taxas de variação mensal retornaram à normalidade após os grandes impactos negativos verificados nos primeiros meses da pandemia provocada pelo novo coronavírus.

O Gráfico 1, que mostra a trajetória da produção industrial em Santa Catarina nos últimos 24 meses, evidencia que também em nível estadual o desempenho da indústria é oscilante, destacando-se que nos últimos meses observou-se uma perda do ritmo de retomada das atividades industriais. Assim como ocorreu no âmbito do país, as altas expressivas que seguiram após os meses iniciais da pandemia perderam fôlego e se converteram em expansões bem mais modestas. O dado positivo, porém, é a repetição da taxa de 2,8% do nível de produção em novembro, comparativamente ao mês anterior. Esse desempenho é bem superior á média nacional, cuja taxa de crescimento foi da ordem de 1,2%. Neste caso, registre-se que Santa Catarina apresentou o quarto melhor desempenho mensal dentre todas as UF pesquisadas, ficando atrás apenas de Bahia (4,9%), Rio Grande do Sul (3,8%) e Amazonas (3,4%).

Gráfico 1: Produção Física Industrial em Santa Catarina, variação (%) no mês (com ajuste sazonal) – 24 meses

Gráfico 1, PIM NOV

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

Todavia, no acumulado do ano de 2020 (janeiro-novembro) em relação ao mesmo período do ano anterior, nota-se que o cenário continua negativo para a indústria catarinense, como mostra o Quadro 2. Assim, uma observa-se uma taxa de retração da ordem de 6,1%, o que pode ser considerado um resultado bastante grave, considerando que o próprio desempenho da produção industrial catarinense no ano de 2019, que serve de base de comparação, foi fraquíssimo, ao apresentar variações negativas durante diversos meses e apenas algumas pequenas expansões localizadas. Desta forma, se repete em santa Catarina o cenário nacional, ou seja, a série de valores acumulados apresenta-se negativa na maioria dos meses do ano.

Quando comparamos o desempenho mensal com os mesmos meses de 2019, os dados são um pouco mais favoráveis, sendo possível verificar a terceira expansão seguida desse indicador, sendo que em novembro de 2020 registrou-se a maior alta do ano na série, com uma expansão de 11,1% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Essas expansões recentes, ainda que bastante positivas, não foram suficientes para reverter o quadro negativo dos últimos doze meses, cujo patamar se situa atualmente em 5,6%.

Quadro 2: Atividade Industrial em Santa Catarina, 2020

Tabela 2, PIM NOV

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

Quando se analisa o desempenho da produção física industrial de Santa Catarina em comparação com as outras UF pesquisadas é possível ter uma noção melhor sobre a inserção de Santa Catarina na atual dinâmica da indústria nacional. Como ilustra o Gráfico 2, Santa Catarina possui, na série acumulada anual, a sexta pior taxa registrada, ficando atrás apenas do Espírito Santo (-15,9%), Ceará (-8,4%), Rio Grande do Sul (-7,4%), Amazonas (-7,2%), São Paulo (-7,2%), além de se igualar ao desempenho da indústria da Bahia, cuja taxa de retração é de -6,1%. Além disso, também é possível verificar que esse acumulado negativo da produção catarinense é superior ao verificado no âmbito do país (-5,5%), indicando que os impactos da pandemia foram expressivos e que a recuperação da produção industrial em níveis mais elevados está sendo mais demorada em relação à produção agregada nacional.

Gráfico 2: Produção Física Industrial, acumulado em 2020, por UFs

Gráfico 2, PIM NOV

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

Esse fato pode ser observado no comportamento dos diferentes setores que compõem a planta industrial de Santa Catarina, conforme Gráfico 3, que apresenta a produção física acumulada ao longo do ano de 2020. Do total pesquisado, apenas 4 setores apresentaram taxas acumuladas positivas: máquinas, aparelhos e materiais elétricos (5,7%), máquinas e equipamentos (4,5%), Celulose, papel e produtos de papel (1%) e produtos de borracha e de material plástico (0,9%).

Todos os oitos setores restantes apresentaram taxas negativas. Os piores cenários estão concentrados nos setores de veículos automotores, reboques e carrocerias (-25,2%), metalurgia (-18,4%), artigos de vestuário e acessórios (-17,7%) e produtos minerais não-metálicos (-12,7%). É possível afirmar que a dificuldade dos dois primeiros casos pode estar associada à baixa taxa de investimentos que se demonstrou durante todo ano e ao maior custo unitário dos produtos finais destes setores.

Gráfico 3: Produção Física Industrial em Santa Catarina, acumulado em 2020, por setores

Gráfico 3, PIM NOV

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

O Quadro 3 apresenta a variação dos setores em outubro, em relação ao mesmo mês do ano anterior. De maneira geral, é possível visualizar um cenário positivo em relação aos níveis de novembro 2019. Dos 12 setores pesquisados, 11 deles apresentaram taxas de variação positivas, sendo as mais expressivas registradas nos setores de máquinas, aparelhos e materiais elétricos (33,7%) e máquinas e equipamentos (23,6%). As altas expressivas desses setores, que também ocorreram nos meses anteriores, são responsáveis pela sua boa colocação nas taxas acumuladas. O único setor que apresentou retração em relação a novembro de 2019 foi o de produtos alimentícios, com uma taxa negativa de -5,1%.

