Os impactos da Covid-19 no mercado de trabalho no Brasil: principais resultados da PNAD Contínua de abril
Por: Vicente Loeblein Heinen [1] e Lauro Mattei [2]
No dia 29/05/20 o IBGE divulgou os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) para o trimestre entre fevereiro e abril de 2020. Os principais indicadores considerados revelaram um forte processo de degradação do mercado de trabalho, devido à incorporação de um período de dois meses de influências do novo coronavírus no país. O desemprego (auferido pela taxa de desocupação) atingiu 12,6%, representando um montante de 12,8 milhões de pessoas. Registre-se que esse indicador já vinha se mantendo em percentuais bastante elevados no país desde 2016 até recentemente, conforme indicado no Quadro 1.
Quadro 1 – Taxa de desocupação no Brasil (2012-2020, trimestres móveis, em %)
Fonte: PNADC – Divulgação mensal (2020)
Por meio do Gráfico 1 é possível observar que a taxa de desocupação se manteve sempre próxima à casa dos 12% nos últimos três anos. Com a crise provocada pelo novo coronavírus no trimestre encerrado no em abril de 2020, essa taxa cresceu 1,3 pontos percentuais (p.p.) com relação ao trimestre anterior (nov-jan), e 0,1 p.p. com relação ao mesmo trimestre de 2019 (fev-abr).
Gráfico 1 – Taxa de desocupação no Brasil (trimestres móveis encerrados entre abril de 2017 e de 2020, em %).
Fonte: PNADC – Divulgação mensal (2020)
Em termos absolutos, significa dizer que a população desocupada (de 12,8 milhões de pessoas) sofreu um aumento de 898 mil pessoas em relação ao trimestre móvel anterior. Já a população ocupada sofreu uma baixa de 4,9 milhões de pessoas em relação ao trimestre anterior, e de 3,1 milhões de pessoas em relação ao mesmo trimestre de 2019 (feb-abr). Tais quedas, segundo o IBGE, bateram os recordes da série histórica iniciada em 2012. Isso fez com que o nível de ocupação (% de pessoas ocupadas no conjunto da população em idade de trabalhar) caísse para 51,6%, correspondendo a uma queda de 3,2 p.p. em relação ao trimestre anterior, cujo patamar era de 54,8%. Com isso, esse indicador se situou no menor patamar da série histórica desde o ano de 2012.
Todavia, a degradação das condições do mercado de trabalho no país não se restringe apenas ao comportamento do indicador de desocupação, conforme mostraremos na sequência ao analisar outros quesitos relativos ao funcionamento do mercado de trabalho, com destaque para dois deles: a população na força de trabalho e a população ocupada.
Primeiramente, cabe notar que a população na força de trabalho (soma das pessoas que estão ocupadas ou não-ocupadas e efetivamente procurando trabalho) apresentou a maior queda no trimestre de fevereiro-abril em relação a toda série histórica da PNAD Contínua iniciada em 2012, implicando em uma diminuição de 5,2 milhões de pessoas. Dentre os principais determinantes dessa saída em massa das pessoas da força de trabalho, destacam-se os efeitos da pandemia decorrente do novo coronavírus sobre as atividades econômicas e a baixa eficácia da política econômica para a manutenção dos empregos, além da falta de perspectivas de se encontrar emprego em uma conjuntura marcada por forte retração econômica. Com isso, a taxa de participação na força de trabalho caiu de 61,9% para 59% entre os trimestres encerrados em abril de 2019 e de 2020, respectivamente.
A maior parte desses trabalhadores migrou para a força de trabalho potencial (pessoas que desejariam estar trabalhando, mas que não procuraram emprego ou que não poderiam assumir alguma vaga de trabalho), que aumentou em 1,9 milhão de pessoas no trimestre. Levando em consideração essa população (que possivelmente também se encontra sem renda do trabalho, de maneira semelhante aos desocupados), pode-se ter uma aproximação mais precisa dos primeiros efeitos da crise da Covid-19 sobre o mercado de trabalho no Brasil.
Conforme indicado no Gráfico 2, a taxa combinada de desocupação e força de trabalho potencial atingiu 20,2% no trimestre encerrado em abril de 2020, registrando um crescimento de 1,9 p.p. com relação ao trimestre anterior na série dessazonalizada. Esse não é apenas o maior crescimento, mas também o maior nível já registrado na série histórica da PNAD Contínua. Concretamente, isso quer dizer que um em cada quatro brasileiros que desejariam estar trabalhando não conseguem fazê-lo atualmente.
Gráfico 2 – Taxa combinada de desocupação e força de trabalho potencial original e dessazonalizada no Brasil (trimestres móveis encerrados entre abril de 2017 e de 2020, em %)
Fonte: PNADC – Divulgação mensal (2020)
Em grande medida, esse comportamento decorre da própria escassez de vagas de trabalho, impulsionada por fatores como o fechamento de estabelecimentos, as restrições logísticas e a queda generalizada na demanda, tanto interna quanto externa. Com isso, foram fechadas cerca de 5 milhões de ocupações no último trimestre, com relação ao trimestre encerrado em janeiro de 2020. Esse resultado representou uma queda de 4,6% na população ocupada na série dessazonalizada, conforme Gráfico 3.
Gráfico 3 – População ocupada no Brasil e taxa de crescimento dessazonalizado (trimestres móveis encerrados entre abril de 2017 e de 2020, em mil pessoas e %)
Fonte: PNADC – Divulgação mensal (2020)
Quais são as principais características das demissões ocorridas no período?
