Quais segmentos do mercado de trabalho catarinense já se recuperaram dos impactos da pandemia?

29/09/2021 20:18

Por: Vicente Loeblein Heinen[1] e Lauro Mattei[2]

Após registrar alguns dos piores resultados de sua história ao longo do ano de 2020, o mercado de trabalho catarinense finalmente apresentou sinais sólidos de retomada no 2º trimestre de 2021[3]. Nessa direção, o objetivo deste texto é verificar como esse processo de recuperação vem ocorrendo em cada segmento ocupacional, particularmente no que diz respeito aos setores de atividade econômica e às posições na ocupação e categorias do emprego.

Setor de atividade econômica

O setor industrial é o principal responsável pelas flutuações recentes do emprego em Santa Catarina, tendo papel decisivo tanto na forte retração observada entre em 2020, quanto na recuperação em 2021. De acordo com os dados contidos na Tabela 1, a indústria de transformação recuperou 39 mil postos de trabalho no 2º trimestre de 2021, todavia ainda segue com o maior déficit de ocupações (68 mil) na comparação com o mesmo trimestre de 2019, isto é, antes da pandemia. O bom desempenho no último semestre se deve principalmente às contratações nos ramos de confecção de artigos vestuários e acessórios e na fabricação de produtos de metal (particularmente esquadrias e usinagem). Já na comparação com o período pré-pandemia, as indústrias que acumulam as maiores perdas são a têxtil e a alimentícia.

Tabela 1 – População ocupada por grupamento de atividade econômica em Santa Catarina (mil pessoas).

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Fonte: PNADC/T (2021); Elaboração: Necat/UFSC.

Em termos relativos, os melhores resultados no trimestre ficaram por conta de dois setores que foram fortemente prejudicados pela pandemia, a saber, os serviços de alojamento e alimentação (19,1%) e os serviços pessoais (18,7%). O cenário mais grave ainda é o do primeiro desses setores, cujo nível de emprego permanece 20% abaixo daquele registrado antes da pandemia. Neste caso, destacam-se as grandes perdas acumuladas no ramo de restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas. Entre os serviços pessoais, a maior parte do saldo localiza-se em atividades de tratamentos de beleza, majoritariamente realizadas por conta própria.

Em seguida, aparecem os setores de transportes, armazenagem e correio (14,3%) e de atividades profissionais, científicas e técnicas (11%). Com tais resultados, esses setores ostentam os melhores desempenhos na comparação com o período pré-pandemia, representando a abertura de 36 mil e 30 mil postos de trabalho, respectivamente. No primeiro caso destaca-se o transporte rodoviário de cargas; enquanto no segundo os serviços de arquitetura e engenharia.

Além disso, o 2º trimestre de 2021 também foi marcado pela recuperação dos setores do comércio (19 mil ocupações) e da construção (15 mil). Entretanto, somente no caso da construção esse saldo foi suficiente para recuperar as perdas registradas em 2020, resultando em um crescimento de 1,2% em relação ao mesmo trimestre de 2019. No comércio, essa taxa permanece negativa (-3,6%), representando um déficit acumulado de aproximadamente 23 mil vagas.

As maiores perdas no trimestre ocorreram nas atividades administrativas e complementares (-22 mil ocupações) e nos serviços de saúde e assistência social (-16 mil). Devido à permanência do quadro sanitário grave observado ao longo do primeiro semestre de 2021, as atividades artísticas, culturais, esportivas e recreativas e os serviços domésticos seguiram em baixa, já acumulando quedas de 22,9% e 16,2%, nesta ordem, na comparação com o período pré-pandemia. Por fim, nota-se ainda uma retração nas atividades imobiliárias, financeiras, de seguros e relacionadas (-4,5%) e no setor agropecuário (-1,1%), destacando-se que, em termo absoluto, o peso das primeiras é pouco representativo no conjunto da população ocupada.

Posição na ocupação e categoria do emprego

De um modo geral, pode-se afirmar que o crescimento recente do emprego em Santa Catarina deve-se à retomada do mercado formal de trabalho. Conforme indicam os dados contidos na Tabela 2, o número de empregados no setor privado com carteira de trabalho assinada aumentou em 108 mil no último trimestre, representando um crescimento de 6,8%. Em grande medida, esses resultados já haviam sido antecipados pelo Novo Caged[4]. Entretanto, nota-se uma divergência expressiva nos ritmos de geração de vagas captados pelas duas fontes, uma vez que, de acordo com os dados da PNAD Contínua para o 2º trimestre de 2021, o estado ainda conta com aproximadamente 100 mil empregos formais a menos do que possuía no mesmo período de 2019[5].

Tabela 2 – População ocupada por posição na ocupação e categoria do emprego em Santa Catarina (mil pessoas)

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Fonte: PNADC/T (2021); Elaboração: Necat/UFSC.

