O desemprego aumentou em Santa Catarina no primeiro trimestre de 2021

02/06/2021 10:20

Por: Lauro Mattei[1] e Vicente Loeblein Heinen[2]

É inegável que o tema do desemprego no país é uma das consequências mais visíveis da pandemia causada pelo novo coronavírus. Os dados da PNAD Contínua, relativos ao primeiro trimestre de 2021 e divulgados recentemente pelo IBGE, revelaram a gravidade desse problema social, uma vez que a taxa de desocupação subiu de 13,9%, no 4º trimestre de 2020, para 14,7%, no primeiro trimestre de 2021. A pesquisa constatou que, no comparativo entre esses dois períodos, a taxa de desocupação no Brasil aumentou em oito unidades da federação: PE; AM; MA; TO; PI; MG; PA e SC. Particularmente em Santa Catarina, no mesmo período considerado essa taxa subiu de 5,3% para 6,2%.

Mesmo assim, algumas autoridades governamentais se locupletam afirmando que “Santa Catarina mantém a menor taxa de desemprego do país”[3]. Para o Secretário de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável, além do estado ter a menor taxa de desocupação do país, “temos o menor número de desempregados e geramos quase 100 mil vagas de emprego este ano”[4]. Tais afirmações, além de conterem análises superficiais, podem ser consideradas até mesmo ufanistas. Por isso, elas foram contrastadas recentemente por análises que mostram aspectos bem mais complexos da dinâmica atual do mercado de trabalho catarinense[5]. Já os meios de comunicação seguem esse mesmo diapasão ao repercutir que a “Taxa de desemprego de SC sobe para 6,2%, mas segue a menor do país”[6]. Nessa lógica interpretativa, se ocultam alguns dos principais problemas do estado nesta esfera, uma vez que uma parcela expressiva da população catarinense continua sofrendo os efeitos negativos do aumento acelerado do desemprego.

Em primeiro lugar, os resultados da PNAD Contínua relativos ao primeiro trimestre de 2021 revelaram que a taxa de desocupação estadual registrou uma alta de 0,9 pontos percentuais (p.p.) em relação ao trimestre imediatamente anterior e de 0,5 p.p. na comparação com o início do ano de 2020. Em grande medida, esse resultado decorre do crescimento de 16,7% da população desocupada, isto é, das pessoas que procuraram trabalho no mês de referência da pesquisa e que estariam aptas a assumir uma vaga, caso a encontrassem. Com isso, o número de desempregados em Santa Catarina atingiu 228 mil. Esse montante sofreu um acréscimo de 33 mil pessoas apenas no primeiro trimestre desse ano.

Essa situação não representa uma quebra de tendência em relação aos resultados anteriores. Na verdade, ela é apenas mais um reflexo do processo de deterioração do mercado de trabalho catarinense que foi observado ao longo de 2020. Conforme destacamos em outro estudo[7], Santa Catarina fechou postos de trabalho em um ritmo muito acelerado entre os meses de abril e junho do ano passado. Todavia, grande parte dos trabalhadores que perderam suas ocupações não permaneceu no mercado de trabalho procurando emprego, mas saiu dele. Com isso, houve uma intensa queda da taxa de participação na força de trabalho[8], a qual conteve o crescimento da taxa de desemprego – que mede a proporção da força de trabalho que está efetivamente à procura de trabalho –, dando a falsa impressão de que o mercado de trabalho estadual havia se recuperado rapidamente. A relação entre essas duas taxas pode ser observada a partir do Gráfico 1, que mostra a queda da taxa de desocupação no terceiro trimestre de 2020, atingindo seu menor nível no último trimestre do referido ano para voltar a recrudescer no primeiro trimestre de 2021, quando atingiu o patamar de 6,2%.

Gráfico 1 – Evolução da taxa de desocupação e da taxa de participação na força de trabalho (2014-2021, em %).

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Fonte: PNADC/T (2021); Elaboração própria.

No primeiro trimestre de 2021 ocorreu uma mudança na dinâmica observada ao final de 2020. De acordo com os dados contidos no Gráfico 2, Santa Catarina perdeu mais 36 mil ocupações. No entanto, como a força de trabalho permaneceu praticamente inalterada, isso fez com que a queda no nível de emprego se convertesse em aumento do desemprego. Ainda que esse resultado possa conter um forte componente sazonal – pois geralmente existe uma tendência de perda de ocupações no primeiro trimestre de cada ano –, um olhar sobre o mesmo período de 2020 revela um cenário bastante negativo, tendo em vista que foram perdidos 160 mil postos de trabalho entre o primeiro trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2021. Além disso, é importante notar que grande parte dos catarinenses que estavam trabalhando antes da pandemia ainda não voltou ao mercado de trabalho, seja por falta de oportunidade de trabalho, por afastamentos ou, até mesmo, por possuírem alternativas de renda, conforme explicamos em estudo publicado recentemente[9]. Dessa forma, Santa Catarina conta hoje com aproximadamente 240 mil pessoas a menos na força de trabalho, comparativamente ao montante existente ao final de 2019. Portanto, somente quando essa população for (re)empregada é que se poderá falar, de fato, em uma recuperação do mercado de trabalho estadual.

