Nova queda de ritmo na atividade industrial em dezembro e descompasso entre desempenhos setoriais

10/03/2021 11:06

Matheus Rosa[1]

O último ano se caracterizou por expressivas variações em praticamente todos os indicadores econômicos do Brasil. A pandemia da Covid-19 foi o principal motor dessa instabilidade, consolidando, ao fim do ano, uma retração histórica de 4,1% do Produto Interno Bruto – a maior queda da série histórica que se inicia em 1996.

Esse profundo abalo conjuntural incidiu sobre a estrutura econômica de um país que há décadas sofre um verdadeiro desajuste, agravando tendências prévias de deterioração do setor industrial. Das mais importantes, certamente, está a tendência de especialização produtiva no setor exportador e de perda relativa de participação das atividades industriais na renda e no emprego, a qual compromete, ano após ano desde a década de 80, a nossa capacidade de crescimento sustentável e de desenvolvimento econômico (OREIRO; FEIJÓ, 2010).

Os impactos da pandemia da Covid-19 no setor industrial, como mostramos em artigo recente, catapultaram essa dinâmica ao afetar, de maneira expressiva no Brasil e em Santa Catarina, setores que já se encontravam fragilizados pela lógica de desfavorecimento das atividades industriais de maior complexidade tecnológica (MATTEI; ROSA, 2020).

Nesse pequeno ensaio, propomos uma avaliação sobre esses impactos registrados na produção industrial em 2020, no Brasil e em Santa Catarina. Iniciaremos pela análise dos dados de dezembro recém-divulgados. Após, trabalharemos com os acumulados de 2020, com o objetivo de obter um quadro totalizante da dinâmica industrial no último ano.

A Produção Física Industrial do Brasil em dezembro de 2020

Os dados de dezembro da Produção Industrial no Brasil indicam a continuidade da retomada dos níveis de produção, porém, novamente, num ritmo cada vez menor quando comparado às variações registradas nos meses anteriores. Como ilustra o Quadro 1, em dezembro a Produção Física expandiu 0,8% em relação ao mês imediatamente anterior, na série com ajuste sazonal. Essa expansão tímida é o pior indicador do ano quando excetuamos os dados excepcionais de Março e de Abril. Também representam uma continuidade na tendência de taxas de crescimento cada vez mais reduzidas após os impactos iniciais da Covid-19 no Brasil.

Quadro 1: Atividade Industrial no Brasil, 2020

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

Das 14 Unidades da Federação (UFs) pesquisadas, dez apresentaram variações positivas em relação ao mês imediatamente anterior, como ilustra o Gráfico 1. As maiores altas se concentraram nos estados do Espírito Santo (5,4%), Ceará (4,7%), Pará (3,6%) e São Paulo (3,4%). As variações negativas ficaram por conta de Bahia (-4%), Amazonas (-3,7%), Pernambuco (-2,9%) e Goiás (-0,8%). Importante registrar que as altas de estados como Espírito Santo, Ceará e São Paulo se dão num contexto de repique em relação aos dados de novembro, quando esses estados registraram fortes quedas.

Gráfico 1: Produção Física Industrial nas UFs, variação (%) no mês (com ajuste sazonal)

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC

Em posse desses dados, podemos observar o acumulado do ano dentre os diferentes setores que compõem a planta industrial nacional. Como demonstra o Gráfico 2, ainda há um longo caminho para a recuperação de uma ampla gama desses setores duramente afetados pela crise econômica e pelas consequências da pandemia. Em termos gerais, registramos acumulados negativos na Indústria Geral (-4,5%), Indústria Extrativa (-3,4%) e na Indústria de Transformação (-4,6%). Todas essas variações em relação ao acumulado do já fraco ano de 2019.

Gráfico 2: Produção Física Industrial por setores de atividade, acumulado do ano (Brasil, 2020)

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC

Já nos subsetores, podemos ter uma noção mais adequada do quadro de 2020. Dos 25 setores da pesquisa, apenas seis encerraram o ano com dados positivos. Foram eles: Produtos de fumo (10,1%), Coque e produtos derivados do petróleo (4,4%), Produtos alimentícios (4,2%), Produtos de limpeza, cosméticos e higiene (2,7%), Produtos Farmoquímicos e farmacêuticos (2%) e Celulose, papel e produtos de papel (1,3%).

