O fracasso da vacinação infantil em SC: 544 mil crianças não tomaram sequer a primeira dose da vacina contra a covid19

12/07/2022 14:20

Lauro Mattei[*]

Ao longo das últimas décadas o Brasil se tornou uma referência mundial na vacinação infantil, inclusive com erradicação de doenças infectocontagiosas que ainda persistem em alguns países desenvolvidos. Anualmente as campanhas de vacinação eram bem sucedidas e uma imensa parcela da população aderia aos distintos programas de imunização das crianças incentivada pelo Governo Federal.

Essa trajetória foi fortemente abalada durante o Governo Bolsonaro, mais particularmente após o início da pandemia provocada pelo novo coronavírus. No primeiro momento (ano 2020), negou-se seguidamente e de forma explícita a própria existência da doença, enquanto no segundo momento (2021) se passou a negar a importância da vacina, comportamento oposto ao verificado na maioria dos países do mundo que priorizaram o combate à pandemia massificando a vacinação em todas as faixas etárias populacionais. Neste caso, destaca-se o exemplo recente dos EUA que no momento estão vacinando, inclusive, crianças com idade inferior a três anos de idade.

Após uma extensa controvérsia promovida pelo Governo Federal sobre a vacinação desse público (crianças), finalmente em 16.12.2021 a ANVISA autorizou a vacinação das pessoas da faixa etária entre 5 e 11 anos de idade. O Governo Federal – por meio do Ministério da Saúde (MS) – atuou no sentido de retardar ao máximo o início do processo de imunização desse público. Em função disso, a vacinação infantil contra a Covid-19 no Brasil só iniciou no dia 14.01.2022, momento em que a variante Ômicron já tinha desencadeado uma nova onda contaminatória e as crianças continuavam sendo o grupo social mais exposto a essa nova expansão da doença.

Essa situação de vulnerabilidade do público infantil acabou sendo comprovada ainda no mês de fevereiro de 2022. Estudo divulgado em 18.02.2022 pelo jornal Folha de São Paulo (FSP) mostrou que no início do ano de 2022 ocorreu uma explosão de internações de crianças por Covid-19, ou seja, os menores de 12 anos internados por complicações oriundas dessa doença saltaram de 284 (dezembro/21) para 2.832 (final de janeiro/22). Com isso, a FSP destacou que os meses iniciais de 2022 foram os piores para as crianças brasileiras durante toda a pandemia.

Em Santa Catarina a vacinação infantil teve início no dia 17.01.2022. Dois meses depois (março/22) o jornal Diário Catarinense (DC), em extensa matéria sobre o assunto vacinação infantil, destacou que o estado de Santa Catarina tinha o pior desempenho dentre os estados da região Sul e figurava dentre os piores do país nas 24 unidades da federação pesquisadas, uma vez que até aquele momento apenas 16.765 crianças tinham sido vacinadas. Para se ter uma ideia da grande lacuna no processo imunizatório, basta observar que no mesmo período o estado do Rio Grande do Sul já tinha vacinado 502 mil crianças, enquanto o Paraná tinha imunizado 471 mil crianças. Naquele momento, Santa Catarina se juntava ao grupo de estados com baixos percentuais de vacinação (Acre, Rondônia, Amazonas, etc), todos com menos de 20% do público prioritário.

Quando indagada pela reportagem do DC, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Santa Catarina informou que esse comportamento (não comparecimento das crianças nos locais de vacinação) poderia estar relacionado à desinformação da população. A questão é: o que esse órgão de estado fez efetivamente para reverter tal cenário?

A resposta pode ser encontrada no Quadro 1 que apresenta a evolução da vacinação da população infantil quase seis meses após o início do processo de imunização desse público. A população estimada dessa faixa etária está em 642 mil pessoas. Deste total, no dia 06.07.22 apenas 99 mil pessoas tinham tomado a primeira dose, ou seja, aproximadamente 15% do horizonte populacional, percentual que pode ser considerado extremamente baixo e preocupante diante do avanço de novas cepas da variante Ômicron (BA.1; BA.2, etc.).

Quadro 1: Evolução da vacinação das crianças catarinenses de 5 a 11 anos de idade

TABELA 2 VACINAÇÃO INFANTIL

Fonte: Vacinômetro da SES-SC. Dados atualizados em 06.07.22. Elaboração: NECAT

Além disso, observa-se o baixo percentual (10%) de crianças que completaram o esquema primário, ou seja, que já tomaram as duas doses ou a dose única. Tal fato mostra o grande desleixo da vacinação infantil, tanto por parte das famílias como das autoridades de saúde pública, em especial, o governo estadual. Basta ver apenas o desempenho dos estados vizinhos nesse último quesito: tanto o Paraná como o Rio Grande do Sul tem mais que o dobro de crianças vacinadas com a segunda dose, comparativamente ao número de crianças de SC vacinadas com a primeira dose.

Esses dados indicam o elevado grau de vulnerabilidade a que as crianças catarinenses estão submetidas diante de uma pandemia que no momento continua se espraiando por todo estado a uma velocidade descontrolada. A consequência mais imediata é que um número tão grande de pessoas não imunizadas permite que novas cepas e variantes do novo coronavírus poderão surgir a qualquer momento, deixando uma incerteza e postergando indefinidamente o fim da pandemia.

Nesse cenário, a política estadual de saúde nesse aspecto particular merece uma análise crítica, pois se ainda no mês de março/22 havia evidências que era necessário informar melhor a população sobre essa nova fase da vacinação, pouco se fez nesta direção. Em função disso, quase seis após o início da vacinação infantil é retumbante o fracasso da ação de imunização das crianças catarinenses.


[*] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br  Artigo escrito em 10.07.2022