Razões para Santa Catarina apresentar o maior saldo de empregos formais entre os estados do Brasil em 2020

16/02/2021 16:03

Por: Vicente Loeblein Heinen[1]

O mercado de trabalho foi uma das áreas onde os impactos da crise da Covid-19 ficaram mais evidentes. Com isso, os resultados periódicos das principais bases de dados sobre o tema vieram para o centro do debate. A despeito da importância e do reconhecido rigor das pesquisas do IBGE, como a PNAD Contínua e a PNAD Covid-19 (versão especialmente elaborada para captar os impactos da pandemia), em Santa Catarina esse debate se deu basicamente em torno do Novo Caged, instrumento do Ministério da Economia que condensa as movimentações das carteiras de trabalho do país[2].

Tal ganho de visibilidade não se deve apenas à maior agilidade na divulgação dos dados mensais dessa base de dados, mas principalmente aos seus resultados. No acumulado de 2020, Santa Catarina apresentou o maior saldo de empregos formais dentre todas as unidades da federação, gerando 53 mil vínculos formais de trabalho[3]. Esse resultado foi amplamente repercutido pelo Governo do Estado e pelos principais veículos de comunicação catarinenses, que não perderam a oportunidade de tomá-lo como uma demonstração da “competitividade da economia catarinense”[4] e do “perfil empreendedor de quem está à frente dos negócios”[5].

Fugindo das explicações ufanistas, neste texto elencamos cinco razões pelas quais Santa Catarina liderou a geração de empregos formais em 2020:

   1) A dimensão do mercado formal de trabalho catarinense

Embora tenha apresentado o melhor resultado em termos absolutos, o crescimento de 2,55% no estoque de empregos formais de Santa Catarina lhe conferiu o 7º melhor resultado relativo, ficando atrás de Roraima, Acre, Pará, Maranhão, Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

No entanto, o mercado formal de trabalho de todos esses estados é menor que o de Santa Catarina, que nesse quesito perde apenas São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Com efeito, o crescimento catarinense, ainda que tenha se dado em intensidade inferior, se converteu em um volume maior de empregos gerados.

   2) O fraco desempenho dos principais estados

A julgar pelos dados do Novo Caged, o mercado formal de trabalho brasileiro fechou 2020 praticamente no zero[6]. No conjunto do país, o saldo foi de apenas 142,7 mil vagas, o que equivale a um crescimento de 0,37%.

Esse resultado se deve principalmente ao desempenho das unidades da federação mais expressivas no mercado formal de trabalho nacional. Assim, a liderança de Santa Catarina na classificação nacional tem uma contrapartida importante: a queda do emprego no Rio de Janeiro (-3,89%), Rio Grande do Sul (-0,8%) e São Paulo (-0,01%), além do crescimento pífio de Minas Gerais (0,8%). Sozinhos, esses estados representaram cerca de 60% das demissões acumuladas no ano.

   3) A menor dependência dos setores de serviços e comércio

Em decorrência das características da crise da Covid-19, as atividades de serviços (especialmente os que exigem maior circulação de pessoas, como alojamento e alimentação, educação e serviços pessoais) e de comércio (varejo) foram as mais prejudicadas durante a pandemia[7]. Em ambos os casos, o nível de emprego registrado ao final de 2020 ainda era inferior ao existente antes da pandemia.

Consequentemente, as regiões onde o emprego formal depende mais dessas atividades tenderam a apresentar piores resultados, a exemplo do Distrito Federal (-1,41%), da Bahia (-0,31%) e dos já citados Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Esse impacto foi menor, portanto, em Santa Catarina, que é o estado com a menor participação dos serviços e do comércio no mercado formal de trabalho (64%, face a 76% da média brasileira).

