Santa Catarina atinge maior nível de ocupação da série histórica da PNAD Contínua no 2º trimestre de 2022

01/09/2022 13:28

Vicente Loeblein Heinen*

Santa Catarina se destacou na divulgação da PNAD Contínua referente ao 2º trimestre de 2022 por registrar o maior nível da ocupação em toda a série histórica da pesquisa (iniciada em 2012). O indicador atingiu a marca de 65,8% no estado, significando uma alta de 4,6 pontos percentuais (p.p.) em relação ao mesmo período de 2021 e de 2,8 p.p. comparativamente a 2019, ou seja, antes da pandemia. Trata-se também do melhor resultado entre todas as unidades da federação, bem acima dos 56,8% registrados na média nacional.

Gráfico 1 – Nível da ocupação em Santa Catarina (2012-2022, trimestres selecionados)

GV 1

Fonte: PNADC/T (2022); Elaboração do autor.

O nível da ocupação representa a parcela da população em idade ativa (pessoas de 14 anos ou mais) que está ocupada, isto é, trabalhando pelo menos uma hora por semana. Tendo em vista que a população em idade ativa cresce a taxas praticamente constantes, no curto prazo esse indicador varia conforme o total de ocupados.

A população ocupada em Santa Catarina aumentou em 136 mil pessoas entre abril e junho, registrando variação trimestral de 3,6%, ou de 2,9% na série livre de efeitos sazonais. Comparativamente ao período pré-pandemia, o crescimento é de 7,3%, totalizando 264 mil novas ocupações.

O objetivo deste texto é examinar o perfil dessas ocupações e o que suas características têm a dizer sobre a conjuntura do mercado de trabalho catarinense. Para tanto, as seções que se seguem analisam a distribuição da população ocupada em Santa Catarina por faixa etária, setor de atividade econômica e posição na ocupação.

Maior participação de jovens no mercado de trabalho impulsiona ocupação

O mercado de trabalho catarinense encolheu muito em 2020, seja por conta do fechamento de postos de trabalho ou pela redução na procura por trabalho. Esse cenário se reverteu em meados de 2021, quando o nível da ocupação estadual retornou aos patamares pré-pandemia[1].

A partir de então, outro fator passou a ser preponderante para a conjuntura: a perda do poder de compra das famílias. Com a aceleração inflacionária e o baixo poder de barganha dos trabalhadores para compensá-la, os salários sofreram uma forte desvalorização ao final de 2021[2]. Assim, a retomada do emprego não foi acompanhada na mesma medida pela renda[3]. Esse cenário foi agravado pelo aumento do endividamento das famílias ocorrido durante a pandemia[4].

As formas mais habituais de fechar essa conta seriam reduzir o consumo do domicílio ou incrementar sua receita. Aproveitando-se de um ritmo de atividade econômica relativamente mais robusto, a solução mais comum em Santa Catarina foi a segunda, por meio da entrada de novos membros da família no mercado de trabalho.

Um meio de observar quem são esses membros é acompanhando o nível da ocupação por faixa etária, conforme Tabela 1. Se considerarmos os últimos quatro trimestres, houve um aumento de 3,2 p.p. na proporção de pessoas de 60 anos ou mais ocupadas; de 2,3 p.p. na faixa de 40 a 59; 3,7% na de 25 e 39 anos; e 8,1% na de 14 a 24 anos.

Tabela 1 – Nível da ocupação por faixa etária em Santa Catarina (trimestres selecionados)

TV 1

 Fonte: PNADC/T (2022) – Microdados; Elaboração do autor.

Dado o aumento expressivo na ocupação em geral, era de se esperar que esse indicador se expandisse em todas as faixas etárias. No entanto, chama a atenção o crescimento acelerado na faixa de 14 a 24 anos, cujo nível da ocupação saltou de 53% para 58,9% entre 2019 e 2022. Em termos absolutos, 61 mil jovens começaram a trabalhar nesse período, representando cerca de ¼ do saldo de ocupações. Isso indica que os catarinenses dessa faixa etária – que em sua maioria estavam inativos por conta dos estudos[5] – estão entrando mais cedo no mercado de trabalho, em grande medida para compensar a perda do poder de compra de suas famílias[6].

Retomada dos serviços e boom da construção civil

A conjuntura do mercado de trabalho catarinense tem sido marcada pelo crescimento expressivo do setor de serviços, que somente agora retorna à trajetória em que vinha antes da pandemia. Essa retomada se reflete nos resultados do 2º trimestre de 2022, mas sobretudo na comparação com o mesmo período de 2021, quando a cobertura vacinal contra a Covid-19 ainda era bastante baixa.

