A queda do setor de serviços no Brasil e em Santa Catarina no mês de abril de 2020

19/06/2020 15:29

Por: Lauro Mattei¹

A estatística tradicional revela que a economia brasileira passou por uma profunda mudança nas últimas décadas, uma vez que os setores primário (agropecuária) e secundário (indústria) perderam espaço no agregado produtivo nacional. Com isso, o setor de serviços foi ampliando fortemente sua participação na produção bruta do país. A magnitude dessa alteração pode ser observada na composição setorial recente, a qual evidencia que o setor de serviços ao final da última década do presente século representava mais de 70% de todos os bens e serviços produzidos pelo Brasil.

Neste sentido, é de grande relevância analisar o impacto do comportamento desse setor nesse momento de pandemia sanitária com impactos sobre o conjunto da economia do país, cujas projeções para o ano de 2020 são extremamente pessimistas. Para algumas organizações internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Nacional, a queda do Produto Interno Bruto (PIB) no presente ano deverá se situar entre 6 a 8 pontos percentuais. É neste contexto que os dados da Pesquisa Mensal dos Serviços (PMS) do IBGE, relativa ao mês de abril e divulgada em 16.06.20, serão descritos e analisados neste artigo.

O TOMBO DE UM SETOR ECONÔMICO QUE JÁ VINHA CAPENGANDO

A divulgação recente do desempenho do setor de serviços no mês de abril relacionando a expressiva queda aos impactos decorrentes das medidas de isolamento social para controlar a pandemia do novo coronavírus precisa ser contextualizada em função do comportamento que esse setor vinha demonstrando, especialmente no último ano. Obviamente que as medidas de controle sanitário afetaram duramente as atividades de serviços consideradas pelas autoridades como não essenciais, porém essa situação atípica não pode relegar um olhar mais apurado sobre a realidade que estava sendo apresentada pelo referido setor.

O Gráfico 1, elaborado pelo G1 com base nos dados do IBGE, revela que o desempenho do setor de serviços durante os nove meses do ano de 2019 ficou bem aquém do esperado, uma vez que apresentou resultados negativos em quatro meses e valores pífios nos demais meses, sendo que em apenas um deles o indicador de crescimento foi acima de 1%. Com isso, o ano terminou com resultados negativos nos últimos dois meses.

 Gráfico 1: Variação (%) de volume de serviços mês a mês, 2020

Grafico 1

O ano de 2020 começou com um resultado positivo, porém bastante pífio, enquanto que já no segundo mês (fevereiro) o resultado foi negativo da ordem de 1%. Considerando-se que até aquele momento não havia nenhuma medida restritiva na esfera sanitária, nota-se que o comportamento do setor já apresentava resultados declinantes desde outubro de 2019. Portanto, é imperativo registrar que as medidas de isolamento social adotadas a partir do mês de março só vieram a agravar um cenário que já se encontrava muito ruim produtivamente. Com isso, o resultado de abril acabou estabelecendo a conformação de um período de três meses seguidos de quedas, cuja dimensão agregada atingiu 19%.

Especificamente em relação ao mês de abril de 2020, a tabela 1, retirada da PMS/IBGE de abril de 2020, revela um resultado negativo da ordem de 11,7% em relação ao mês anterior, desconsiderando-se as influências sazonais. Essa foi a maior queda registrada desde o início da série realizada em janeiro de 2011. Todavia, quando esse resultado é comparado ao igual mês do ano anterior, nota-se uma queda de 17,2%. Por fim, quando se considera o acumulado no quadrimestre, verifica-se que a queda foi de 4,5% em relação ao mesmo quadrimestre do ano anterior

Tabela 1: Indicadores do Volume de Serviços, segundo as atividades de divulgação (Abril 2020)

Tabela 1

De acordo com as atividades de divulgação, observa-se que todas elas apresentaram resultados negativos. Assim, as atividades de serviços prestados às famílias apresentaram um resultado negativo da ordem de 44,1% relação ao mês anterior, desconsiderando-se as influências sazonais. Todavia, quando esse resultado é comparado ao igual mês do ano anterior, nota-se uma queda de 65,2%. Por fim, quando se considera o acumulado no quadrimestre, verifica-se que a queda foi de 23,6 % em relação ao mesmo quadrimestre do ano anterior. Segundo o IBGE, esses resultados foram fortemente influenciados pela interrupção na prestação de serviços de alojamento e alimentação (-46,5%) e de outros serviços às famílias (-33,3%).

