Desemprego pode ter atingido 17% dos catarinenses em maio

09/07/2020 16:56

Por: Vicente Loeblein Heinen[1] e Lauro Mattei[2]

As características da atual crise associada à Covid-19 estão provocando mudanças muito rápidas e profundas nas esferas econômica e social, com impactos expressivos nas condições gerais de vida da população. Assim, a conjuntura exige um acompanhamento cada vez mais ágil e sequencial dos indicadores de saúde e de trabalho no país e nas respectivas unidades da federação.

Ciente da necessidade de se fazer esse acompanhamento, o IBGE passou a elaborar uma pesquisa complementar à sua tradicional pesquisa contínua de amostragem por domicílios (PNAD Contínua). Esse novo instrumento estatístico foi denominado de PNAD Covid-19 e, segundo nota técnica do IBGE, seus objetivos “incluem estimar número de pessoas com sintomas de COVID-19 e quantificar alguns dos impactos da pandemia no mercado de trabalho[3].

Um dos principais benefícios da PNAD Covid-19 em relação à PNAD Contínua é a sua periodicidade. A nova pesquisa está sendo realizada semanalmente e divulgada igualmente de forma semanal no que se refere aos principais indicadores nacionais. Já a edição divulgada mensalmente contém uma gama maior de indicadores, incluindo também dados para todas as unidades da federação. Como essa pesquisa é de caráter experimental, seus dados devem ser interpretados com cautela, no entanto esse instrumento já permite um acompanhamento mais preciso do mercado de trabalho diante do cenário de pandemia, o que pode auxiliar na formulação e na implementação de políticas públicas pontuais, por exemplo.

Dando sequência às análises divulgadas no Blog do Necat, neste artigo examinaremos os principais resultados do mercado de trabalho de Santa Catarina revelados pela PNAD Covid-19, referentes a maio de 2020. Ainda que esses dados provenham de uma divulgação mensal, é importante salientar que eles são um desdobramento da PNAD Covid-19 geral. Sendo assim, o período de referência de todos os seus indicadores passa a ser a semana anterior à coleta[4], o que traz mudanças metodológicas importantes, inviabilizando, inclusive, comparações com a PNAD Contínua normal, que tem referência mensal para determinados indicadores e é divulgada em trimestres móveis.

O quadro geral do mercado de trabalho catarinense em maio

A Figura 1 apresenta uma sistematização dos principais resultados da PNAD Covid-19 para Santa Catarina durante o primeiro mês de existência da pesquisa, ou seja, maio de 2020.

Figura 1 – Distribuição das pessoas em idade ativa em Santa Catarina (maio de 2020)

Fonte: PNAD Covid-19 – Divulgação mensal (maio/20)

Inicialmente, cabe observar que a população fora da força de trabalho atingiu 2,2 milhões de pessoas, ou 37,5% da população em idade ativa. Essa medida se aproxima muito da observada na última divulgação da PNAD Contínua estadual, que apontou para uma saída expressiva dos catarinenses da força de trabalho no 1º trimestre de 2020. Tendo em vista que a PNAD Covid-19 passou a considerar na força de trabalho apenas aqueles que estavam ocupados ou que procuraram trabalho na semana anterior à coleta, era de se esperar uma discrepância maior entre as duas pesquisas, a exemplo do que ocorreu no conjunto do país. Como isso não ocorreu, podemos concluir que a saída dos catarinenses da força de trabalho se concentrou muito mais em março do que nos meses de abril e maio.

Existem dois determinantes principais que explicam essa particularidade do mercado de trabalho catarinense. O primeiro é a expectativa de encontrar emprego, que é melhor no estado, comparativamente à média nacional. O segundo determinante é o período em que as medidas de distanciamento social mais restritivas estiveram em vigor em cada região. Conforme destacamos no Texto para Discussão 039/2020, o índice de distanciamento social em Santa Catarina atingiu seu maior nível em março, aproximando-se dos 70% na última semana daquele mês. Já a partir de abril, o estado passou a flexibilizar a quarentena, enquanto medidas mais restritivas continuaram sendo adotadas em outras unidades da federação[5].

