Indústria catarinense registra a sétima retração do ano, índice nacional está abaixo do pré-pandemia

18/11/2021 09:38

Por: Matheus Souza da Rosa[1]

Os dados divulgados nesse início de novembro pela Pesquisa Industrial Mensal do IBGE (PIM-PF/IBGE), referentes aos resultados de setembro, reafirmam o cenário adverso para o setor industrial nacional que tem sido verificado desde o início do ano. Em nível nacional, a pesquisa apontou a leve retração de -0,4% na série mês a mês com ajuste sazonal, consolidando a sétima variação negativa do ano e localizando o índice de produção física em patamar inferior aos níveis do pré-pandemia. Já em Santa Catarina, foi registrada retração de -0,5%, o que reverte em parte a alta verificada em agosto e denota a continuidade da tendência de queda que havia se consolidado nos últimos meses.

O saldo das Unidades de Federação (UFs) abrangidas pela pesquisa também ilustra as dificuldades do setor, tendo sido negativos os resultados de 9 das 14 regiões. Os piores desempenhos foram localizados nos estados do Ceará (-4,4%), Amazonas (-4,0%) e Goiás (-2,3%). Destes, Ceará e Goiás são os casos mais preocupantes, pois as retrações de setembro dão continuidade às quedas do mês anterior. Foram positivos os resultados de Pernambuco (3,9%) e Bahia (3,7%), além de Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Espírito Santo, que apresentaram variações positivas de menor magnitude. Os casos de Pernambuco e Bahia chamam atenção pois são altas em estados que apresentaram notórias dificuldades de desempenho ao longo do ano, em ambos os casos a expansão de setembro é reação aos fracos resultados obtidos em agosto.

Com isso, a tônica extraída dos dados da Produção Industrial é de manutenção das dificuldades de expansão do setor, mesmo com os dados positivos localizados regionalmente. A continuidade desse movimento negativo se dá pelos ainda vigentes impactos oriundos da pandemia e da crise econômica, os quais continuam gerando entraves no interior das estruturas produtivas e impedem a retomada econômica. Neste breve texto buscaremos explicitar os resultados da pesquisa para, em seguida, interpretá-los à luz da conjuntura.

A atividade industrial do Brasil em setembro de 2021

A Tabela 1 faz uma síntese dos resultados da produção industrial a partir das quatro séries disponíveis na pesquisa. De início, nota-se a retração de -0,4% na série mensal com ajuste sazonal, consolidando o sétimo dado negativo do ano. Com isso, apenas nos meses de janeiro e maio foram verificadas variações positivas, sendo negativo os resultados de todos os outros meses do ano. Em consequência, o saldo em relação ao mês de janeiro é de retração de -6,5%, o que localiza o índice no patamar mais baixo do ano. Da mesma forma, é negativa a comparação com fevereiro de 2020 (retração de –3,2%), último mês anterior ao período da pandemia, o que mostra que o movimento de recuperação que se estabeleceu no segundo semestre de 2020 também foi anulado pelos resultados negativos dos nove primeiros meses de 2021.

Tabela 1: Variação da atividade industrial do Brasil em vários períodos

T1

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

Como esperado, o melhor desempenho verificado no segundo semestre de 2020 começa a ter reflexos nas séries que utilizam aquele período como base de comparação. Dessa forma, a comparação do desempenho mensal com setembro de 2020 retornou retração de –3,9%, a segunda seguida da série no ano, incrementando as perdas registradas em agosto. Para os próximos meses é esperado que essas retrações se mantenham, já que o movimento de leves altas do ano passado se perpetua até dezembro. Nos desempenhos regionais o saldo é bastante similar, com retrações em 10 das 14 UFs pesquisadas. Os estados de Amazonas, Bahia e Ceará se destacam pela magnitude das retrações, variando –13,5%, -13,3% e –12,3%, respectivamente. Já Rio de Janeiro (5,3%), Minas Gerais (5%) e Santa Catarina (1,5%) obtiveram os melhores desempenhos.

Por sua vez, a série acumulada, que compara o desempenho acumulado em 2021 com o acumulado do mesmo período em 2020, registrou mais um bom resultado. A expansão de 7,5% é o nono dado positivo do ano na série, deixando inequívoca a constatação de um melhor cenário para o setor industrial em 2021 em relação ao ano passado. Contudo, a queda de ritmo das expansões que é verificada desde maio ilustra que esse cenário positivo se dá, em grande parte, como reflexos das baixas bases de comparação condicionadas pelas fortes retrações de março a abril de 2020. Na medida que o segundo semestre avança, as variações positivas da série vão diminuindo, em decorrência dos melhores resultados de 2020 e do atual ritmo claudicante que pode ser visualizado pela ótica das séries mensais.

