Os impactos da pandemia na balança comercial de Santa Catarina no primeiro semestre de 2020

07/08/2020 13:44

Por: Mateus Victor Fronza [1]

A crise associada à Covid-19 incidiu fortemente sobre o comércio mundial, provocando impactos importantes no setor externo do Brasil e de Santa Catarina. Esses impactos já podem ser captados a partir dos resultados da balança comercial do primeiro semestre de 2020, os quais serão analisados neste texto[2].

O primeiro caso de Covid-19 no Brasil foi notificado em 26 de fevereiro de 2020. Entretanto, é importante observar que mesmo antes disso o setor externo já vinha sendo afetado, “seja em função da redução da demanda mundial de bens (e também os prováveis efeitos sobre o preço dos bens comercializados, especialmente as commodities), seja por conta de restrições na capacidade de oferta em diversos setores e países em razão das medidas de isolamento social e restrição de movimentação de pessoas adotadas em grande número de países”[3].

Somando-se aos fatores externos, em meados de março também começaram as medidas de isolamento social em algumas regiões do país, de modo que muitas empresas passaram a operar com capacidade reduzida, o que também contribuiu para uma redução das transações com o restante do mundo.  Diante desse cenário, há projeções de que as exportações do Brasil apresentem uma queda entre 10% e 20% em 2020[4].

Tendências recentes da balança comercial no Brasil e em Santa Catarina

Para que compreendamos melhor os resultados da balança comercial do primeiro semestre de 2020 no Brasil e em Santa Catarina, é necessário contextualizá-los com as tendências observadas nos anos anteriores.

No conjunto do Brasil, a balança comercial sofreu impactos importantes em decorrência da crise econômica que se consolidou no país em 2015. Com a redução do nível de atividade econômica, o volume transacionado (exportações + importações) no país caiu até 2016, de modo que os patamares registrados antes da crise só foram retomados em 2018.

Nesse contexto, a trajetória das exportações passou por grandes oscilações, conforme indica o Gráfico 1. As exportações caíram em 2016; apresentaram retomadas em 2017 e 2018; e novas retrações em 2019 e 2020. Em termos relativos, o 1º semestre de 2020 registrou a maior queda de todo o período, com variação de -7,1% em relação ao mesmo semestre de 2019. Já as importações oscilaram de outra forma. Até o final da série, os valores importados ainda não haviam retomado o patamar atingido em 2015. À queda de 2016, seguiu-se uma tendência de crescimento até 2018, uma estabilização em 2019 e uma nova retração no primeiro semestre de 2020.

Gráfico 1: Exportações, importações e saldo comercial, Brasil (2015-2020, 1º semestre de cada ano, em US$)

Grafico 1

Fonte: MDIC; Elaboração do autor.

Com isso, todo o período entre 2015 e 2020 foi marcado por superávits na balança comercial. O saldo comercial brasileiro cresceu entre 2015 e 2017, passando de US$ 2,2 bilhões, para US$ 36,2 bilhões, respectivamente. Embora tenha se mantido positivo até o final da série analisada, esse saldo apresentou tendência de queda nos últimos três anos, chegando a US$ 22,3 bilhões no 1º semestre de 2020.

Esses resultados contrastam enormemente com a forma como Santa Catarina se insere no comércio externo. O estado tem o histórico de importações de produtos que auxiliam em etapas tecnologicamente mais avançadas da cadeia produtiva industrial e exportação de produtos primários, o que tende a levar a consecutivos déficits na balança comercial catarinense.

Conforme o Gráfico 2 apresenta, a dinâmica do estado foi de uma certa constância nos valores exportados, cuja variação média anual ficou em 0,5% entre 2015 e 2020. Por outro lado, as importações cresceram em média 3,5% ao ano no mesmo período, com destaque para o aumento observado em 2018. Já no 1º semestre de 2020, Santa Catarina registrou uma queda anual de 12,2% no valor exportado, e de 11,3% no importado.

Gráfico 2: Exportações, importações e saldo comercial, Santa Catarina (2015-2020, 1º semestre de cada ano, em US$)

Grafico 2

Fonte: MDIC; Elaboração do autor.

Em consequência dessa dinâmica, o déficit na balança comercial catarinense tem se acentuado. O saldo comercial do estado, que foi de US$ -1,1 bilhão no primeiro semestre de 2017, mais que triplicou até 2019, quando ficou em US$ -3,6 bilhões. Com a diminuição das importações no começo de 2020, houve uma pequena redução desse déficit, que ficou em US$ -3,2 bilhões no 1º semestre deste ano.