Já as atividades de transportes, serviços auxiliares de transportes e correio apresentaram um resultado negativo da ordem de 17,8% em relação ao mês anterior, desconsiderando-se as influências sazonais. Todavia, quando esse resultado é comparado ao igual mês do ano anterior, nota-se uma queda de 21,2%. Por fim, quando se considera o acumulado no quadrimestre, verifica-se que a queda foi de 4,6 % em relação ao mesmo quadrimestre do ano anterior. Segundo o IBGE, esses resultados foram fortemente influenciados pelo desempenho dos setores de transportes aéreos (-73,8%) e de transportes terrestres (-20,6%).

As demais atividades, nos respectivos períodos anteriormente mencionados, apresentaram os seguintes resultados, respectivamente: serviços profissionais, administrativos e complementares com -8,6%, -17,3% e -6,3%; informação e comunicação com -3,6%, -4,8% e – 0,9%; outros serviços com -7,4%, 1.0 e 8,5%.

O Quadro 1, retirado da PMS/IBGE de abril 2020, sintetiza dentre as diversas atividades de divulgação aqueles setores, com seus respectivos percentuais, mais afetados durante o mês de abril, comparativamente ao mês anterior. Desta maneira, nota-se que as maiores quedas ocorreram no serviço de transportes aéreos (-80,9%), alojamento e alimentação (-64,6%), outros serviços prestados às famílias (-46,6%), audiovisuais (-29,8%) e transporte terrestre (-28,9%). O único serviço que se manteve paraticamente sem aumento, mas também sem queda, foi o de transporte aquaviário.

tabela 2

Em síntese, as diversas influências setoriais que levaram a esses resultados negativos expressivos podem ser creditadas às seguintes atividades: restaurantes, hotéis e pousadas, transporte rodoviário de cargas, transporte aéreo de passageiros, transporte rodoviário de passageiros, catering e serviços de bufê, soluções de pagamentos eletrônicos, telecomunicações e administração de programas de fidelidade.

O gráfico 2, retirado da PMS/IBGE de abril de 2020, apresenta o comportamento do setor de serviços nas distintas unidades da federação, com série ajustada sazonalmente. Verifica-se que apenas um estado (Mato Grosso) dentre as 27 unidades não apresentou resultado negativo em comparação com o mês imediatamente anterior. Neste caso formaram-se dois grupos: o primeiro, composto por doze estados, cujos valores foram inferiores ao do país. Já o segundo grupo, composto por outras quatorze unidades da federação com valores superiores ao agregado nacional. Santa Catarina figura neste segundo grupo com um recuo de 13,9%. Segundo o IBGE, o resultado positivo do Mato Grosso deve-se a dois fatores: por um lado, a baixa base de comparação, considerando-se que em março de 2020 ocorreu um recuo de 12,6% nos serviços e, por outro, devido ao bom desempenho do setor de transporte ferroviário de cargas no mês em apreço.

Gráfico 2: Pesquisa Mensal de Serviços, variação do mês em relação ao mês anterior (Abril de 2020)

grafico 2

No geral, se observa que algumas unidades da federação tiveram reduções expressivas do volume de serviços em um único mês, como são os casos de um grupo de estados do Nordeste liderados por Alagoas, Ceará, Bahia e Pernambuco, todos com percentuais acima de 20%. Já Santa Catarina, com quase 14%, também sofreu os efeitos da condição de pandemia que prevalece no país. É justamente sobre tal unidade da federação que destinaremos atenção na sequência.

O COMPORTAMENTO DO SETOR DE SERVIÇOS EM SANTA CATARINA

A Tabela 2, retirada da PMS/IBGE de abril de 2020, apresenta o comportamento do grupo de cinco atividades de divulgação pesquisadas no estado de Santa Catarina, segundo o volume dos serviços. De forma semelhante ao país, nota-se que todas as atividades apresentaram resultados negativos, culminando com um recuo de 20,3% no mês de abril de 2020 em relação ao mesmo mês do ano anterior; de -5,9% no primeiro quadrimestre de 2020, comparativamente a igual período do ano anterior; e de -1,5% nos últimos doze meses.

Dentre as diversas atividades de divulgação, destaca-se que os serviços prestados às famílias apresentaram um resultado negativo da ordem de 53,3% quando esse resultado é comparado ao igual mês do ano anterior. Porém, quando se considera o acumulado no quadrimestre, verifica-se que a queda foi de 17,1 % em relação ao mesmo quadrimestre do ano anterior. Por fim, a queda em relação aos últimos doze meses foi de 6,7%.

Tabela 2: Indicadores do Volume de Serviços de Santa Catarina (Abril de 2020)

Tabela 2 (2)

Já as atividades de transportes, serviços auxiliares de transportes e correio apresentaram um resultado negativo da ordem de 20,2% quando comparado ao igual mês do ano anterior. Já quando se considera o acumulado no quadrimestre, verifica-se que a queda foi de 3,7% em relação ao mesmo quadrimestre do ano anterior. Segundo o IBGE, esses resultados foram fortemente influenciados pelas empresas de transportes aéreos e pelo transportes terrestres.