Apesar da taxa de participação na força de trabalho ter se mantido em 62,5%, o número de pessoas que não procurou emprego, mas que “gostaria” de trabalhar em maio (o termo preciso seria necessitaria) ficou muito acima do que indicaram as pesquisas anteriores, chegando a 409 mil pessoas. Esse número elevado pode estar associado à queda nos rendimentos e à queima da poupança das famílias, fatores geralmente associados ao aumento da procura por trabalho. Segundo a PNAD Covid, 55,4% dessas pessoas (226 mil) não procuraram trabalho por conta da pandemia ou por falta de trabalho na localidade onde residem.

Com a retração da população que saía da força de trabalho, o problema enfrentado por Santa Catarina diz respeito à ocupação das pessoas que procuram emprego. Esse problema se revela claramente na taxa de desocupação estadual, que bateu recordes históricos no mês de maio, chegando a 8%. Esse percentual ainda figura entre os menores do país (cuja média foi de 10,7%); no entanto, ele é preocupante por ser muito maior do que aquele registrado no estado no primeiro trimestre de 2020, quando a taxa de desocupação ficou em 5,7%. Concretamente, isso quer dizer que aproximadamente 295 mil catarinenses procuraram emprego semanalmente ao longo do mês maio, mas não encontraram.

Essa situação ocorreu devido à queda acelerada no nível de emprego. Embora ainda não saibamos a quantidade exata de postos de trabalho perdidos, a falta de vagas é indicada pelo nível de ocupação (ocupados/população em idade ativa), que foi de apenas 57,5% em maio. Além disso, é importante destacar que dos 3,4 milhões de pessoas que permaneceram tecnicamente ocupadas em Santa Catarina, 11,9% na verdade não estavam trabalhando, mas afastadas de suas atividades. Em termos absolutos, esse percentual corresponde a 406 mil catarinenses, sendo que 274 mil deles (68%) declararam estar afastados devido ao distanciamento social e 151 mil (37,3%) deixaram de receber remuneração.

Ao longo dos próximos meses a tendência é que esse contingente populacional diminua, devido aos prazos definidos pela MP nº 936, que até o final de maio já havia levado à suspensão de cerca de 120 mil contratos de trabalho em Santa Catarina[6]. Nesse contexto, o nível de atividade econômica determinará qual a parcela dos afastados que será reincorporada (voltando a receber remuneração, no caso dos que deixaram de recebê-la) ou demitida (pressionando ainda mais a taxa de desocupação).

Somando os desocupados (pessoas que efetivamente procuraram emprego); os que necessitariam trabalhar, mas não procuraram em razão da pandemia; e aqueles que foram considerados ocupados, mas não estão sendo remunerados, chega-se ao montante de 672 mil pessoas. Considerando essas formas ocultas de desemprego associadas à pandemia, a taxa de desocupação ampliada já é de aproximadamente 17% em Santa Catarina. Essa é a parcela da população catarinense que efetivamente necessitaria trabalhar, mas que se encontrava sem renda durante o mês de maio.

Dentre as pessoas que permaneceram ocupadas e não foram afastadas, a pandemia trouxe outros dois fatores a serem destacados. O primeiro é a redução das jornadas de trabalho. Essa medida foi amplamente adotada pelos empregadores diante da queda das atividades econômicas, tendo sido facilitada pela MP 936, que permitiu a redução das jornadas de trabalho em 25%, 50% ou 70%, com descontos correspondentes na remuneração, cujos percentuais estão sendo cobertos pelo programa seguro-desemprego. Além disso, a redução da jornada também foi norma entre os trabalhadores por conta própria, afetados diretamente pela queda generalizada na demanda. Com efeito, o número médio de horas efetivamente trabalhadas em todos os trabalhos em Santa Catarina ficou em apenas 32,7 no mês de maio. Tendo em vista que a jornada de trabalho habitual média era de 40,2 horas, esse resultado indica que houve uma queda de 18,6% na quantidade média de horas trabalhadas no estado. Essa redução incidiu sobre 21,3% dos trabalhadores catarinenses ocupados e não-afastados, para os quais a jornada de trabalho efetiva em maio foi significativamente inferior àquela normalmente realizada.

