O decreto 1.168 é insuficiente para conter a propagação da COVID-19 em santa catarina

25/02/2021 12:51

Por: Lauro Mattei [1]

No dia 24.02.2021 o governo de Santa Catarina emitiu o Decreto 1.168 com o objetivo de conter a propagação da Covid-19 no estado, tendo em vista o expressivo crescimento da doença nos últimos meses, fato previsto para acontecer a partir de várias alertas emitidas por diversos setores científicos ainda no mês de dezembro de 2020. Portanto, é importante observar o que se fez naquele mês para entender porque o estado chegou à situação atual.

Registre-se que no dia 18.12.2020, por meio do Decreto 1.027, foi totalmente flexibilizado o funcionamento de um conjunto de atividades nas áreas de prestação de serviços, sociais e de lazer, exatamente no momento em que a pandemia estava apresentando sinais claros de recrudescimento. E tudo isso foi feito para não se prejudicar a temporada de verão e, segundo o próprio governador, para a “defesa da liberdade individual”, uma vez que não competia ao governo “interferir na liberdade das pessoas”. Ou seja, a mensagem do governador na época deixou claro que ele estava se isentando de adotar qualquer medida mais restritiva para controlar a pandemia. Ainda segundo ele, a regra era clara: “preservar vidas a partir do respeito à liberdade individual”.

Os resultados, previstos por diversas pessoas responsáveis, hoje estão visíveis em todo o território catarinense, inclusive sendo admitido em redes sociais por integrantes da área da saúde do governo atual, os quais já estão admitindo que o sistema de saúde estadual esteja entrando em colapso. Apenas relembrando: quando indicávamos essa possível situação ainda no mês de dezembro de 2020, fomos taxados de alarmistas.

É neste contexto de ações controversas do governo estadual ao longo de toda a pandemia que o decreto antes mencionado precisa ser analisado. Em termos gerais, tal instrumento adota poucas medidas restritivas com efeitos diretos e imediatos sobre a expansão da pandemia, repassando novamente aos administradores municipais a responsabilidade pela adoção de medidas restritivas mais drásticas que a situação atual exige em todo o estado e não somente em algumas regiões. Em função disso, o decreto torna-se pouco útil no sentido de configurar uma estratégia articulada de controle da pandemia em todo o território catarinense. Além disso, observa-se apenas uma única medida restritiva que poderá provocar resultados imediatos sobre a propagação da virose. Senão vejamos:

a) parques temáticos e zoológicos, cinemas, teatros, circos, museus, igrejas e templos religiosos também deveriam permanecer fechados por 15 dias;

b) eventos sociais, congressos, palestras, seminários, feiras e exposições também deveriam ser proibidos pelos próximos 15 dias, enquanto a abertura de bares (que têm se transformado em locais altamente contagiosos) não poderiam operar até as 24h e ter um regramento mais rígido;

c) todas as atividades relativas aos item VI do decreto, com funcionamento permitido entre as 06h e 24h, e sem restrições de ocupações, deveriam ser revistas, uma vez que academias, centros de treinamentos, centros comerciais e shoppings poderiam ser melhor regrados, de tal forma a não prejudicar as atividades, porém preservando a estratégia de controle da doença;

d) estabelecer o acesso aos parques, praças e praias sem aglomerações é desconhecer e ignorar as cenas lamentáveis de aglomerações que estamos assistindo todos os dias há mais de 2 meses.

Em síntese, o conteúdo do referido decreto mais parece uma colcha de retalhos, cuja finalidade é tentar mostrar à sociedade catarinense que algo está sendo feito. Todavia, não quero crer que esta será a percepção da sociedade diante de uma tragédia anunciada. Até mesmo porque signatários do referido decreto têm feito recentemente demonstrações públicas contrárias à adoção de quaisquer medidas mais drásticas para conter a pandemia, inclusive desqualificando atitudes nesta direção adotadas por outras autoridades.


[1] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br