De acordo com os dados da Tabela 2, os dois segmentos que mais cresceram nos últimos 12 meses foram os serviços pessoais (37,2%) e de alimentação e alojamento (29,2%). Além de serem ambos altamente dependentes do fluxo de pessoas na rua, esses segmentos também compartilham a característica de terem baixas barreiras de entrada para autônomos, os quais cresceram enormemente nos serviços de alimentação ambulante, de tratamentos de beleza e de reparação de objetos domésticos. Comparativamente a 2019, os serviços pessoais já acumulam saldo de 46 mil ocupações. Já no caso do segmento de alojamento e alimentação, nota-se somente agora uma retomada aos patamares pré-pandemia.

Tabela 2 – População ocupada por grupamento de atividade econômica em Santa Catarina (mil pessoas)

 TV2

 Fonte: PNADC/T (2022); Elaboração do autor.

* Informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas.

O setor terciário também se destaca em função dos serviços prestados às empresas, que geraram 31 mil ocupações no 2º trimestre de 2022 e 63 mil no acumulado dos dois últimos anos. Esse resultado está fortemente associado à aceleração na transformação digital provocada pela pandemia e ao impulso que isso significou para o ramo de tecnologia da informação.

Fechando o quadro dos serviços, nota-se um crescimento do emprego na educação (15 mil novas vagas no acumulado anual) e nos serviços domésticos (23 mil); mas quedas na administração pública (-20 mil) e nos transportes (-21 mil). No setor público, o resultado negativo se deve ao enxugamento do quadro estatutário nas esferas estadual e municipal. Já as perdas no setor de transportes refletem o mal momento do transporte rodoviário de cargas, que foi um dos segmentos mais prejudicados pela disparada no preço dos combustíveis ocorrida no primeiro semestre de 2022.

Outro importe vetor do crescimento da ocupação em Santa Catarina é a construção. Além do segmento imobiliário ainda se beneficiar dos efeitos das baixas taxas de juros praticadas até meados de 2021, o ramo de infraestrutura também vem sendo estimulado pelos investimentos do Governo Estadual, que praticamente dobrou o orçamento empenhado em obras rodoviárias neste ano[7]. Com isso, a construção gerou 16 mil novas vagas no último trimestre, já acumulando um crescimento de 20% nos últimos 12 meses, quando começaram diversas obras visando as eleições e grande parte dos imóveis lançados no início da pandemia entraram em fase de acabamento.

A indústria teve o maior saldo de ocupações entre 2º trimestre de 2021 e de 2022, com 87 mil novas vagas. Boa parte desse resultado está associado ao desempenho positivo da construção civil, visto que um terço das vagas geradas provém das indústrias madeireira, moveleira e de material plástico. O restante do saldo se deve principalmente às indústrias de vestuário e, principalmente, de alimentos, a qual tem sido beneficiada pelo recente aumento nas exportações de carnes.

O comércio, por sua vez, permaneceu praticamente estável no trimestre, acusando os impactos da aceleração inflacionária e do encarecimento do crédito sobre o consumo de bens duráveis. Ainda assim, o setor acumula alta de 6,9% tanto na comparação com 2021, quanto com 2019.

Por fim, registra-se uma pequena retração no setor agropecuário, que perdeu 6 mil ocupações no trimestre. Maior parte delas provêm do cultivo de fumo e da criação de bovinos.

Emprego, pejotização e autoemprego

Os níveis históricos de ocupação atingidos no estado refletem uma expansão simultânea do mercado de trabalho formal e informal, conforme podemos observar a partir da Tabela 3.

Tabela 3 – População ocupada por posição na ocupação e categoria do emprego em Santa Catarina (mil pessoas)

 TV 3

Fonte: PNADC/T (2022); Elaboração: Necat/UFSC.

Puxado pela indústria de transformação, o emprego com carteira de trabalho assinada no setor privado cresceu 2,7% no trimestre e 7,5% nos últimos 12 meses. O crescimento do emprego informal foi ainda mais intenso, com taxas de 10% e de 39,9%, respectivamente. Neste caso, as maiores contribuições vieram do comércio de rua, da construção civil, dos serviços pessoais e de alimentação. Em termos absolutos, o número de empregados com carteira aumentou 137 mil entre o 2º trimestre de 2021 e de 2022, enquanto o saldo dos sem carteira foi de 110 mil.