Por fim, a série de doze meses apresentou resultado expansivo, com variação de 6,4%, consolidando a sexta expansão seguida no ano. Em âmbito regional, foram consideráveis as expansões de Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais, os quais obtiveram variações de 16,4%, 13% e 12,5%, respectivamente. Bahia (-10,3%), Mato Grosso (-6,5%) e Ceará (-4,7%), por outro lado, registraram os piores desempenhos. É especialmente preocupante o resultado baiano, dado que o estado apresenta taxas negativas também nas outras séries e tem nutrido resultados bastante deprimidos ao longo de todo o ano, com desempenho inferior até mesmo na comparação com 2020.

Com isso, a manutenção dos resultados negativos nas séries mensais e a perda de ritmo nos acumulados mostram que os impactos oriundos da pandemia do coronavírus continuam afetando negativamente a capacidade produtiva do setor industrial. Como aponta o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), as principais dificuldades do setor se relacionam aos gargalos nas cadeias produtivas, à inflação e ao desemprego, fatores que foram potencializados pela pandemia. Ainda, agravam esse cenário outros fenômenos, como a recente crise hídrica, as tensões políticas e a falta de clareza sobre os rumos da política econômica no contexto da crise (IEDI, 2021).

A Tabela 2 auxilia a compreensão dessa conjuntura, à luz dos resultados setoriais obtidos ao longo do ano. De pronto, destacam-se as variações negativas localizadas no agregado das indústrias extrativas (-0,3%) e das indústrias de transformação (-0,2%), o que condiciona a formação da retração de -0,4% da indústria geral. Já nos setores desagregados, os resultados de setembro apresentaram 9 retrações, 4 variações próximas da estagnação e 12 expansões, o que corrobora o cenário de variações desiguais entre os setores que tem sido a norma no ano. As retrações de maior relevância ficaram por conta de outros equipamentos de transporte (-7,6%), couros e artefatos de couros (-5,5%) e fabricação de móveis (-3,7%). Já os melhores desempenhos foram obtidos nos setores de fabricação de produtos de fumo (6,6%), impressão e reprodução de gravações (6,5%) e produtos farmoquímicos e farmacêuticos (6,5%). Ainda, é válido salientar que o setor de fabricação de produtos alimentícios (-1,3%), que possui a maior participação no valor da transformação industrial nacional[2], também registrou mais uma retração, o que contribui consideravelmente para o saldo agregado negativo.

Para além disso, pode-se obter uma visão mais abrangente do cenário a partir da observância da trajetória de variações dos setores ao longo do ano. Algumas tendências se destacam, como no caso do setor de veículos automotores, reboques e carrocerias, que tem percorrido trajetória de ampla retração no ano e que em setembro apresentou mais um indicador de ritmo vacilante, com variação de 0,2%. Com isso, o setor apresentou dados de retração ou estagnação em todos os meses do ano, à exceção de abril, consolidando uma variação acumulada de -22,1% no período entre janeiro e setembro.[3] Vale destacar que o setor enfrenta, para além das dificuldades gerais oriundas da pandemia, problemas particulares relevantes, como a escassez de semicondutores e magnésio que ao longo de todo ano tem gerado defasagens na capacidade produtiva do setor. Outro quadro preocupante se dá no setor de produtos de borracha e materiais de plástico, que, excetuando-se a variação positiva de 0,6% em setembro, apresentou retrações em todos os meses do ano, numa variação acumulada de -13% nos nove primeiros meses de 2021. Em consonância com esses casos citados, a Tabela 2 mostra a tendência de queda que é dominante na maioria dos setores, fato que se expressa nos dados agregados da indústria geral.

