Quem foram os trabalhadores mais atingidos pela crise associada à pandemia da Covid-19 em Santa Catarina?

09/10/2020 12:38

Por: Vicente Loeblein Heinen[1] e Lauro Mattei[2]

 Conforme analisamos em texto publicado recentemente no Blog do Necat, o mercado de trabalho de Santa Catarina foi fortemente atingido no período mais agudo da crise associada à pandemia da Covid-19. Somente no 2º trimestre de 2020, considerando-se a série com ajuste sazonal, o estado perdeu 110 mil ocupações, ou então 137 mil na série sem ajustes.

Neste texto, serão caracterizados esses postos de trabalho perdidos, com o intuito de destacar os segmentos sociais mais atingidos na atual conjuntura. Para tanto, utilizaremos as séries sem ajustes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), analisando a variação da população ocupada no 2º trimestre de 2020, considerando-se os seguintes indicadores: setor de atividade econômica; posição na ocupação e categoria do emprego; sexo; e cor/raça dos trabalhadores.

Setor de atividade econômica

O setor mais afetado pela pandemia da Covid-19 em Santa Catarina foi o de serviços. Conforme Gráfico 1, nesse setor se encontram os quatro grupamentos que registraram as taxas de crescimento mais negativas no 2º trimestre de 2020: Artes, cultura, esporte e recreação (-25,3%); Serviços pessoais (-22,3%); Serviços domésticos (-16,7%) e Alojamento e alimentação (-15,5%). Essas quedas representaram a perda de 8 mil, 25 mil, 30 mil e 22 mil postos de trabalho, respectivamente. Somando esses saldos, temos cerca da metade das ocupações perdidas no referido trimestre.

Gráfico 1 – Taxa de crescimento trimestral da população ocupada por grupamento de atividade econômica (2º trimestre de 2020, em %).

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

Outro setor fortemente afetado pela pandemia foi o da Construção, que fechou 30 mil vagas no estado, com queda de 12,6%. Em termos absolutos, a Construção teve o segundo pior saldo, ficando atrás apenas da Indústria de transformação, que perdeu 38 mil ocupações, com variação negativa de 4,8%. Esse desempenho foi puxado pelo fechamento massivo de empregos nos segmentos das indústrias metal-mecânica, têxtil, gráfica e de material plástico. O resultado só não foi pior devido ao aumento da população ocupada por conta própria na confecção de artigos do vestuário e acessórios (máscaras, em grande medida) e pelas contratações nas indústrias química e alimentícia.

O Comércio foi responsável pelo fechamento de 22 mil ocupações no 2º trimestre de 2020. Entretanto, chama a atenção que, em termos relativos, essa queda foi de “apenas” 3,4%, o que contrasta enormemente com o resultado nacional do setor (-12,3%). Além disso, também foram registradas variações negativas nas Atividades financeiras, imobiliárias, de seguros e serviços relacionados (-7,4%); e nas Atividades administrativas e serviços complementares (-5,5%). Já os setores da agropecuária e de transportes foram menos afetados, apresentando saldos praticamente nulos.

Apenas três grupamentos apresentaram saldos positivos no período. O principal deles foram as atividades de Informação e comunicação, que geraram 21 mil novas vagas, registrando crescimento da ordem de 36%. Essa expansão significativa se deve em grande medida à disseminação do regime de trabalho remoto no estado. E isso principalmente por duas razões: primeiro, pela facilidade relativa em adotar esse regime de trabalho no próprio setor; segundo, pelo aumento da demanda por tecnologias da informação e comunicação ocasionada pela reestruturação de empresas de outros setores. Essas mudanças também podem estar relacionadas com o desempenho das Atividades profissionais, científicas e técnicas, que apresentaram crescimento de 8%, com saldo de 11 mil postos de trabalho. Embora em escala menor, ainda houve expansão no grupamento de Administração pública, defesa, seguridade social; educação; saúde humana e serviços sociais (2,4%, ou 13 mil ocupações).

Posição na ocupação e categoria do emprego

Em linhas gerais, podemos afirmar que as demissões foram mais frequentes entre os trabalhadores com ocupações mais precárias, destacando-se aqueles que não conseguiram realizar suas atividades à distância. Nesse sentido, observamos que os trabalhadores informais foram relativamente mais afetados, com retração média de 4,7% no segundo trimestre de 2020, diante do recuo de 3,3% nas ocupações formais, conforme Gráfico 2.

Gráfico 2 – Taxa de crescimento trimestral da população ocupada por posição na ocupação e categoria do emprego (2º trimestre de 2020, em %).