Ao contrário do que ocorreu em outros momentos de aquecimento do mercado de trabalho catarinense, a geração de empregos não tem sido acompanhada pela diminuição do trabalho por conta própria. O número de catarinenses trabalhando nessa condição cresceu 10,3% nos últimos 12 meses, com alta de 18,3% entre os que possuem registro no CNPJ e de 5,7% entre os que não possuem.

O crescimento mais acentuado dos conta própria com CNPJ se deve principalmente a três fatores. O primeiro deles é a “formalização” – isto é, o próprio registro no CNPJ – de trabalhadores da construção civil e dos serviços pessoais, geralmente como forma de acesso ao INSS. O segundo está associado à crescente “pejotização” de profissionais da educação no setor privado e de trabalhadores da área de tecnologia da informação, que habitualmente eram empregados com carteira. O terceiro está relacionado ao comportamento dos pequenos comerciantes, que – diante do aumento de custos e do aquecimento do mercado de trabalho – têm deixado de empregar funcionários para tocar os negócios sozinhos, migrando da condição de empregadores, para de conta própria. Este último movimento também explica porque a categoria dos empregadores registrou a maior queda no trimestre (-10 mil).

Fechando o quadro, o setor público registrou saldo de 23 mil ocupações no 2º trimestre. Apesar disso, todas as categorias do setor público registram saldos negativos na comparação com o mesmo período do ano passado, com destaque para os servidores estatutários.

Considerações finais

O recorde de ocupação atingido em Santa Catarina no 2º trimestre de 2022 reflete dois movimentos simultâneos: a geração de empregos resultante do crescimento da atividade econômica; e o autoemprego da população mais vulnerável ou que necessita complementar a renda perdida nos últimos anos.

O primeiro movimento é impulsionado pela expansão de segmentos muito intensivos em trabalho, com destaque para a construção, os serviços prestados às famílias e as indústrias de alimentos e de vestuário. Já o segundo está associado à perda do poder de compra das famílias, que mesmo trabalhando tanto quanto antes da pandemia têm problemas para fechar as contas.


* Economista pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[1] Esse processo foi examinado à exaustão em diversos textos publicados no Blog do Necat. Ver, por exemplo, HEINEN; MATTEI. O cenário do mercado de trabalho catarinense no 2º trimestre de 2021. Blog do Necat, 2021.

[2] Ver HEINEN. Rendimento médio dos trabalhadores catarinenses no 1º trimestre de 2022 foi 7,4% inferior ao mesmo período de 2021. Blog do Necat, 2022.

[3] Para ficar mais claro, podemos pensar no exemplo de uma família com quatro pessoas: mãe, pai e dois filhos. Antes da pandemia, ambos os pais trabalhavam, recebendo 3 salários mínimos cada. A mãe perde o emprego em 2020, porém quando consegue outra vaga, em 2021, seu novo salário é 30% menor. Além disso, o salário do pai permaneceu congelado e, ao final do ano, tem um poder de compra, digamos, 10% menor que em 2019. A consequência é que a família como um todo perdeu 20% de seu poder de compra, mesmo que todos tenham voltado a trabalhar.

[4] De acordo com as estatísticas do Banco Central, o comprometimento da renda das famílias com o serviço das dívidas contratadas chegou a 21% em 2021, quase 2 pontos percentuais acima do patamar registrado imediatamente antes da pandemia. BCB/DEPEC. Estatísticas monetárias e de crédito. 2022.

[5] Cerca de 60% dos catarinenses de 14 a 24 anos que estão fora da força de trabalho dizem não procurar emprego em função dos estudos. Assim, embora a maior ocupação juvenil seja uma boa notícia em termos da renda das famílias e da redução do desemprego, esse dado traz preocupação quanto à evasão escolar. De acordo com os microdados da PNAD Contínua, a taxa de escolarização dessa faixa etária em Santa Catarina caiu de 56% para 53% entre 2021 e 2022, com aumento da evasão tanto no Ensino Médio, quanto no Superior.

[6] Retomando o exemplo mencionado anteriormente, estaríamos falando de um caso no qual um dos filhos passa a trabalhar, visando compensar a perda de 20% no poder de compra de sua família.

[7] Em termos reais, o valor empenhado pelo Governo Estadual com a rubrica de transporte rodoviário cresceu 95%, passando de R$ 919 milhões em 2021, para R$ 1,95 bilhões em 2022. SDE. Portal da Transparência. 2022.

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