Gráfico 2 – Crescimento trimestral da população ocupada, desocupada e da força de trabalho (2018-2021, mil pessoas).

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Fonte: PNADC/T (2021); Elaboração própria.

Tendo em vista as distorções provocadas pela pandemia no indicador tradicional de desemprego, torna-se ainda mais importante observar o comportamento das medidas de desemprego oculto. Na PNAD Contínua, há dois indicadores principais que cumprem essa função: a força de trabalho potencial (pessoas que desejariam estar trabalhando, mas que não procuraram emprego ou que não poderiam assumir) e a subocupação por insuficiência de horas trabalhadas (pessoas que têm jornadas de trabalho inferiores a 40 horas semanais e necessitariam trabalhar mais horas). Conforme indica o Gráfico 3, o primeiro trimestre de 2021 marcou não somente um avanço do desemprego, mas também uma piora na condição do emprego, tendo em vista que a população subocupada aumentou em 23 mil pessoas, registrando alta de 34% em relação ao mesmo período de 2020. Já a força de trabalho potencial, embora tenha diminuído em 14 mil pessoas no último trimestre, segue em patamares bastante elevados, acumulando crescimento anual de 25%.

Gráfico 3 – Crescimento trimestral da população subutilizada, por medida de subutilização (2018-2021, mil pessoas).

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Fonte: PNADC/T (2021); Elaboração própria.

Com tais resultados, Santa Catarina já conta com 101 mil pessoas subocupadas e 122 mil pessoas na força de trabalho potencial, sendo 40 mil delas desalentadas (quando o motivo para a não procura por trabalho é a falta de perspectiva em encontrá-lo)[10]. Somando esses dois indicadores à população desocupada (228 mil pessoas), tem-se a medida composta de subutilização da força de trabalho catarinense, que já totaliza 452 mil pessoas, conforme Organograma 1. Isso implicou em um aumento absoluto de 43 mil pessoas no primeiro trimestre de 2021. Já em termos relativos, essa população corresponde a 11,9% da força de trabalho ampliada do estado, representando uma taxa de subutilização 2 p.p. superior à registrada no início de 2020.

Organograma 1 – Fluxos do mercado de trabalho de Santa Catarina (1º trimestre de 2021).

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Fonte: PNADC/T (2021); Elaboração própria.

Nota: Números entre parênteses indicam a variação absoluta do indicador com relação ao 4º trimestre de 2020.


[1] Professor titular do curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador geral do Necat/UFSC e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: l.mattei@ufsc.br.

[2] Estudante de Economia da UFSC e bolsista do Necat/UFSC. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[3] GOVERNO DE SANTA CATARINA. Santa Catarina mantém a menor taxa de desemprego do país. 27 mai. 2021.

[4] Fala do Secretário de Desenvolvimento Econômico Sustentável em 28/05/21 durante reunião do Fórum Invest SC.

[5] Ver HEINEN, V. L.; MATTEI, L. Emprego e desemprego em Santa Catarina: o mundo fictício do governo estadual

[6] NSC TOTAL. Taxa de desemprego de SC sobe para 6,2%, mas segue a menor do país. 27 mai. 2021.

[7] Ver Heinen, V.L.; Mattei, L. Santa Catarina perdeu 163 mil postos de trabalho no primeiro trimestre de 2020.

[8] A taxa de participação na força de trabalho corresponde à parcela da população em idade ativa (14 ou mais anos de idade) que se encontra na força de trabalho, isto é, ocupada ou à procura de trabalho.

[9] Ver HEINEN, V. L.; MATTEI, L. Mesmo com baixo desemprego, Santa Catarina perdeu 220 mil postos de trabalho em 2020: como isso foi possível? 2021.

[10] O IBGE classifica como desalentadas as pessoas que desejariam trabalhar, mas que estavam fora da força de trabalho por um dos seguintes motivos: não conseguir trabalho; não possuir experiência; ser muito jovem ou muito idoso/a; ou não encontrar trabalho na localidade. Os desalentados são um subgrupo da força de trabalho potencial.