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

A maior queda relativa foi registrada na categoria dos empregados no setor privado sem carteira de trabalho assinada, que perdeu cerca de ¼ de seus postos de trabalho no trimestre, registrando saldo negativo de 44 mil ocupações. Em seguida, aparecem os trabalhadores domésticos, com quedas expressivas tanto entre os empregados com carteira (-20,2%), como entre os sem carteira (-15%). Devido ao fechamento de um grande número de micro e pequenas empresas, a população ocupada como empregador recuou 6,3%.

Sendo a categoria mais expressiva do mercado de trabalho catarinense, o emprego no setor privado com carteira de trabalho assinada foi responsável pela maior perda absoluta período, com saldo negativo de 88 mil ocupações. Com isso, sua taxa de crescimento foi de -5,1%, abaixo inclusive da média da população ocupada. A rigor, foram as ocupações no setor público que contribuíram para evitar uma queda ainda maior do emprego formal, em razão de contarem com maior estabilidade no emprego.

Já no caso dos trabalhadores por conta própria sem CNPJ, a queda foi de 11,7%. Esse resultado foi muito próximo à retração média do conjunto das ocupações informais, que ficou em 11,8% com relação ao trimestre anterior.

Essa discrepância entre as categorias revela a importância da formalização do emprego para a segurança social, em contraste com a falta de garantias de emprego e renda que tendem a acompanhar os trabalhos informais.

Sexo

Se as mulheres foram as mais afetadas pelas demissões no setor de serviço, os homens foram mais afetados pelo grande volume de vagas perdidas na indústria e na construção civil. Com isso, a queda nas ocupações foi praticamente proporcional entre os sexos, uma vez que a variação nos postos de trabalhos ocupados por mulheres foi negativa da ordem de 3,9%, enquanto nos ocupados por homens foi de -3,7%, conforme Gráfico 3.

Gráfico 3 – Taxa de crescimento trimestral da força de trabalho por sexo e condição de ocupação (2º trimestre de 2020, em %).

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

No entanto, diferenças importantes são reveladas por outros indicadores. Um exemplo disso é o fato de que a população desocupada masculina cresceu mais do que a feminina (30,5%, face a 11,2%, respectivamente). Isso indica que, embora as demissões tenham incidido na mesma intensidade em ambos os sexos, os homens tiveram mais condições de realizar procura efetiva por trabalho (o que é premissa para que sejam considerados desocupados[3]). Em contraste, a saída do mercado de trabalho foi um movimento mais comum entre as mulheres, sobretudo em razão do agravamento das duplas jornadas de trabalho, associadas à sobrecarga de trabalho doméstico e ao fechamento de creches e escolas. Com isso, o número de mulheres fora da força de trabalho cresceu 11,4% no segundo trimestre de 2020, enquanto para os homens esse crescimento foi de 8,9%.

Cor ou raça

Ainda mais dramática foi a forma como a pandemia aprofundou as desigualdades raciais no mercado de trabalho catarinense. Embora representasse aproximadamente 18% das vagas antes da pandemia, conforme Gráfico 4, a população preta e parda concentrou cerca de ¾ de todos os postos de trabalho perdidos em Santa Catarina no 2º trimestre de 2020, conforme Gráfico 5.

Gráfico 4 – Distribuição da população ocupada por cor/raça em Santa Catarina (1º trimestre de 2020, em %).

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

Gráfico 5 – Distribuição dos postos de trabalho perdidos em Santa Catarina (segundo trimestre de 2020, em %).

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

Particularmente no caso da população preta, cerca de uma em cada cinco pessoas perdeu sua ocupação no estado somente entre os meses de abril e junho de 2020. De forma semelhante, o desemprego também acometeu gravemente a população parda, para a qual a queda nas ocupações foi da ordem de 15%. Essa queda foi proporcionalmente bem inferior na população branca, que registrou variação negativa da ordem de 0,9%. Em termos absolutos, isso significou a perda de 80 mil postos de trabalho entre os pardos, 26 mil entre os brancos e 21 mil entre os pretos.

Em síntese, as informações analisadas até o segundo trimestre de 2020 revelam que a pandemia do novo coronavírus afetou de forma expressiva diversos quesitos relativos ao mercado de trabalho catarinense, cuja consequência geral foi o aprofundamento das desigualdades já existentes antes mesmo da incidência da pandemia. Tal situação poderá ser melhor compreendida em análise ao tema da renda, que será tratado no próximo texto.


[1] Vicente Loeblein Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[2] Lauro Mattei é professor titular do curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador geral do Necat e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail:l.mattei@ufsc.br.

[3] Sempre é bom lembrar que na PNAD Contínua são consideradas desocupadas as pessoas que não estão trabalhando, porém realizaram busca efetiva por emprego no mês de referência da pesquisa. Para mais detalhes, cf. IBGE. O que é desemprego.