O emprego formal diante da pandemia da COVID-19: Santa Catarina perdeu cerca de 103 mil postos formais de trabalho em três meses

03/07/2020 17:17

Por: Lauro Mattei ¹

Inicialmente é importante mencionar que o país registrou o primeiro caso da doença Covid-19 ao final de fevereiro de 2020, sendo que as principais medidas para seu controle começaram a ser adotadas no início do mês de março. Diante do fato de que ainda não existe uma vacina capaz de controlar tal doença, tais medidas se restringiram praticamente a adoção da política de isolamento social como forma de reduzir o nível de contágio da população.

O primeiro caso da Covid-19 provocada pelo novo coronavírus em Santa Catarina (SC) foi registrado no início do mês de março de 2020. Daí em diante a doença se espraiou por todo estado e atingiu graus elevados de contágio. Com isso, medidas de isolamento social também foram adotadas visando controlar a epidemia. Tais medidas restringiram o funcionamento de um conjunto de atividades econômicas consideradas não essenciais, causando efeitos sobre mercado de trabalho catarinense.

Todavia, é importante resgatar que em 14.10.2019, o Ministério da Economia emitiu a Portaria SEPRT-ME nº 1.127, estabelecendo que o conjunto de empresas que entre 2018 e 2019 já tinham declarado sua situação empregatícia por meio do sistema eSOCIAL não precisariam mais declarar o CAGED a partir de janeiro de 2020, data que deu início a transição para o chamado “Novo CAGED”. Mas nos dois primeiros meses do corrente ano ocorreram sérios problemas com o novo sistema, uma vez que a SEPRT-ME constatou que muitas empresas deixaram de informar os desligamentos no eSOCIAL, comprometendo as transferências da base de dados. Esse problema, somado às dificuldades decorrentes das consequências da pandemia sobre as empresas (muitas estavam sem operação e outras estavam operando apenas com trabalho remoto), levou a  SEPRT-ME a suspender a divulgação mensal do CAGED até o mês de abril para readequar as duas bases de dados (CAGED e eSOCIAL). Com isso, as informações relativas aos meses de janeiro a abril de 2020 foram divulgadas somente no final do mês de maio de 2020, ao passo que as informações relativas ao mês de maio foram divulgadas somente no dia 29.06.20.

O objetivo do presente artigo é analisar essas informações divulgadas recentemente com o intuito de compreender a dinâmica atual do mercado formal de trabalho em SC à luz do cenário geral de pandemia que tomou conta de todo o país, fenômeno que impactou fortemente o conjunto do mercado de trabalho.

1. OS RESULTADOS AGREGADOS PARA SANTA CATARINA

O Quadro 1 apresenta as informações agregadas para Santa Catarina (SC) obedecendo o corte temporal do início da pandemia. Assim, nota-se que os efeitos sobre o mercado de trabalho já tiveram início a partir do mês de março, ainda que de forma pouca expressiva, uma vez que a doença se encontrava em um nível não muito elevado em todo o país e em Santa Catarina, em particular. Todavia, com o avanço da doença e com o maior grau de restrições impostas à população como forma de controlar a epidemia, verificou-se expressivo impacto no mercado formal de trabalho no mês seguinte (abril), quando o saldo entre admissões e demissões foi negativo da ordem de mais de 73 mil postos formais de trabalho.

Quadro 1: Admissões e Desligamentos de trabalhadores em SC entre os meses de março e maio (valores unitários)

Quadro 1

Como dissemos, no final de maio foi divulgado o primeiro CAGED de 2020 com os resultados acumulados entre janeiro e abril. Neste caso, notou-se que o emprego formal acumulado até o quarto mês do ano apresentou um saldo positivo de 40.705 nos meses de janeiro e fevereiro e um saldo negativo de 80.150 relativo aos meses de março e abril. Com isso, o agregado líquido até o mês de abril foi um saldo negativo de 39.445 empregos formais.

Com a evolução da doença a partir do mês de março e, consequentemente, com a adoção de medidas de isolamento social mais rígidas, gerou-se um efeito bem mais expressivo no mês seguinte. Com isso, observa-se que em abril houve um aumento no saldo negativo de mais de dez vezes em relação aos resultados obtidos no mês anterior. Isto se explica pelo fato de que os desligamentos foram 3,2 vezes maiores que as admissões. Tal movimento parece ter perdido intensidade no mês de maio, quando a diferença negativa entre admissões e desligamentos se reduziu para 22.705. Isso significa que o ritmo das demissões foi bem menos intenso, comparativamente ao mês anterior. Mesmo assim, deve-se registrar que o resultado acumulado no ano de 2020 considerando as informações entre janeiro e maio foi negativo da ordem de 62.150 vínculos formais de trabalho, muito embora somente nos últimos três meses foram perdidos 102.855 empregos formais. Na sequência analisaremos essa situação à luz do comportamento do emprego no âmbito das principais atividades econômicas.