Tabela 2: Produção Física Industrial do Brasil por Setores de Atividades, mês a mês com ajuste sazonal

T2

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

De todo modo, a comparação com o desempenho de 2020 ainda é amplamente positiva, como pode ser visto através do Gráfico 1, que mostra o saldo acumulado dos setores no ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Dos 25 setores pesquisados, 20 apresentam expansões, sendo as mais expressivas localizadas nos setores de veículos automotores, reboques e carrocerias (35,1%)[4], máquinas e equipamentos (33,8%) e artigos de vestuário e acessórios (26%). Por outro lado, os destaques negativos ficaram por conta de fabricação de produtos alimentícios (-7,6%), produtos de limpeza, perfumaria e higiene pessoal (-4,6%) e manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos (-3,3%). Novamente, é importante perceber a força de retração no setor de produtos alimentícios, dado que representa parcela importante da tendência de queda demonstrada pelo setor industrial no ano.

Gráfico 1: Produção física industrial do Brasil por setores de atividade, acumulada no ano

G1

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

A atividade industrial em Santa Catarina em setembro de 2021

A tendência apresentada pelo setor industrial catarinense em 2021 é caracterizada por clara retração, como mostra o Gráfico 2. Após as quedas de março e abril de 2020, em consequência das profundas incertezas decorrentes da eclosão da pandemia da covid-19, e o movimento expansivo que se sucedeu no segundo semestre do ano passado, a trajetória atual se caracteriza por retrações sucessivas e por poucos indicativos de reversão tendencial. Dos 9 meses do ano, 7 apresentaram variações negativas, consolidando uma retração acumulada de -6,7% no ano. É digno de nota, contudo, que o índice de produção industrial catarinense, a despeito da tendência de queda, ainda se mantém acima dos níveis pré-pandemia, com variação de 5,2%, o que mostra que o ciclo expansivo da segunda metade de 2020 ainda não foi totalmente revertido pelas retrações que se sucederam a partir de fevereiro.

Gráfico 2: Produção Física industrial em Santa Catarina, mês contra mês imediatamente anterior com ajuste sazonal

G2

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

A Tabela 3 mostra a síntese do desempenho industrial de Santa Catarina, a partir das quatro séries cultivadas pela pesquisa. Na série mensal com ajuste sazonal, a retração de -0,5% reverteu em parte a expansão de agosto e interrompeu o que poderia ser o início de um ciclo expansivo. Já nas demais séries, a diminuição da magnitude das variações indica uma possível diminuição no ritmo da atividade industrial em Santa Catarina. Na série mensal em comparação com o mesmo mês do ano anterior, foi obtida expansão de 1,5%. Por um lado, esse resultado representa a nona expansão seguida da série, indicando que a atividade industrial catarinense obteve resultados positivos em todos os meses do ano, na comparação com os meses de 2020. Por outro lado, o dado consolida a tendência de quedas no ritmo de altas que se iniciou em abril do ano corrente, confirmando o cenário esperado em decorrência do melhor ritmo da segunda metade de 2020.

Nas séries acumuladas também foram registradas expansões: na ótica anual a variação foi de 18,1%, enquanto na perspectiva dos doze meses a expansão foi de 16,4%. Esses resultados mostram que, a despeito da tendência retrativa visível nos dados mensais, a produção industrial catarinense tem desempenhado em ritmo superior em 2021, na comparação com o ano passado. Ainda, vale destacar que em ambas as séries o desempenho catarinense representa as melhores taxas dentre os resultados regionais, mostrando que, ao menos relativamente, a indústria catarinense tem obtido respostas mais exitosas para as adversidades levantadas pela pandemia e pela crise econômica.

Tabela 3: Variação da atividade industrial de Santa Catarina em vários períodos

T3

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

O Gráfico 3 apresenta o desempenho setorial acumulado no ano, corroborando os indicativos de melhora no desempenho em relação a 2020. Dos 12 setores pesquisados, apenas fabricação de produtos alimentícios registrou retração, variando -12% na comparação com o mesmo período do ano passado. As maiores expansões se localizam nos setores de metalurgia (63,3%), veículos automotores, reboques e carrocerias (50,3%) e máquinas e equipamentos (41,6%), setores componentes de uma indústria pesada que tem importância no agregado da produção industrial do estado, gerando reflexos positivos, por consequência, também na tração da atividade econômica estadual. Por sua vez, a retração no setor de produtos alimentícios continua se aprofundando mês após mês, o que elenca considerável incerteza sobre a capacidade de crescimento sustentado da produção industrial catarinense no médio prazo, já que o setor sozinho representa quase um quinto do valor da transformação industrial do estado.