Em razão desses resultados, as exportações e importações catarinenses tiveram trajetórias distintas quanto à participação no agregado brasileiro (Gráfico 3). Há de se notar, primeiramente, que as importações catarinenses sustentaram uma participação superior à participação das exportações no agregado nacional.

Gráfico 3 – Participação das exportações e importações de Santa Catarina no total do Brasil (2015-2020, 1º semestre de cada ano, em %)

Grafico 3

Fonte: MDIC; Elaboração do autor.

Com relação ao período abordado, por um lado observa-se que Santa Catarina vinha ampliando sua participação nas importações entre 2016 (7,07%) e 2019 (9,7%), mas que essa tendência se reverteu no primeiro semestre de 2020 (9,07%). Por outro lado, a participação das exportações catarinenses vinha decresceu entre 2015 (4,28%) e 2018 (3,58%), apresentou crescimento em 2019 (4,18%), mas voltou a cair em 2020 (3,93%). Esses resultados significam que tanto as exportações, quanto as importações catarinenses reduziram-se mais do que a média nacional no primeiro semestre de 2020, com relação ao mesmo semestre de 2019. Isso pode indicar que o comércio externo de Santa Catarina foi mais afetado pela crise da Covid-19 do que o das demais unidades da federação.

Resultados da balança comercial no primeiro semestre de 2020

Os dados analisados até aqui já permitiram captar diferenças importantes dos resultados do primeiro semestre de 2020, com relação às tendências previamente estabelecidas. Esses resultados certamente estiveram condicionados pelos impactos da pandemia sobre o comércio externo, no entanto esses impactos não incidiram sobre todo o período. Para localizar sua contribuição, cabe analisar a evolução mensal da balança comercial do país e do estado durante os dois últimos semestres, descontando os efeitos sazonais.

Brasil

Conforme indica o Gráfico 4, a redução anual das exportações brasileiras observada no primeiro semestre de 2020 deve-se principalmente aos resultados negativos registrados entre outubro de 2019 e janeiro de 2020, o que pode indicar que essa tendência de queda nas exportações não deriva diretamente dos efeitos da pandemia, mas de outros fatores relacionados à demanda externa. Já a partir de fevereiro de 2020, as exportações brasileiras pararam de cair, a despeito de importantes parceiros comerciais do Brasil, como a China, passarem a sofrer enormemente os impactos da pandemia.

Gráfico 4: Evolução mensal da balança comercial do Brasil (junho de 2019 a junho de 2020, com ajuste sazonal)

Grafico 4

Fonte: MDIC; Elaboração do autor.

Embora as importações tenham oscilado em ambas as direções ao longo do período, é possível estabelecer uma relação entre o avanço da pandemia e a redução do valor importado no Brasil. Essa relação se expressa na queda das importações a partir de março de 2020, bem como em sua acentuação nos meses seguintes, quando o nível de atividade econômica do país passou a cair mais aceleradamente.

Já o saldo da balança comercial assumiu tendência declinante entre agosto de 2019 e janeiro de 2020; e levemente ascendente deste mês até o junho de 2020.

Santa Catarina

Quando verificamos as variações mensais da balança comercial catarinense de forma dessazonalizada, é perceptível que as importações estaduais foram muito mais afetadas pela pandemia do que as exportações. Conforme os dados contidos no Gráfico 5, o valor exportado do estado praticamente estável até fevereiro de 2020, quando passou a apresentar uma leve tendência de queda.

Gráfico 5: Evolução mensal da balança comercial de Santa Catarina (junho de 2019 a junho de 2020, com ajuste sazonal)

 Grafico 5

Fonte: MDIC; Elaboração do autor.

Em contraste, as importações de Santa Catarina caíram enormemente a partir de abril de 2020, quando o nível de atividade econômica do estado sofreu forte retração. Isso fez com que o estado rompesse a tendência de gradual crescimento das importações observada no período anterior, promovendo uma redução no déficit de sua balança comercial.

Impactos nas exportações e importações por categorias de produto

Para compreender os determinantes desse comportamento da balança comercial do Brasil e de Santa Catarina no período, cabe analisar os resultados dos principais produtos que compõe as exportações e as importações de cada região.

Brasil

Das 21 seções de produtos[5] da pauta exportadora do Brasil, apenas 6 tiveram variação positiva na comparação ao primeiro semestre de 2019, enquanto os outros 15 apresentaram retração.