2. O COMPORTAMENTO DO EMPREGO FORMAL SEGUNDO OS SETORES DE ATIVIDADE ECONÔMICA

O Quadro 2 apresenta os saldos do emprego formal entre os meses de março e maio, segundo os diversos setores de atividade. Considerando-se que 102.855 mil postos de trabalho foram perdidos nos últimos três meses quando a COVID-19 se espraiou pelo território catarinense, é importante analisar aqueles setores que mais contribuíram para esse elevado resultado negativo.

O grupamento relativo à agricultura, pecuária, pesca e produção florestal apresentou resultados negativos nos três meses considerados, todavia deve-se ressaltar que, em função da estrutura desses setores no estado, apenas uma pequena parte desse macro setor desenvolve atividades formais. O resultado é sua baixa participação no emprego formal agregado do estado, patamar que ao final de 2019 se situava ao redor de 9%. Isso explica porque a participação percentual desse setor no saldo negativo dos três meses foi de apenas 3%.

O setor industrial continua tendo grande importância no emprego formal catarinense, uma vez que ao final de 2019 respondia por aproximadamente 24% dos vínculos formais de trabalho do estado. Observa-se que esse setor ainda manteve um resultado positivo, ainda que incipiente, no mês de março de 2020, muito embora já estavam dadas as condições para aquilo que viria a acontecer nos meses seguintes. Assim, nota-se que no mês de abril a indústria em geral foi responsável por 42% dos desligamentos ocorridos no estado no referido mês. E mais, no mês seguinte (maio) foi o setor que mais contribuiu para os desligamentos, sendo que respondeu por 43% da redução verificada nos postos formais de trabalho no estado em maio de 2020. Com isso, a indústria catarinense contribuiu com 39% dos saldos negativos que ocorreram entre os meses de março e maio de 2020.

Quadro 2: Saldo unitário do emprego formal em Santa Catarina entre os meses de março e maio de 2020, segundo os setores de atividade econômica

Quadro 2

A construção foi outro setor que apresentou resultados negativos ao longo de todos os meses considerados, porém respondendo por apenas 4% do total dos desligamentos. Isso se deve ao baixo percentual de participação do setor no agregado estadual, cuja patamar não passa de 7%. Deve-se recordar que após apresentar resultados positivos bastante expressivos durante os períodos de expansão econômica do país, tal setor reduziu sua participação desde a crise de 2015 de tal maneira que sua participação atualmente é inferior àquela verificada em 2013/2014.

O setor comércio também continua tendo grande importância no emprego formal catarinense, uma vez que ao final de 2019 respondia por aproximadamente 18% dos vínculos formais de trabalho do estado. Esse setor foi um dos mais afetados pelas medidas adotadas para frear a expansão do novo coronavírus, uma vez que apresentou resultados negativos nos três meses considerados, com destaque para o mês de abril quando foi responsável por 20% dos desligamentos ocorridos no estado no referido mês, percentual que se repetiu no mês de maio de 2020. Com isso, o setor do comércio catarinense contribuiu com 21% dos saldos negativos que ocorreram entre os meses de março e maio de 2020.

O setor de serviços continua sendo o mais importante no emprego formal catarinense, uma vez que ao final de 2019 respondia por aproximadamente 42% do total de vínculos formais de trabalho do estado. Esse setor foi o segundo mais afetados pelas medidas adotadas para frear a expansão do novo coronavírus, uma vez que apresentou resultados negativos nos três meses considerados, com destaque para o mês de abril quando foi responsável por 32% dos desligamentos ocorridos no estado no referido mês, percentual que se reduziu para 31% no mês de maio de 2020. Com isso, o setor de serviços contribuiu com 33% dos saldos negativos que ocorreram no estado entre os meses de março e maio de 2020.

De um modo geral, verifica-se que os setores da indústria geral, do comércio e dos serviços, ao apresentarem resultados negativos nos três meses, acabaram respondendo 93% do saldo negativo estadual ao final do período considerado. Esses dados revelam a importância desses setores na dinâmica do emprego formal no estado de Santa Catarina.