Todos os setores restantes fecharam o ano com variações negativas. Os piores desempenhos foram os dos setores de Impressão e reprodução de gravações (-38%), Equipamentos de transporte (-29,1%), Veículos automotores (-28,1%) e Artigos de vestuário e acessórios (-23,7%). Com isso, é possível observar a queda brusca de setores importantes para o desempenho não só da indústria nacional, mas também das atividades econômicas gerais, dadas as suas importâncias para manutenção dos níveis de emprego e de renda de diversas regiões do país. É o caso dos setores de maior complexidade tecnológica, como Veículos Automotores, Metalurgia (-7,2%) e Máquinas e Equipamentos (-4,2%), ambos com variações negativas no acumulado de 2020.

Em termos gerais, podemos observar um quadro de estabilidade dos setores de demanda contínua (Produtos alimentícios, Produtos de fumo e Coque e derivados de petróleo) e daqueles “beneficiados” pela situação de pandemia, como Produtos de limpeza e higiene pessoal e Produtos Farmoquímicos e Farmacêuticos. Todos os outros setores oscilaram de forma negativa, seja pela interrupção direta de atividades em decorrência da pandemia, pela queda de demanda decorrente da redução no Consumo das Famílias[2], ou pela instabilidade econômica generalizada – que elevou o nível de incerteza e provocou, também, queda nos níveis do investimento privado.[3]

A atividade industrial catarinense em dezembro de 2020

Em Santa Catarina, observamos também uma queda no ritmo das recuperações mensais da Produção Física Industrial. Como ilustra o Gráfico 3, em dezembro o nível de produção cresceu 2,4% em relação ao mês imediatamente anterior, consolidando um desempenho superior à média nacional (0,8%). Essa taxa de crescimento, porém, é a menor desde as grandes quedas de março e abril. Desde então, é visível uma tendência de diminuição paulatina dos indicadores mensais, o que acaba por caracterizar uma recuperação ainda muito tímida das perdas relacionadas à pandemia do novo coronavirus.

Gráfico 3: Produção Física Industrial em Santa Catarina, variação (%) no mês (com ajuste sazonal) – 24 meses

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

O Quadro 2 detalha essa dinâmica a partir de outros indicadores. Assim como no conjunto do país, é possível notar uma considerável expansão na comparação com dezembro de 2019, da ordem de 18,7%. No acumulado do ano, porém, a marca também é negativa, com retração de 4,4% em relação ao acumulado do mesmo período de 2019.

Quadro 2: Atividade Industrial em Santa Catarina, 2020

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

Em relação ao comparativo com as outras UFs pesquisadas (Gráfico 4), podemos notar que Santa Catarina se encontra dentre os onze estados com variações acumuladas negativas. Apenas Pernambuco, Rio de Janeiro e Goiás apresentaram resultados positivos, sendo apenas o do primeiro algo realmente digno de nota, com variação de 3,7%. Rio de Janeiro e Goiás permaneceram estagnados (0,2% e 0,1%, respectivamente). A grande maioria das UFs restantes apresentou variações expressivamente negativas, com destaque para Espírito Santo (-13,9%), Ceará (-6,1%), São Paulo (-5,7%) e Amazonas (-5,5%). Com isso, sete estados permaneceram abaixo da taxa média do acumulado nacional.

Gráfico 4: Produção Física Industrial, acumulado em 2020, por UFs

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

Observando as variações intrassetoriais, podemos ter um quadro mais preciso sobre a Produção Industrial no estado. Como mostra o Gráfico 5, apenas 4 dos setores pesquisados apresentaram dados positivos. Foram eles, Máquinas, aparelhos e materiais elétricos (8,5%), Máquinas e equipamentos (6,7%), Produtos de borracha e de material plástico (3,3%) e Celulose, papel e produtos de papel (1,4%). Os setores restantes apresentaram taxas negativas, com destaque para Veículos Automotores (-22,3%), Artigos de vestuário e acessórios (-15,6%), Metalurgia (-13,8%) e Produtos minerais não-metálicos (-11,1%). Dessa forma, 8 dos 12 setores pesquisados em Santa Catarina apresentaram um desempenho acumulado anual inferior ao registrado no mesmo período de 2019.

Gráfico 5: Produção Física Industrial em Santa Catarina, acumulado em 2020, por setores

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC.

A particularidade do quadro catarinense está no bom desempenho verificado em setores importantes para o desempenho econômico do estado, como Máquinas, aparelhos e materiais elétricos e Máquinas e Equipamentos. Enquanto no cenário nacional esses setores retrocederam ao longo do ano, no estado pudemos verificar expansões significativas em ambos os casos. Como mostra o Quadro 3, essas expansões foram possibilitadas por altas sucessivas e de expressão a partir do mês de julho.