Dentre os que tiveram uma variação positiva, os produtos com maior crescimento foram os Produtos do reino vegetal (com um aumento de US$ 4,4 bilhões); seguidos por Animais vivos e produtos do reino animal (US$ 782,9 milhões); Produtos das indústrias alimentares[6] (US$ 643,3 milhões); Pérolas naturais ou cultivadas[7] (US$ 371,9 milhões); Matérias têxteis e suas obras (US$ 357,6 milhões); e por fim as Gorduras e óleos animais ou vegetais[8] (US$ 170,3 milhões).

Quanto às seções com desempenho negativo, as perdas absolutas com relação ao primeiro semestre de 2019 se concentraram principalmente em três seções: Material de transporte (com US$ 4,3 bilhões a menos); Máquinas e aparelhos, material elétrico e suas partes[9] (US$ 2,7 bilhões); e Produtos minerais (US$ 2,1 bilhões). Nas outras treze seções que apresentaram perdas, elas foram bem menos expressivas, com retração média de US$ 367,7 milhões em exportações.

A Tabela 3 apresenta os resultados do período nas seções de produtos mais expressivas na pauta exportadora brasileira. A mais significativa dessas delas diz respeito aos Produtos do reino vegetal, que continuam sendo amplamente demandadas em meio à pandemia, de modo que suas exportações cresceram 21,8% entre o primeiro semestre de 2019 e de 2020. Já os Produtos minerais, segundo maior componente da pauta, tiveram uma redução nas exportações da ordem de 7,9%. No mesmo sentido dos produtos vegetais (não-manufaturados), os Produtos das indústrias alimentares também tiveram aumento em sua exportação, com variação de 7,1% em relação ao mesmo semestre do ano anterior.

Tabela 3: Três seções de produtos com maior participação nas exportações do Brasil, primeiro semestre de 2019 e de 2020

Tabela 3

Fonte: MDIC; Elaboração do autor.

Das seções de produtos da pauta de importação do Brasil, 17 tiveram um decrescimento comparativamente ao primeiro semestre de 2019, e outras 4 apresentaram crescimento.

Dentre os produtos cuja importação aumentou no período, destacam-se os Metais comuns e suas obras (com um aumento de US$ 1,6 bilhões); Material de transporte (US$ 778,6 milhões); Armas e munições; suas partes e acessórios (US$ 20,4 milhões); e, por fim, Gorduras e óleos animais ou vegetais (US$ 5,5 milhões).

Quando analisado as seções que sofreram queda, a liderança ficou por conta dos Produtos minerais (decréscimo de US$ 3,8 bilhões); seguidos por Máquinas e aparelhos, material elétrico e suas partes[10] (US$ 655,8 milhões); e Matérias têxteis e suas obras (US$ 505,2 milhões).

Com relação aos três produtos que detêm maior participação na pauta importadora do Brasil (Tabela 4), vale notar que todos tiveram suas importações reduzidas em comparação com o primeiro semestre de 2019. A seção de Máquinas e aparelhos, que concentra 25,15% do total das importações, apresentou queda de 3,18%; os Produtos das indústrias químicas ou conexas, com 21,2% da pauta, caíram 2,10%; e os Produtos minerais, que representam 10,93% da pauta, tiveram a segunda maior queda relativa entre todas as seções, com diminuição de 30,3%.

Tabela 4: Três produtos com maior participação nas importações do Brasil, primeiro semestre de 2019 e de 2020

Tabela 4

Fonte: MDIC; Elaboração do autor.

Santa Catarina

Os produtos exportados por Santa Catarina dividem-se em 20 seções. 16 delas tiveram redução no valor exportado no primeiro semestre de 2020, enquanto as seções com crescimento foram apenas quatro.

Tal qual ocorreu no conjunto do país, o maior aumento nas exportações foi observado o dos Produtos do reino vegetal, cujo valor exportado cresceu US$ 109,9 milhões com relação ao primeiro semestre de 2019, seguidos pelos Produtos das indústrias químicas ou indústrias conexas, com incremento de US$ 31,4 milhões. As outras duas seções com resultados positivos foram bem menos significativas para essa dinâmica (Pérolas naturais ou cultivadas, com crescimento de US$ 944,3 mil; e Objetos de artes de coleção e antiguidades, com um aumento de US$ 18,3 mil).

A seção com maior redução no período foi a dos Animais vivos e produtos do reino animal, com queda de US$ 310,4 milhões no valor exportado. Em seguida, aparece a seção de Máquinas e aparelhos, com redução de US$ 151,2 milhões. Todos os outros 14 itens tiveram redução média de US$ 17 milhões, muito menos intensas do que as quedas dos seguimentos anteriores.