3. O SALDO DO EMPREGO FORMAL NO MÊS DE MAIO DE 2020, SEGUNDO DIVERSOS QUESITOS

Nesta seção vamos explorar um pouco mais as características do saldo dos vínculos formais de trabalho existente no mês de maio, segundo alguns quesitos disponibilizados recentemente. Registre-se que tal procedimento não obedecerá a mesma análise temporal anterior, tendo em vista que no “Novo Caged” essas informações somente estão disponíveis para o mês de maio de 2020.

a) Segundo o gênero desse saldo de empregos formais em maio

O Quadro 3 apresenta o saldo existente no mês de maio, segundo o gênero dos desligados. Neste caso, nota-se que os homens responderam por 52% do montante negativo, enquanto as mulheres responderam pelo restante. Essa proporção é um pouco desfavorável às mulheres, tendo em vista que sua participação no total de empregos formais no estado se situa na faixa de 45%.

Quadro 3: Saldo no mês de maio, segundo o gênero dos desligados

Quadro 3

b) Segundo o grau de instrução desse saldo de empregos formais em maio

O Quadro 4 apresenta o saldo do mês de maio, tomando como referência o grau de instrução dos trabalhadores que perderam o emprego. Assim, verifica-se que 29% do saldo do emprego formal em maio fazia parte do grupo com ensino fundamental, sendo que a proporção entre aqueles com esse grau completo foi praticamente idêntica ao grau incompleto.

Quadro 4: Saldo no mês de maio, segundo o nível de instrução dos desligados

Quadro 4

Já a faixa de ensino médio respondia por 60% do saldo do emprego no mês considerado, sendo que o grau ensino médio completo respondia por 49% de todo o saldo geral. Isso indica que o mercado formal de trabalho em Santa Catarina possui um contingente de trabalhadores com um bom grau de instrução. Se a esta faixa agregarmos o ensino superior, veremos que mais de 70% do saldo negativo se localizava nesses dois graus de instrução.

Por fim, destaca-se que a participação dos trabalhadores com ensino superior (completo e incompleto) atingiu o percentual de 11% do saldo mensal, patamar que também está indicando uma boa qualificação da mão de obra que se encontrava formalmente empregada, porém que foi desligada.

c) Segundo a faixa etária do saldo dos empregos formais em maio

O Quadro 5 apresenta o saldo do mês de maio de acordo com a faixa etária dos trabalhadores que perderam o emprego formal. Inicialmente observa-se que a faixa mais prejudicada se situa entre 30 e 39 anos de idade, ao responder por 26% do saldo negativo. Mas deve-se registrar que as duas faixas antecedentes respondiam por 30%, sendo que cada uma delas respondia por 15%. Com isso, nota-se que aproximadamente 56% do saldo era composto por trabalhadores nas faixas entre 18 a 39 anos de idade.

Já as faixas entre 40 e 64 anos de idade respondiam por mais 40% do saldo, indicando que trabalhadores mais idosos, sobretudo na faixa entre 50 e 64 anos de idade, também foram prejudicados. Esse fato é preocupante, uma vez que pessoas nesta faixa etária sempre têm mais dificuldades para se realocar no mercado de trabalho.

Quadro 5: Saldo no mês de maio, segundo as faixas etárias dos desligados

Quadro 5

d) Segundo as principais profissões do saldo do emprego formal em maio

O Quadro 6 apresenta as profissões dos trabalhadores que fazem parte do saldo negativo do mês de maio. De um modo geral, era de se esperar que os mais afetados seriam exatamente os trabalhadores vinculados aos setores que foram fortemente afetados durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus. Inicialmente verificamos que os trabalhadores do setor industrial foram os mais afetados, uma vez que responderam por 41% do saldo negativo verificado no mês de maio. Além deles, também foram fortemente afetados os trabalhadores que atuam como vendedores em lojas e mercados, cujo percentual atingiu 27%. Juntos essas duas categorias de trabalhadores responderam por 68% de todo o saldo negativo.

Quadro 6: Saldo do mês de maio, segundo as profissões dos desligados

Quadro 6

Também merecem destaque os trabalhadores de serviços administrativos que responderam por 15% do saldo negativo no mês de maio. Esse percentual, quando somado às categorias, respondia por 83% do total.

Finalmente, os profissionais técnicos de nível médio respondiam por 9% de todo o saldo negativo no período considerado. Esse percentual, quando somado às categorias profissionais anteriores, respondia por 92% do saldo negativo verificado em maio de 2020.

4. DISTRIBUIÇÃO DO SALDO NEGATIVO MENSAL PELAS PRINCIPAIS CIDADES DE SANTA CATARINA NOS MESES DE MARÇO A MAIO DE 2020

O Quadro 7 apresenta o saldo mensal para o período entre março e maio de 2020 nas principais cidades de Santa Catarina. Inicialmente é importante frisar que esse quadro apenas sintetiza as informações pelas principais cidades, destacando que existem resultados negativos em mais de uma centena de cidades, porém muitas delas com números pouco expressivos.