Quadro 3: Produção Física Industrial de Santa Catarina, variação dos meses de 2020 em relação ao mesmo mês do ano anterior (2019), por seções e atividades industriais

Tabela 3, PIM NOV

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC

Considerações finais

É notório que o cenário da produção industrial brasileira continua sendo bastante desfavorável, fato que não deve ser creditado apenas à crise decorrente da pandemia do novo coronavirus, mas sim à dinâmica da política industrial vigente no Brasil desde a década de 1990, quando se reconfigurou a política econômica no sentido de garantir o cumprimento do ajuste baseado no tripé macroeconômico, além da expansão da especialização produtiva, tanto no setor agropecuário como industrial. Desde então, a indústria vem perdendo participação no produto e no emprego agregado do país, sendo substituída paulatinamente por atividades de menor intensidade tecnológica e de menor influência a montante e a jusante das cadeias produtivas. Fato sintomático dessa situação pode ser retratado pela decisão recente de encerramento das atividades da Ford no Brasil[4].

Com a pandemia esse cenário se agravou e setores importantes da planta industrial nacional mergulharam numa profunda crise. Os dados da produção de 2020 por grandes categorias econômicas ilustram esse fato ao registrarem perdas acumuladas em todos os macros setores, as quais se encontram mais concentradas nos setores intensivos em tecnologia e com maior potencial de geração de empregos (bens de capital, com retração de -13,1%, e bens de consumo duráveis, com retração de -22%). Além disso, se observa uma estagnação no setor de bens intermediários, que é um núcleo central da produção industrial.

Do ponto de vista da produção industrial agregada atual, é importante registrar que seu nível está abaixo do pico produtivo verificado anteriormente à crise de 2014-2016. De alguma forma, essa situação já está afetando os níveis de estoques em diversos ramos industriais, fato que, no limite, irá afetar ainda mais o desempenho geral da indústria do país.

Essas mesmas questões também estão presentes em Santa Catarina, a despeito da leve retomada dos níveis de produção, especialmente nos últimos meses. O que se desenha para os próximos períodos continua sendo o mesmo cenário: expansões de baixa magnitude incapazes de induzir o fôlego necessário para uma retomada efetiva e sustentável.

Neste sentido, é digno de preocupação o quadro de setores importantes para o desempenho industrial catarinense, como veículos automotores, reboques e carrocerias, metalurgia e artigos de vestuário e acessórios, que continuam apresentando taxas acumuladas negativas a níveis expressivos. De forma oposta, os setores de máquinas e equipamentos e máquinas, aparelhos e materiais elétricos despontam como propulsores da retomada no estado, apresentando sucessivas taxas positivas na variação acumulada.

Em síntese, o cenário que envolve, tanto a indústria brasileira como a catarinense, continuará sob alguns obstáculos ao longo do ano de 2021, dentre os quais se destacam: a) a continuidade da pandemia, tendo em vista que a contaminação da população pela Covid-19 ainda deverá persistir por muito tempo diante das incertezas sobre a atual política de imunização da população; b) o nível de desemprego deverá continuar em patamares elevados, inclusive com tendências de expansão, o que certamente terá impactos negativos sobre o mercado consumidor; c) o fim das políticas emergenciais de combate aos efeitos da pandemia e as incertezas promovidas pelo governo federal nesta esfera; etc.

Neste sentido, é certo que a retomada sustentada dos níveis de produção industrial está condicionada ao desempenho geral da economia brasileira. Para tanto, são fundamentais as decisões futuras de política econômica para se superar de forma efetiva os impactos da pandemia provocada pelo novo coronavírus. Portanto, sem uma política articulada nacionalmente que vise à garantia de emprego e de renda como impulso para o consumo, além da garantia da imunização da população, são restritas as possibilidades para expansão, no curto prazo, das atividades dos diversos setores industriais, bem como do agregado econômico do país. Mais do que isso, será também necessário a consolidação de uma política industrial efetiva, que dê condições para o desenvolvimento da indústria e que, ao mesmo tempo, estabeleça critérios de desempenho e produtividade com o objetivo de aumentar a competividade da planta industrial, evitando assim que situações drásticas como o recente encerramento das atividades fabris da Ford no Brasil se repitam.


[1]Graduando em Ciências Econômicas na UFSC e bolsista do NECAT. Email: matheusrosa.contato@outlook.com

[2] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br

[3] Como indica o recente relatório de Sondagem Especial da CNI. Disponível em: portaldaindustria.com.br/estatisticas/sondesp-79-mercado-de-insumos-e-materias-primas/

[4] Conferir em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/01/11/ford-anuncia-fechamento-de-fbricas-no-brasil.ghtml