A segunda alteração importante dentre aqueles que permaneceram trabalhando foi a introdução do trabalho remoto. Essa medida foi autorizada sem maiores restrições pela MP nº 927, sendo amplamente adotada pelo setor de serviços, com destaque para os subsetores de informação e comunicação, atividades financeiras, profissionais e administrativas e da administração pública. Com isso, observamos que 270 mil catarinenses trabalharam de forma remota em maio, o que representa 9% do total dos ocupados não-afastados.

A queda nos rendimentos do trabalho em meio à pandemia

No conjunto do país, o rendimento médio do trabalho em maio foi apenas 82% do que era normalmente recebido. Conforme estudo publicado pelo IPEA, os mais afetados foram os trabalhadores por conta própria, cujos rendimentos médios caíram cerca de 40%. O fechamento de postos de trabalho também aumentou enormemente a parcela dos domicílios que ficou sem rendimentos do trabalho, que chegou a 32% do total em maio.

Embora os dados divulgados pelo IBGE para as unidades da federação não permitam uma análise tão aprofundada sem maiores tratamentos estatísticos, eles já revelam como o mercado de trabalho de Santa Catarina se encontra nesse cenário. Segundo a PNAD Covid-19, o rendimento médio real habitualmente recebido pelos trabalhadores do estado era de R$ 2.471,75, enquanto o valor efetivamente recebido em maio foi de R$ 2.127,16. Isso quer dizer que os catarinenses receberam apenas 86% do que normalmente receberiam, ou seja, houve uma queda de 14% nos rendimentos médios no estado em maio. A redução dos rendimentos afetou aproximadamente 1 milhão de trabalhadores catarinenses, o que representou 31% do total das pessoas ocupadas e com rendimento do trabalho.

Em consequência do aumento no desemprego e da contração salarial, a massa salarial do estado também foi fortemente afetada. O montante dos rendimentos reais do trabalho efetivamente recebidos no estado em maio foi de R$ 7,1 bilhões. Ainda que esta comparação deva ser feita com muita cautela, é importante notar que esse valor foi, em média, de aproximadamente R$ 10 bilhões na PNAD Contínua do 1º trimestre de 2020. Com efeito, Santa Catarina pode ter sofrido perda da massa salarial de até 30% entre os meses de abril e maio. É bastante provável que essa redução da renda do trabalho tenha impactado a demanda das empresas e, consequentemente, provocado quedas expressivas no nível de atividade econômica.

Por fim, um outro dado importante contemplado pela PNAD Covid-19 diz respeito às transferências recebidas por meio do Programa de Auxílio Emergencial do Governo Federal. Segundo a pesquisa, esse auxílio chegou a 20,9% dos domicílios catarinenses, com valor médio de R$ 742,94 por domicílio.


[1] Vicente Loeblein Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[2] Lauro Mattei é professor titular do Departamento CNM/UFSC, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSC, coordenador geral do Necat e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: l.mattei@ufsc.br.

[3] IBGE. PNAD COVID19 – Plano amostral e ponderação, 2020, p. 1.

[4] IBGE. PNAD COVID19 – Instrumento de coleta, 2020.

[5] MATTEI, L.; DOURADO, D. A. A COVID-19 em Santa Catarina: Interpretando o estudo do Imperial College e Londres. TD 041/2020.

[6] SEPRT. Estatísticas mensais do emprego formal: Novo Caged. 2020.