Tendo em vista sua forte incidência nos serviços prestados às famílias (destacadamente nos serviços de alojamento e alimentação) e no comércio de pequeno porte, os empregados sem carteira no setor privado e os empregadores fecham o quadro dos grupamentos que seguem abaixo do nível pré-pandemia. No caso dos empregados sem carteira, a situação foi agravada pela forte perda de ocupações nos serviços domésticos e na construção civil observada em 2020, de modo que sua retração acumulada ao longo da pandemia chega a 24,4%, o que equivale a 88 mil postos de trabalho. Particularmente no último semestre, a redução do emprego sem carteira guarda correspondência direta com a retomada das contratações no setor formal.

Dessa forma, quando se compara a situação atual com o cenário prévio à pandemia, o que se vê é que toda a recuperação praticamente se concentra entre os trabalhadores por conta própria. Tendo incorporado mais 32 mil pessoas no último trimestre, essa categoria já acumula um crescimento de 14,4% desde o início da pandemia, totalizando 115 mil novas ocupações. Além dos tradicionais trabalhos de subsistência nos serviços urbanos e no comércio de rua, nos últimos trimestres tem-se observado uma forte expansão do trabalho autônomo em facções do ramo vestuário (pequenas unidades produtivas familiares, formalmente autônomas, mas subordinadas a outras empresas) e em serviços de arquitetura e engenharia no estado.

Já o setor público apresentou um comportamento bastante heterogêneo no trimestre, com crescimento de 6 mil vagas entre os empregados sem carteira (por contrato), estagnação entre os empregados celetistas e perda de 14 mil ocupações em regime estatuário ou militar. Na comparação com 2019, contudo, todas as categorias do setor público registram saldos positivos, compensando parte da queda do setor privado.

Por fim, nota-se ainda um retorno dos trabalhadores familiares auxiliares para ocupações remuneradas. Após crescer enormemente em 2020 – principalmente em atividades agropecuárias –, essa categoria encolheu em 10 mil pessoas no 2º trimestre de 2021, retornando a um patamar semelhante ao registrado antes da pandemia.

O Gráfico 1 sintetiza essas tendências, identificando a contribuição das ocupações formais e informais[6] para o crescimento recente da população ocupada em Santa Catarina.

Gráfico 1 – Contribuição das ocupações formais e informais para o crescimento da população ocupada em Santa Catarina (2019-2021, mil pessoas)

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Fonte: PNADC/T (2021); Elaboração: Necat/UFSC.

Em síntese, o que se observa é que tanto os trabalhadores formais, quanto informais foram fortemente prejudicados na fase inicial da pandemia, ainda que a queda tenha sido relativamente mais aguda no setor informal, dada sua maior flexibilidade e desproteção social. Já a partir do 3º trimestre de 2020, nota-se uma retomada das ocupações informais, que vão absorvendo a mão-de-obra que não consegue se recolocar no mercado formal de trabalho. Esse cenário só se reverteu no 2º trimestre de 2021, quando a PNAD Contínua finalmente passou a registrar um crescimento do emprego formal. Dessa forma, a tendência é que nos próximos períodos haja uma melhora nos índices de formalização do emprego, que se deterioram rapidamente na última metade de 2020[7].


[1] Estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[2] Professor titular do curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador geral do Necat/UFSC e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: l.mattei@ufsc.br.

[3] Ver HEINEN; MATTEI. O cenário do mercado de trabalho catarinense no 2º trimestre de 2021. Blog do Necat, 2021.

[4] Ver NASS, V. H. Santa Catarina registra saldo de 13 mil empregos formais em julho, Blog do Necat, 2021.

[5] Diversas hipóteses têm sido levantadas para explicar essa divergência. Dentre elas, as mais fortes indicam a influência da nova metodologia do Novo Caged (que ampliou os grupos de trabalhadores registrados) e as mudanças na forma de captação da PNAD Contínua (que passou a ser realizada por telefone em decorrência da pandemia). Sobre isso, ver CORSEUIL, C; RUSSO, F. A redução no número de entrevistas na PNAD Contínua durante a pandemia e sua influência para a evolução do emprego formal. Carta de Conjuntura, IPEA n. 50, 2021.

[6] Seguindo a classificação habitualmente utilizada pelo IBGE, consideram-se ocupações formais os empregados no setor privado (inclusive domésticos) com carteira de trabalho assinada e os empregados no setor público, além dos ocupados como empregadores ou por conta própria que possuem registro no CNPJ. Embora seja útil à análise, é importante destacar que essa classificação oculta o processo de informalidade que atinge grande parte dos “microempreendedores individuais”, que em muitos casos são apenas trabalhadores autônomos precarizados, sem qualquer regulação do trabalho, mas que possuem registro no CNPJ para emitir notas fiscais e/ou acessar o sistema previdenciário. Para mais detalhes sobre essa discussão, ver KREIN, J. D. et al. Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para os trabalhadores. JusLaboris, 2018.

[7] HEINEN, V. L. Mercado de trabalho catarinense bate recorde de informalidade no 3º trimestre de 2020, Blog do Necat, 2021.