Essas quedas afetaram fortemente o desempenho da balança comercial catarinense, uma vez que os Animais vivos e produtos do reino animal e as Máquinas e aparelhos são as duas seções mais expressivas na pauta exportadora do estado, representando, respectivamente, 33,14% e 17,03% do valor exportado do estado (Tabela 5). Esse movimento só foi parcialmente compensado pelo crescimento na terceira seção mais expressiva, referente aos Produtos do reino vegetal (12,77% de participação nas exportações).

Tabela 5: Três produtos com maior participação nas exportações de Santa Catarina, primeiro semestre de 2019 e 2020

Tabela 5

Fonte: MDIC; Elaboração dos autores.

Já com relação às 21 seções de produtos importados em Santa Catarina, 16 apresentaram redução e 5 tiveram aumento.

Os produtos cuja importação aumentou comparativamente ao primeiro semestre de 2019 foram: Produtos das indústrias químicas ou indústrias conexas (crescimento de US$ 46,9 milhões); Máquinas e aparelhos (US$ 32,6 milhões); Gorduras e óleos animais ou vegetais (US$ 11,5 milhões); Armas e munições, suas partes e acessórios (US$ 837 mil); e Objetos de arte, de coleção e antiguidades (US$ 47,5 mil).

Das seções que tiveram redução na importação, a maior queda foi de Material de transporte, com uma redução de 322,8 milhões; seguidos por Mercadorias têxteis e suas obras (US$ 271 milhões); e Metais comuns e suas obras (US$ 189,9 milhões). Dos outros 13 itens, a média de redução foi de US$ 17,7 milhões.

Quanto às seções mais expressivas na pauta importadora (Tabela 6), as Máquinas e aparelhos (21,54% de participação) e os Produtos da indústria química (14,89%) foram setores que cresceram, embora a taxas pequenas (2,2% e 4,6%, respectivamente); enquanto os Metais comuns e suas obras (14,48%) apresentaram redução no valor importado (-15,6%).

Tabela 6: Três produtos com maior participação nas importações de Santa Catarina, primeiro semestre de 2019 e 2020

Tabela6

Fonte: MDIC; Elaboração do autor.

Considerações finais

Os resultados apresentados aqui demostram impactos distintos da atual crise na balança comercial do Brasil e de Santa Catarina, mas dificilmente eles podem ser compreendidos sem um estudo conjunto de ambos, posto que a dinâmica catarinense está fortemente atrelada à do Brasil. Assim, este texto buscou analisar o comportamento das duas esferas, tratando de apontar as principais tendências em meio à crise da Covid-19.

Nesse sentido, observamos que tanto o estado, quanto o país sofreram com fortes contrações nos valores exportados e importados no primeiro semestre de 2020. No Brasil, os impactos foram maiores nas exportações do que nas importações, o que contribuiu para reduzir o superávit comercial do país. Já em Santa Catarina, a intensidade da queda foi inversa, de modo que o estado teve seu déficit comercial reduzido. Essa queda se relaciona com a própria redução da atividade econômica do estado, que passou a importar menos insumos para a sua indústria, destacadamente matérias têxteis e de metais e materiais de transporte.


[1] Mateus Victor Fronza é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat/UFSC. Email: mateusvfronza@gmail.com.

[2] É válido salientar que os dados deste texto foram coletados do sistema do Governo em 7 de julho, portanto é possível que tenham havido alterações desde então. Cf. MDIC. Comex Stat. 2020.

[3] IPEA. Carta de Conjuntura nº 47. 2º trim. 2020, p. 1.

[4] IPEA. Cenários para o Comércio Exterior Brasileiro (2020-2021): Estimativas dos Impactos da Crise da COVID-19. 2020.

[5] Seções de produtos classificadas conforme o Sistema Harmonizado (SH).

[6] Nome completo: Produtos das indústrias alimentares; Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres; Tabaco e seus sucedâneos manufaturados.

[7] Pérolas naturais ou cultivadas, pedras preciosas ou semipreciosas e semelhantes, metais preciosos, metais folheados ou chapeados de metais preciosos, e suas obras; Bijuteria; Moedas

[8] Gorduras e óleos animais ou vegetais; Produtos da sua dissociação; Gorduras alimentares elaboradas; Ceras de origem animal ou vegetal. Será chamado de Gorduras e óleos animais ou vegetais

[9] Máquinas e aparelhos, material elétrico e suas partes; Aparelhos de gravação ou reprodução de som, aparelhos de gravação ou reprodução de imagens e de som em televisão, e suas partes e acessórios

[10] Máquinas e aparelhos, material elétrico e suas partes; Aparelhos de gravação ou reprodução de som, aparelhos de gravação ou reprodução de imagens e de som em televisão, e suas partes e acessórios.