A explosão da COVID-19 no oeste catarinense: a história se repete

19/02/2021 13:49

Por: Lauro Mattei [1]

Em março de 2020, ao declarar a doença provocada pelo novo coronavírus como pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertava os governos dos países para a necessidade de se adotar medidas preventivas visando evitar o colapso dos sistemas de saúde, considerados precários em várias partes do mundo. Tal recomendação se devia ao fato de que o vírus, denominado de SARS-CoV-2[2] e que provocava a Coronavírus Disease 2019 (COVID-19), era extremamente contagioso e apresentava uma velocidade de contaminação muito rápida.

Essa mensagem não foi compreendida adequadamente pelas autoridades governamentais brasileiras. Por um lado, o governo federal negou a existência da doença enquanto uma epidemia que acometia toda a humanidade, impedindo e combatendo, inclusive, as medidas recomendadas pela OMS e, por outro, a maioria dos governos estaduais se limitou a atuar muito mais nas consequências do que nas causas, ao não adotar medidas restritivas necessárias para se evitar a propagação da virose em níveis acelerados.

No estado de Santa Catarina foram adotadas algumas medias na direção recomendada pela OMS apenas no início da pandemia (meses de março e abril), quando a incidência da doença no território catarinense era bem baixa. Todavia, logo na sequência – diante de pressões de diversos setores econômicos – foram sendo flexibilizadas todas as ações na esfera preventiva, ao mesmo tempo em que as ações seguintes passaram a se concentrar quase que exclusivamente na esfera curativa, ou seja, nas consequências da doença. O que se viu a partir de então foi uma explosão da doença que rapidamente atingiu todos os 295 municípios e que causou, inclusive, milhares de óbitos em todas as regiões do estado. O resultado é que atualmente SC figura como o quarto estado com maior número de registro de casos no país.

No início de maio de 2020 mostramos, por meio dos boletins semanais produzidos pelo NECAT-UFSC, que estava em curso um surto epidêmico na região Oeste Catarinense, o qual se confirmou nos meses seguintes quando ocorreu uma forte expansão do contágio em toda a macrorregião, porém com epicentro inicial nas microrregiões de Chapecó e Concórdia. Naquele momento foi constatado que grande parte do contágio ocorria no âmbito das plantas industriais do setor alimentar, cujas empresas sequer tinham adotado medidas protetivas básicas, conforme foi documentado pelo Ministério Público do Trabalho.

Como os setores das indústrias frigoríficas e das industriais lácteas são os grandes atrativos na região, em termos de opção de emprego, observa-se uma mobilidade constante de pessoas de todos os pequenos municípios da grande região Oeste em direção às cidades-polo, especialmente de Chapecó, Concórdia, Joaçaba e Xanxerê. Certamente, esse processo tem contribuído para que essas principais cidades continuem apresentando níveis elevados de contaminação desde o princípio da pandemia.

Como é do conhecimento de todos, desde o início de novembro de 2020 o estado de Santa Catarina vem enfrentando um novo surto de contágio, o qual se diferencia do anterior (meses de julho e agosto) em dois aspectos: por um lado, o surto atual é bem mais agressivo no sentido de provocar maiores taxas de contaminação e, consequentemente, de óbitos e, por outro, é mais longevo, sendo que após quatro meses sequer dá mostras de arrefecimento. Além disso, esse surto também vem apresentando características regionais um pouco distintas em relação ao processo anterior, quando todas as mesorregiões do estado apresentaram taxas de contágio muito semelhantes.

Após três meses de expansão da doença em todo estado dentro de um padrão médio que praticamente não esboçava grandes diferenças, repentinamente a mesorregião Oeste, tendo a cidade de Chapecó como epicentro, apresentou níveis elevadíssimos de contágio a partir do final de janeiro de 2021, com agravamento no mês seguinte. Dois aspectos estão chamando atenção nesse processo: mesmo que haja uma concentração do problema na cidade antes mencionada, nota-se que a doença está se disseminando rapidamente para outros municípios próximos e, segundo, a velocidade de contaminação está sendo muito maior, comparativamente àquela registrada no surto anterior.

Na sequência a tabela 1 procura demonstrar esses dois aspectos, tomando como referência de análise o período entre 01.02 e 18.02.2021. Os municípios selecionados estão localizados nas microrregiões de Chapecó, Concórdia, Xanxerê e Joaçaba. Neste caso, observa-se que ocorreu um espraiamento rápido da doença pelas principais cidades dessas microrregiões e – o mais importante – as taxas de transmissão da doença estão num patamar elevadíssimo, cenário nunca visto anteriormente. Isso permite afirmar que o atual surto é o mais agressivo já vivenciado pela região, o que exigiria outra postura, tanto por parte das autoridades governamentais como da própria população da região.

Tabela 1 – Evolução do número de casos ativos da doença em cidades selecionadas da região Oeste Catarinense entre 01.02 e 18.02.2021

LM_tabela1_19_02_21

Essas taxas de crescimento do contágio da população que vive nesta região evidencia a necessidade urgente de medidas restritivas mais drásticas no sentido de conter o contágio e, ao mesmo tempo, dar condições à estrutura dos serviços de saúde para que sejam disponibilizados atendimentos adequados a todos os cidadãos.

Essa realidade da região Oeste coloca as autoridades governamentais catarinenses diante de duas opções embasadas em experiências recentes. Por um lado, observam-se os resultados efetivos obtidos na Inglaterra para conter a pandemia e evitar o colapso do sistema de saúde. Diante de um cenário explosivo da doença naquele país (60 mil novos casos diários e 1.000 óbitos por dia), o governo estabeleceu um lockdown em todo o país. Quatro semanas depois os resultados preventivos foram positivos: os casos diários caíram para 10 mil, enquanto os óbitos foram reduzidos para 200 por dia. O outro exemplo diz respeito à situação do Amazonas, onde as autoridades governamentais não adotaram nenhuma medida preventiva mais drástica, limitando-se apenas a atuar, ainda que precariamente, na esfera curativa. O resultado está sendo a tragédia humana divulgada diariamente para o mundo desde o mês de janeiro de 2021.

Portanto, está nas mãos das autoridades a escolha da opção mais adequada para controlar a pandemia no Oeste Catarinense, acreditando que tal decisão deva levar em consideração, primeiramente, os custos humanos que estão em jogo no momento, uma vez que bens e valores materiais a experiência histórica da humanidade já demonstrou que são passíveis de recuperação.


[1] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de PósGraduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br

[2] SARS em inglês significa Severe Acute Respiratory Syndrome