Em relação ao setor de produtos alimentícios de Santa Catarina, é digno de nota que o setor acumulou perdas relacionadas, principalmente, às retrações localizadas na produção de óleo de soja refinado, carnes e miudezas de aves congeladas, preparações e conservas de peixes e produção de biscoitos e bolachas, como mostra o texto da pesquisa. Essas perdas podem ser entendidas como reflexos da crise econômica que se potencializou a partir da eclosão da Covid-19, e que depreciou a atividade econômica a partir de fortes impactos no emprego e da renda da população do estado.

Gráfico 3: Produção física industrial em Santa Catarina por setores de atividades, acumulado no ano

G3

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

Desse modo, nota-se na produção industrial de Santa Catarina a continuidade da tendência de queda da atividade industrial que tem se apresentado desde o início do ano. Como ilustra a pesquisa, essa tendência se expressa a partir das sucessivas retrações na série mês a mês com ajuste sazonal. Por outro lado, as taxas acumuladas indicam que a reação de Santa Catarina em 2021 é mais relevante na comparação com o verificado no agregado nacional e nas demais Unidades da Federação, a despeito da queda de ritmo em decorrência da elevação das bases de comparação no segundo semestre de 2020. Além disso, é seguro dizer que o principal problema hoje enfrentado pelo setor industrial catarinense se localiza no setor de produtos alimentícios. A reversão da trajetória de retração desse setor provavelmente será fator importante para o estabelecimento de uma trajetória ascendente e sustentável no índice de produção industrial catarinense.

Considerações Finais

Os resultados da Pesquisa Industrial Mensal de setembro mostram que, em âmbito nacional e estadual, continuam vigorando os entraves para a produção industrial consequentes da pandemia da covid-19 e da crise econômica. Essa continuidade se expressa através da sétima retração registrada na série mês a mês, em nível nacional, o que consolida a retração de -6,5% em relação ao início do ano, e na retração de -0,5% que apresentou a indústria catarinense, alcançando variação negativa de -6,7% no ano.

Como mostra a análise dos setores, permanece também a disparidade de êxito no enfrentamento das dificuldades da pandemia e da crise econômica entre os ramos de atividades. São bastante preocupantes os resultados dos setores de veículos automotores, reboques e carrocerias, produtos de borracha e de material plástico e máquinas, aparelhos e materiais elétricos, os quais continuam apresentando incapacidade de retomada. Em Santa Catarina, é o setor de produtos alimentícios que apresenta os piores resultados, o que coloca na ordem do dia medidas auxiliares que consigam reverter esse cenário, já que o setor representa componente importante da dinâmica econômica do estado.

Para que esses problemas sejam sanados e o setor industrial consiga percorrer uma trajetória expansiva é necessário que ocorra um novo ciclo de aceleração da atividade econômica nacional. Isso está, contudo, relacionado ao estabelecimento de políticas econômicas que enfrentem o problema do desemprego, da inflação e da perda do poder de compra. Esperar o reaquecimento da demanda do consumidor, e consequentemente o impulso da atividade dos setores da indústria, sem essas medidas parece hoje algo ilusório. Além disso, é de primeira importância o avanço da política de vacinação, medida que comprovadamente tem agido como fomentadora da atividade econômica em nível regional e nacional. (IEDI, 2021).

Referências Bibliográficas

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Mensal da Indústria. Produção Física (PIM). Rio de Janeiro (RJ): IBGE, setembro de 2021.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Mensal da Indústria. Produção Física Regional (PIM Regional). Rio de Janeiro (RJ): IBGE, setembro de 2021.

IEDI – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Carta IEDI 1114: Ainda sem progresso. Disponível em:  https://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_1114.html.

IEDI – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Carta IEDI 1115: Avanços e obstáculos à superação da crise da Covid-19. Disponível em: https://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_1115.html.


[1] Graduando em Ciências Econômicas na UFSC e Bolsista do NECAT. Email: matheusrosa.contato@outlook.com

[2] O Valor da Transformação Industrial (VTI) do setor de produtos alimentícios corresponde a 17,9% do VTI nacional.

[3] Em 2020 o setor foi também duramente afetado pelos impactos da pandemia e da crise econômica, tendo obtido uma das maiores retrações acumuladas no ano entre os setores, o que torna a trajetória de 2021 ainda mais preocupante.

[4] Como mostrado no texto, a trajetória da indústria automotiva é de ampla retração em 2021. Contudo, em comparação com o catastrófico ano de 2020, no qual, inclusive, o setor praticamente paralisou as atividades no mês de abril, há um carrego estatístico que possibilita a alta taxa de expansão no acumulado.