Quadro 3: Produção Física Industrial de Santa Catarina, variação dos meses de 2020 em relação ao mesmo mês do ano anterior (2019), por seções e atividades industriais

Fonte: PIM-PF IBGE; Elaboração: NECAT-UFSC

O cenário continua preocupante, no entanto, em setores como Veículos automotores, reboques e carrocerias, Artigos de vestuário e acessórios e Metalurgia, que apenas nos últimos três meses esboçaram dados iniciais de recuperação e que ainda precisam ser comprovados nos próximos meses.

Considerações Finais

De pronto, percebe-se que as narrativas recorrentemente veiculadas pela imprensa e pelas entidades representativas empresariais são confrontadas pelos dados. Isso porque a “recuperação” propagada tem perdido constantemente o ritmo no Brasil e em Santa Catarina, e a disparidade entre os setores é gritante, de modo que, ainda que que alguns deles esbocem tendências sustentáveis de recuperação, a grande maioria ainda encontra dificuldades para reagir aos impactos da pandemia e da crise econômica.

No cenário nacional, se fazem nítidos os impactos da dinâmica de especialização produtiva no setor agroexportador e de perda relativa de importância da indústria na produção e no emprego. O ano de 2020 serviu para intensificar essa lógica, sendo visíveis as perdas localizadas nos setores de maior intensividade tecnológica, como Veículos Automotores e Máquinas e Equipamentos. Para os próximos meses, será necessário acompanhar o desempenho desses setores para poder avaliar se os impactos de 2020 obterão características de meros abalos conjunturais ou se se consolidarão como o “novo normal” dos setores afetados.

Em Santa Catarina, assistimos uma queda consolidada em setores importantes para o desempenho econômico estadual, como Artigos de vestuário e Metalurgia. A particularidade do estado está no desempenho positivo de Máquinas, aparelhos e materiais elétricos e Máquinas e Equipamentos, que, contrariando o cenário nacional, por aqui apresentam bom desempenho em 2020. É certo que parte destes bons indicadores é devida ao pífio nível de produção de 2019, porém não deixa de ser positivo observar uma maior resistência aos impactos da pandemia nesses setores em nível estadual.

De modo geral, o desempenho da indústria nacional e catarinense nos próximos meses dependerá em grande medida das políticas para superação dos impactos do coronavirus. É nítido que o cenário de grave crise no setor industrial não foi inaugurado pela pandemia, porém as incertezas e gargalos de demanda que esse contexto gera tampouco auxiliam na consolidação de uma retomada efetiva dos níveis de produção industrial. Nesse sentido, a aceleração da vacinação em território nacional é medida de primeira importância, bem como as medidas imediatas de controle da propagação do vírus.

Complementarmente, será necessária a ativação de uma política urgente de recuperação do emprego e da renda, com o objetivo de recuperar os níveis de demanda e prover o estímulo necessário para o incremento da produção. Da mesma forma, se faz de primeira importância a implementação de políticas setoriais de apoio aos produtores industriais dos setores fragilizados e que se interligam com as dinâmicas econômicas locais e nacional, com o objetivo de viabilizar as condições para a recuperação desses setores e, consequentemente, do desempenho econômico que deles depende.

Para além da narrativa alarmista da mídia, que veicula a recuperação de forma tresloucada com o objetivo de recuperar minimamente os “níveis de confiança” e com isso aumentar o investimento privado, são as medidas aqui citadas que podem atuar por uma efetiva recuperação industrial. Essas medidas, articuladas com uma reversão categórica na forma de condução da política econômica nacional, abandonando nosso atual modelo de especialização agroexportadora, se apresentam como o único caminho para impedir um completo desastre no setor industrial nacional e catarinense.


[1] Graduando em Ciências Econômicas na UFSC e bolsista do NECAT. Email: matheusrosa.contato@outlook.com

[2] O Consumo das Famílias regrediu -5,5% por 2020, afetando diretamente as atividades dos setores de comércio e serviços, causando impactos reflexivos também nas indústrias que produzem bens para abastecimentos destes setores.

[3] A Formação Bruta de Capital Fixo recuou -0,8% em 2020.

REFERÊNCIAS

OREIRO, J. L.; FEIJÓ, C. Desindustrialização: conceituação, causas, efeitos e o caso brasileiro. In: Revista de Economia Política, v. 30, n. 2, 2010.

MATTEI, L; ROSA, M. Impactos da pandemia no setor industrial catarinense. In: Revista NECAT, v. 9, n. 17, 2020.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Mensal da Indústria (PIM), 2020.

_______. Pesquisa Mensal da Indústria – Produção Física Regional, 2020.

_______. Contas Trimestrais Nacionais, Quarto trimestre de 2020.