   4) A retomada do emprego na indústria

Em contrapartida, a parcela dos empregos recuperada até o final de 2020 deve-se basicamente à retomada dos setores de construção, agropecuária e indústria. Embora a indústria tenha apresentado baixo crescimento anual (1,27%), é certamente o setor mais determinante entre eles, pois concentra quase 20% dos empregos formais do país. Nesse quesito, Santa Catarina conta com mais uma vantagem, uma vez que 33% de seus empregados formais encontram-se ocupados na indústria, o que também é o maior percentual do país.

Além disso, o ritmo de recuperação dos empregos industriais em Santa Catarina também ficou acima da média nacional, registrando crescimento anual de 3,68%. Esse resultado se deve à maior diversificação da indústria catarinense, que ainda conta com importantes segmentos destinados ao mercado interno, que foi beneficiado pela demanda derivada do Auxílio Emergencial. Nesse sentido, destaca-se o crescimento expressivo das contratações nas indústrias de alimentos e de material plástico (também impulsionada pela retomada da construção civil). Além disso, a dinâmica do setor externo também contribuiu para a abertura de vagas na fabricação de produtos de madeira e para o fortalecimento de determinados ramos da indústria de alimentos.

   5) A maior participação de micro e pequenas empresas

A diversificação e a menor dependência externa da economia catarinense estão associadas a um mercado de trabalho menos concentrado, onde as micro e pequenas empresas jogam um papel importante na geração de empregos. Segundo os registros da Rais, Santa Catarina é o segundo estado onde essas empresas têm maior participação, abrangendo 47% do mercado formal de trabalho, contra 40% da média nacional[8].

De acordo com levantamento realizado pelo Sebrae, com dados do Ministério da Economia, as micro e pequenas empresas foram praticamente as únicas responsáveis pela retomada do emprego formal no país, apresentando saldos substancialmente superiores aos das médias e grandes empresas[9]. Assim, a maior participação das micro e pequenas empresas no mercado de trabalho catarinense também foi um fator fundamental para a retomada do emprego formal em Santa Catarina.


[1] Vicente Loeblein Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[2] Ao contrário do Novo Caged, que registra exclusivamente as movimentações de empregados formais, as pesquisas do IBGE apresentam resultados do mercado de trabalho em geral. De acordo com a PNAD Contínua, Santa Catarina perdeu 215 mil ocupações entre o janeiro e setembro de 2020 (último resultado divulgado). Já a PNAD Covid-19, que também apresenta resultados mensais, indica um saldo de 42 mil vagas no estado entre maio e novembro de 2020, o que dificilmente compensaria as quedas registradas em março e abril (quando a pesquisa ainda não era realizada). Ver HEINEN; MATTEI. Qual a dimensão do desemprego gerado pela crise da Covid-19 em Santa Catarina?. 2020.

[3] Para uma análise desse resultado, ver MUNARO; NASS. Emprego formal: Santa Catarina tem perda em dezembro, mas encerra 2020 com saldo de 53 mil vagas. 2021.

[4] GOVERNO DE SANTA CATARINA. Santa Catarina termina 2020 com o maior saldo de empregos formais do Brasil, aponta Caged. 2021.

[5] NSC Total. Santa Catarina lidera geração de emprego entre os estados do Brasil em 2020. 2021.

[6] Nas demais pesquisas, o resultado permanece muito negativo. Essa discrepância fortalece a hipótese de que os saldos do Novo Caged estão sobredimensionados. Cf. IBRE/FGV. Evidências da subnotificação de desligamentos do Caged. 2020.

[7] Para mais detalhes, ver ELIAS; FRONZA; MATTEI. Impactos da Covid-19 sobre o setor de serviços no Brasil e em Santa Catarina nos primeiros oito meses de 2020. 2020.

[8] Os dados referem-se aos vínculos ativos em 31 de dezembro de 2019 nos estabelecimentos com até 49 funcionários. RAIS. Rais Vínculos ID. 2021.

[9] G1. Micro e pequenas empresas foram as que mais geraram empregos com carteira assinada em 2020, diz Sebrae. 2021.

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