Investimento público: a chave para acelerar o desenvolvimento brasileiro

18/07/2025 16:34

Alessandro Donadio Miebach*
Henrique Morrone*

De forma geral, o processo de melhoria efetiva do padrão de vida das sociedades  — com aumento da longevidade, melhor acesso à saúde e à educação, empregos de  maior qualidade e avanços no bem-estar — está associado ao desenvolvimento  econômico. Por sua vez, o desenvolvimento econômico está relacionado ao crescimento econômico. É o crescimento do produto que viabiliza o desenvolvimento das sociedades  e de suas populações.A condição fundamental para o crescimento econômico reside na capacidade das  economias de investir. Neste contexto, investir significa utilizar uma parte da produção  atual para gerar mais produção no futuro. Quanto mais se investe no presente, maior  será a capacidade futura de produzir e maiores serão as possibilidades de  desenvolvimento. O investimento permite à economia incorporar novas tecnologias,  aumentar a produtividade e, no contexto atual, substituir tecnologias poluidoras por  soluções com menor impacto ambiental. Um elevado volume de investimentos  produtivos é condição indispensável para transformar sociedades rumo ao  desenvolvimento. E a carência de investimentos tem sido um dos principais entraves ao  avanço do Brasil nos últimos anos. 

A Figura 1 apresenta a taxa de investimento da economia brasileira ao longo dos  últimos trinta anos. Essa taxa é a razão entre o investimento (a chamada Formação  Bruta de Capital Fixo) e o Produto Interno Bruto (PIB). A média no período foi de  18,0% (IBGE, 2025), muito inferior à de países como China (34,7%), Indonésia  (31,0%), Índia (27,2%) e Malásia (24,7%) (World Bank, 2025). Mesmo a Federação  Russa, afetada por uma crise profunda nos anos 1990, por sucessivas sanções  internacionais e por uma guerra nos últimos anos, apresentou média superior à brasileira: 19,3%. De modo geral, considera-se que apenas com taxas de investimento sustentadas na faixa de 25% ao longo do tempo um país pode promover mudanças  estruturais e acelerar seu desenvolvimento. O Brasil, nas últimas décadas, tem sido incapaz de atingir esse patamar. 

O investimento depende tanto do setor privado quanto do Estado. O investimento privado ocorre quando as empresas percebem oportunidades de lucro e demanda para seus produtos. Por isso, ele é volátil e sujeito a incertezas. Já o investimento público — historicamente responsável por dinamizar o crescimento e o desenvolvimento — gera externalidades positivas: difunde benefícios coletivos, mitiga riscos, viabiliza tecnologias com custos proibitivos para o setor privado e estimula o  próprio investimento privado, como mostram diversas evidências empíricas. 

Em 2023, último dado disponível, o investimento público total (incluindo governo federal, estados, municípios e empresas estatais) foi de apenas 2,61% do PIB  (IBRE-FGV, 2025). Trata-se de um nível extremamente baixo, o que ajuda a explicar o desempenho insuficiente da Formação Bruta de Capital Fixo no Brasil. Em parte, essa realidade decorre de escolhas feitas pela sociedade brasileira — conscientes ou não. 

Figura 1: Taxa de Investimento da Economia Brasileira (1995–2024)

Fonte: IBGE (2025).
Nota: dados de 2023 e 2024 estimados a partir de séries trimestrais. 

Nas últimas décadas, o debate econômico no Brasil e no mundo foi dominado  por ideias ligadas ao neoliberalismo. A partir dos anos 1980, países como Estados  Unidos e Reino Unido adotaram um modelo que prometia crescimento com menos Estado e mais mercado. Cortes de impostos, privatizações, desregulamentações e foco obsessivo no controle da inflação passaram a ditar as políticas públicas. O objetivo declarado era promover eficiência. Na prática, o resultado foi o aumento da desigualdade. 

Um dos pilares teóricos dessa visão foi a chamada Curva de Laffer. Ela sugeria  que cortes de impostos poderiam aumentar a arrecadação, ao estimular a atividade econômica. A teoria, no entanto, esbarrou na realidade: nos EUA, a arrecadação caiu após os cortes promovidos por Ronald Reagan. Para cobrir o rombo, vieram os cortes  em áreas sociais, prejudicando principalmente os mais pobres. O objetivo implícito era  enfraquecer o Estado para justificar o desmonte dos serviços públicos. 

Essa lógica foi além. A austeridade — política de corte de gastos públicos para “equilibrar as contas” — tornou-se dominante. A ideia era simples: reduzir a relação  dívida/PIB por meio da contração do Estado. Mas essa concepção também se revelou  falha. Diversos estudos mostram que não há evidência conclusiva de que uma dívida pública alta impeça o crescimento. Pior: quando os cortes afetam áreas como saúde,  educação ou infraestrutura, é o crescimento que mais sofre. A austeridade reduziu a  oferta de bens públicos e não impulsionou os investimentos privados nos EUA, na  Europa e em regiões periféricas da América Latina, África e Ásia. Já os países que não seguiram essa cartilha avançaram em desenvolvimento. Aqueles que aderiram ficaram  presos ao atraso tecnológico e à persistência de problemas sociais estruturais. 

No Brasil, o cenário é ainda mais preocupante. O país possui hoje uma das  menores taxas de investimento entre as economias emergentes. Sem investimento, não  há crescimento sustentável. E, sem crescimento, a dívida pública se torna ainda mais  difícil de administrar — um ciclo vicioso. 

É urgente inverter essa lógica. O verdadeiro problema da economia brasileira não é o desequilíbrio fiscal ou o tamanho da dívida, mas sim a cronicamente baixa taxa de investimento. E, nesse contexto, o investimento público tem papel central. Ele não  substitui o investimento privado — pelo contrário, o complementa. Quando o Estado  investe, cria demanda, reduz incertezas e fornece previsibilidade. Isso estimula o setor  privado a fazer o mesmo. É o motor inicial que coloca a engrenagem em movimento. 

Romper com a austeridade e retomar o investimento público não significa irresponsabilidade fiscal. Significa entender que equilíbrio fiscal e desenvolvimento não são objetivos incompatíveis — desde que a política econômica seja orientada para o longo prazo e para o crescimento com inclusão. Propostas como tributar os mais ricos,  revisar subsídios empresariais, reduzir juros, acabar com emendas parlamentares que fragmentam o orçamento, e modernizar o aparato estatal são fundamentais. Mas tais medidas só surtirão efeito se vierem acompanhadas da superação definitiva das concepções neoliberais ultrapassadas. 

O Brasil precisa abandonar o receituário neoliberal que tem travado sua economia. Recolocar o investimento público no centro da estratégia de desenvolvimento é essencial para gerar empregos, elevar a produtividade e construir uma nação mais justa. A crise que vivemos não é apenas econômica — é também uma crise de imaginação política. Está na hora de mudar o rumo.


*Professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS. Artigo originalmente  publicado no site Jornal GGN em 18.06.25.

 

Referências Bibliográficas

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema de Contas Nacionais,  2025. 

World Bank. Macro Poverty Outlook, 2025. 

IBRE-FGV – Instituto Brasileiro de Economia, Fundação Getúlio Vargas. Observatório  de Política Fiscal, 2025.