Uma característica importante é que os primeiros a serem demitidos ou a terem seus trabalhos inviabilizados foram os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, que diminuíram em aproximadamente meio milhão neste trimestre em relação ao anterior. Esses trabalhadores geralmente se encontram em ocupações mais flexíveis, estando mais sujeitos a desligamentos quando ocorrem retrações na produção.
No que se refere à posição na ocupação, vale destacar que os maiores volumes de demissões se concentraram em três categorias, sendo que cada uma delas perdeu cerca de 1,5 milhão de ocupações no trimestre recentemente divulgado. São elas: empregados no setor privado com carteira de trabalho assinada; empregados no setor privado sem carteira assinada; e trabalhadores por conta própria sem CNPJ. Além disso, o número de empregadores diminuiu 1,2 milhão no período. Neste caso particular, os dados podem estar indicando que os impactos da crise no setor empresarial afetaram mais fortemente os segmentos das micro, pequenas e médias empresas, responsáveis pela ocupação da grande maioria dos empregadores no estado.
Dentre os setores de atividades, nota-se que o comércio foi um dos mais afetados, uma vez que fechou 1,2 milhão de vagas no trimestre, significando uma queda de 6,8% em relação ao trimestre anterior. Em seguida, aparecem a construção com -13,1%, correspondendo a perda de 880 mil vagas; os serviços domésticos com -11,6, significando redução de 730 mil vagas; e as atividades de alojamento e alimentação com -12,4%, representando diminuição de 700 mil vagas. Apenas o setor de administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais expandiu as vagas em 1,8%.
Com a queda na população ocupada, a massa de rendimento real caiu 3,3% no trimestre. Já o rendimento médio real de todos os trabalhos aumentou 2%. Em grande medida, esse comportamento da renda pode estar indicando que as pessoas que perderam suas ocupações foram aquelas que integravam as menores faixas de remunerações.
Ainda que os dados analisados captem apenas os primeiros efeitos da atual crise sobre o mercado de trabalho nacional, eles já revelam um processo acelerado de deterioração das condições de emprego e de renda no país. Diante da ineficácia das políticas do governo federal no sentido de dar garantias mínimas aos trabalhadores nesse período de pandemia e da forte retração das atividades econômicas, a tendência é que todos os indicadores anteriormente analisados venham a piorar nas próximas divulgações da PNAD Contínua, explicitando, desta forma, a grave situação vivida pelos trabalhadores brasileiros na atualidade.
Alguns grupos de trabalhadores que estão sendo mais afetados durante a pandemia
Como o mercado de trabalho brasileiro ainda mantém fortes marcas discriminatórias, é bastante provável que os efeitos da pandemia acabem afetando mais fortemente determinados grupos de trabalhadores. Assim, destacam-se na sequência dois grupos sociais que historicamente têm suas trajetórias laborais marcadas pela cultura discriminatória que prevalece, tanto no mercado de trabalho como na própria sociedade.
O primeiro deles é o das mulheres, em função da forma de sua inserção no mercado de trabalho. Por um lado, elas representam quase a totalidade dos trabalhadores domésticos, que ainda permanecem com elevado grau de informalidade. Por outro, elas são minorias nos postos de trabalho ligados diretamente à produção, como indústrias, construção civil, transportes, etc. Ao final de 2019, as mulheres representavam 93% de todo o emprego doméstico, sendo que a grande maioria (73%) sequer tinha registro profissional. Quando se cruzam essas informações com a etnia, nota-se que a grande maioria é composta por mulheres negras.
Além disso, as mulheres também são maioria no exercício de atividades ligadas à estética e ao bem-estar. Como esses setores não foram considerados essenciais nas definições de atividades que poderiam funcionar durante a quarentena, a conjuntura pode ter agravado ainda mais as já precárias situações das mulheres no mundo do trabalho. Informações divulgadas por diversos meios de comunicação revelaram recentemente que as empregadas domésticas foram uma das primeiras categorias a serem afastadas de seus postos de trabalho, geralmente sem carteira de trabalho assinada. Com isso, se recolheram em suas casas sem qualquer tipo de remuneração e sem qualquer direito trabalhista.
Outro grupo de trabalhadores fortemente afetado é composto pela população negra, em ambos os sexos. Além da discriminação de renda já amplamente documentada, são trabalhadores com maior inserção no mercado de trabalho informal. Segundo último informativo de Desigualdades Sociais por Cor e Raça no Brasil elaborado pelo IBGE, a informalidade atingia 48% dos trabalhadores pretos e pardos, mas apenas 35% dos brancos.
A população negra também é maioria dentre os brasileiros que trabalham nos comércios de rua nas grandes cidades e metrópoles do país, em grande parte atuando como vendedores ambulantes. Com as medidas de isolamento social, eles ficaram inviabilizados de realizar essas atividades, perdendo sua fonte diária de renda. São pessoas que normalmente trabalham por conta própria, porém em condições precárias e muito instáveis. A vulnerabilidade desses trabalhadores também se revela por sua participação nas atividades que permaneceram funcionando durante a pandemia, deixando-os mais expostos à Covid-19, especialmente no caso daqueles que trabalham em serviços de limpeza, ou de entrega de materiais, medicamentos e alimentação.
[1] Vicente Loeblein Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.
[3] Lauro Mattei é professor titular do Departamento CNM/UFSC, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSC, coordenador geral do Necat e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: l.mattei@ufsc.br.
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