Uma das características a ser enfatizada é que diversas cidades importantes do estado, como são os casos de Chapecó, Criciúma, Jaraguá do Sul, Lages, Rio do Sul, São Bento do Sul e São José, somente tiveram seus níveis de emprego afetados a partir de abril, mês em que todos os municípios considerados tiveram resultados negativos. Tal tendência também se repetiu no mês de maio, porém em muitos casos já se observando uma desaceleração no ritmo de desligamentos.

Uma segunda característica marcante é que um grupo grande de municípios selecionados apresentou resultados negativos nos três meses em que há informações disponíveis, sendo que em todos eles o mês de abril foi o mais problemático dentre os três períodos considerados. Foi exatamente nesse período que os patamares de desligamentos cresceram em muitas localidades.

Uma terceira característica é que o número de desligamentos continuou elevado em alguns casos (Balneário Camboriú, Blumenau, Florianópolis e Joinville) no mês de maio, apesar de que no cômputo geral do estado observou-se uma tendência de redução expressiva dos desligamentos.

Essas informações são relevantes para as administrações dessas localidades, uma vez que revelam o grau de dificuldades que o mercado de trabalho local está enfrentando, bem como o problema social daí derivado.

Quadro 7: Saldos negativos entre os meses de março e abril, segundo as principais cidades de Santa Catarina

Quadro 7

Um corte microrregional permite observar com maior precisão o problema do desemprego em algumas cidades. Neste caso, destacam-se três cidades da microrregião de Florianópolis (Florianópolis, São José e Palhoça) que juntas perderam 17.208 postos formais de trabalho; quatro cidades da microrregião de Blumenau (Blumenau, Brusque, Gaspar e Timbó) que juntas perderam 14.768 empregos formais; duas cidades da microrregião de Joinville (Joinville e Jaraguá do Sul) que juntas perderam 15.649 postos formais de trabalho; e duas cidades da microrregião de Itajaí (Itajaí e Balneário Camboriú) que juntas perderam 6.085 empregos formais. Somente nessas onze cidades estão localizados 52% dos trabalhadores que perderam emprego nos meses de março a maio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conjunto de informações divulgado recentemente sobre o mercado formal de trabalho em Santa Catarina revela de forma precisa os impactos da Covid-19 sobre empresas e trabalhadores. Todavia, gostaríamos de destacar um aspecto importante: como a crise econômica que afeta o país desde 2015 ainda não foi debelada, verificouse que o ritmo de crescimento do emprego formal, tanto no país como em Santa Catarina, já vinha perdendo fôlego em fevereiro, mês que o mercado formal catarinense apresentou uma redução do saldo positivo de quase um terço em relação ao mês anterior.

Diante do cenário de pandemia, destacaremos algumas questões centrais que podem ser consideradas como síntese do comportamento do mercado formal de trabalho catarinense entre os meses de março e maio:

i) Entre admissões e desligamentos ocorreu um saldo negativo de 102.855 entre os meses de março e maio, sendo que somente no mês de abril houve um saldo negativo de 73.111 postos formais de trabalho;

ii) Como nos meses de janeiro e fevereiro o estado apresentou um saldo positivo da ordem de 40.705, o resultado é que no ano com informações disponíveis (janeiro-maio) houve um déficit de 62.150 empregos formais;

iii) Dentre os setores de atividades, destaca-se que a indústria apresentou as maiores perdas no trimestre de março a maio (39%), seguida pelo setor de serviços (33%) e pelo comércio (21%). Nesses três setores localizam-se 93% do saldo negativo de postos formais de trabalho durante a pandemia;

iv) Dentre os diversos quesitos analisados, destaca-se que, quanto ao grau de instrução, os trabalhadores com ensino médio completo respondiam por 49% do saldo negativo do mês de maio; que 56% desse saldo dizia respeito às faixas de idade entre 18 e 39 anos; e que, dentre as diversas profissões, os vendedores de lojas e mercados, trabalhadores em serviços administrativos e trabalhadores dos diversos setores da indústria de transformação foram os mais afetados;

v) Do ponto de vista das localidades, observou-se que em onze cidades (Balneário Camboriú, Blumenau, Brusque, Florianópolis, Gaspar, Itajaí, Jaraguá do Sul, Joinville, Palhoça, São José e Timbó) se localizavam mais de 52% do saldo negativo dos postos formais de trabalho entre os meses de março e maio.

Apesar de que ao longo do texto também se percebeu que o ritmo de desligamentos acabou diminuindo no mês de maio em relação ao mês anterior, registra-se que esse ritmo ainda continua forte em alguns setores, especialmente na indústria em geral e nos serviços, e bastante expressivo em algumas cidades, como são os casos de Balneário Camboriú, Blumenau, Florianópolis, Joinville e São José.


1 – Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br