Quanto às atividades de serviços profissionais, administrativos e complementares, nota-se que apresentaram um resultado negativo da ordem de 19,4% quando comparado ao igual mês do ano anterior. Já quando se considera o acumulado no quadrimestre, verifica-se que a queda foi de 14,1% em relação ao mesmo quadrimestre do ano anterior. Por fim, nos últimos doze meses o resultado foi negativo da ordem de 1,7%.

As demais atividades, nos respectivos períodos anteriormente mencionados, apresentaram os seguintes resultados, respectivamente: serviços de informação e comunicação com -13,2%, – 6,6% e -3,5%; outros serviços com -7,7%, 3.0 e 5,0%.

A Tabela 3, retirada da PMS/IBGE de abril de 2020, apresenta o comportamento do grupo de cinco atividades de divulgação pesquisadas no estado de Santa Catarina, segundo a receita nominal de serviços. Da mesma forma que na situação anterior, nota-se que todas as atividades apresentaram receitas negativas, culminando com um recuo de 21,2% no mês de abril de 2020 em relação ao mesmo mês do ano anterior; de -4,6% no primeiro quadrimestre de 2020, comparativamente a igual período do ano anterior; e de 0,9% nos últimos doze meses.

Tabela 3: Indicadores da Receita Nominal de Serviços de Santa Catarina (Abril de 2020)

tabela 3

Dentre as diversas atividades de divulgação, destaca-se que os serviços prestados às famílias apresentaram um resultado negativo da ordem de 46,8% quando esse resultado é comparado ao igual mês do ano anterior. Porém, quando se considera o acumulado no quadrimestre, verifica-se que a queda foi de 14,2 % em relação ao mesmo quadrimestre do ano anterior. Por fim, o resultado negativo em relação aos últimos doze meses foi de 3%.

Já as atividades de transportes, serviços auxiliares de transportes e correio apresentaram um resultado negativo da ordem de 25% quando comparado ao igual mês do ano anterior. Já quando se considera o acumulado no quadrimestre, verifica-se que a queda foi de 3,7% em relação ao mesmo quadrimestre do ano anterior. Segundo o IBGE, esses resultados foram fortemente influenciados pelas empresas de transportes aéreos e pelo transportes terrestres.

Quanto às atividades de serviços profissionais, administrativos e complementares, nota-se que apresentaram um resultado negativo da ordem de 16,8% quando comparado ao igual mês do ano anterior. Já quando se considera o acumulado no quadrimestre, verifica-se que a queda foi de 1,6% em relação ao mesmo quadrimestre do ano anterior. Por fim, nos últimos doze meses o resultado foi positivo da ordem de 0,8%.

As demais atividades, nos respectivos períodos anteriormente mencionados, apresentaram os seguintes resultados, respectivamente: serviços de informação e comunicação com -12,2%, — 5,4% e -2,6%; outros serviços com -6,6%, 4,8% e 7,4%.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações derivadas da última pesquisa mensal do setor de serviços analisadas neste artigo revelaram a importância desse setor para o país, bem como para todas as unidades da federação. Isto porque, quando se discute a produção bruta agregada para qualquer unidade geográfica, nota-se o peso decisivo das atividades de serviços na dinâmica econômica atual.

No caso do Brasil, a forma clássica de contabilizar o agregado produtivo nacional revela que o setor terciário da economia será decisivo no contexto da crise econômica atual, cujas previsões para o exercício de 2020 são extremamente adversas. Neste sentido, entendemos que qualquer melhoria nas perspectivas da produção agregada do país vai depender do comportamento do setor de serviços nos próximos meses. Caso os efeitos da pandemia sejam mais prolongados que aqueles inicialmente previstos, dificilmente esse setor terá fôlego suficiente para reverter os resultados negativos para o conjunto da economia do país revelados até o presente momento. Isto porque o setor terciário da economia responde por mais de 70% da produção e o equivalente em termos do volume de emprego.

Particularmente em relação ao estado de Santa Catarina, os resultados também são bastante preocupantes, embora o peso dos setores primário e secundário na composição do agregado produtivo estadual seja maior comparativamente a outras unidades da federação. Mesmo assim, como o setor de serviços continua respondendo por mais de 60% do PIB Catarinense, é de se esperar impactos negativos expressivos, caso a atual tendência do setor revelada pela pesquisa do mês de abril não seja revertida rapidamente

REFERÊNCIAS

FONTES: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Indicadores IBGE: Pesquisa Mensal de Serviços. Rio de Janeiro: IBGE, abril de 2020.

Economia. Disponível em: <www.g1.globo.com/economia>. Acessado em 17/06/2020


[1] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em
Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br