Brasil perdeu cerca de 8 milhões de postos de trabalho entre março e maio de 2020

23/07/2020 09:49

Por: Vicente Loeblein Heinen[1] e Lauro Mattei[2]

O IBGE divulgou recentemente os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) para o trimestre entre março e maio de 2020, período que se encontra completamente compreendido pela pandemia provocada pelo novo coronavírus. A análise desse período é importante porque a partir do mês de março praticamente todos os indicadores econômicos do país já começaram a refletir os impactos da nova crise associada à Covid-19. Com isso, tais informações já permitem um dimensionamento mais preciso dos principais efeitos dessa crise sobre o mercado de trabalho brasileiro.

A queda do emprego no Brasil

De acordo com as informações contidas no Gráfico 1, a pandemia agravou ainda mais a situação do desemprego no país, indicador que já se encontrava em patamares elevados no período anterior à crise. Ao final do trimestre em análise, a taxa de desocupação brasileira atingiu 12,9%, o que corresponde a um montante de 12,7 milhões de pessoas desocupadas. Essa taxa é 1,3 pontos percentuais (p.p.) maior do que a taxa registrada no trimestre anterior (dez-fev), e 0,6 p.p. superior à observada no mesmo trimestre do ano anterior.

Gráfico 1 – Taxa de desocupação no Brasil (trimestres móveis encerrados entre maio de 2017 e de 2020, em %).

G1

Fonte: PNADC – Divulgação mensal (2020).

Em grande medida, a taxa de desocupação ainda não cresceu tanto porque somente as pessoas que efetivamente procuraram emprego (e que acabaram não encontrando) no mês de referência da pesquisa são consideradas como desocupadas. Para compreender como essa categorização influencia o comportamento da taxa de desocupação, vejamos as informações contidas no Gráfico 2. Ao longo dos últimos anos, a força de trabalho apresentou uma tendência de expansão no Brasil, acompanhando o incipiente crescimento da população ocupada. Ainda nos últimos trimestres de 2019 já ocorreu uma estagnação do crescimento das novas vagas de trabalho, porém a procura por emprego também acabou sendo reduzida. Em função disso, a força de trabalho permaneceu estável até o final de 2019.

Gráfico 2 – Taxas de crescimento dessazonalizado da força de trabalho e da população ocupada e desocupada (trimestres móveis encerrados entre maio de 2017 e de 2020, com relação ao trimestre anterior, em %).

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Fonte: PNADC – Divulgação mensal (2020).

A partir de março de 2020, com os primeiros impactos da crise associada à Covid-19, teve início um período de abrupta queda nas ocupações. Descontados os efeitos sazonais, o Brasil perdeu cerca de 7,9 milhões de postos de trabalho somente entre março e maio, contabilizando uma queda de 8,4% na população ocupada, maior percentual já registrado na série histórica da PNAD Contínua (iniciada em 2012). Da mesma forma, o nível de ocupação – que indica a parcela da população em idade ativa (pessoas com 14 ou mais anos de idade) que se encontra ocupada – também sofreu uma queda inédita, recuando 5 p.p. com relação ao trimestre anterior. Com isso, pela primeira vez na série histórica menos da metade da população em idade ativa (49,5%) no Brasil está trabalhando.

Nesse contexto, é importante registrar que a grande maioria das pessoas que perderam seus empregos no período não voltou a procurar trabalho imediatamente, seja pela falta de perspectiva de encontrá-lo, seja em razão das medidas de isolamento social. Por consequência, a população desocupada no referido trimestre cresceu relativamente menos (2,1%), aumentando em apenas 250 mil pessoas, comparativamente ao trimestre anterior. Esse crescimento pode ser considerado diminuto nessa fase inicial da crise da Covid-19, pois representa só 3% do total dos 7,6 milhões de brasileiros que saíram da força de trabalho entre março e maio de 2020.

Isso fez com que a taxa de participação na força de trabalho atingisse 56,8%, o que é seu piso histórico e chega a ser 5,3 p.p. inferior ao percentual observado no mesmo período do ano anterior. A maioria dos trabalhadores que saiu do mercado de trabalho eram pessoas que “gostariam” de estar trabalhando, mas que não procuram emprego ou não puderam assumir um posto de trabalho. Essas pessoas são consideradas pela PNAD Contínua como força de trabalho potencial, categoria que no período considerado aumentou em 3,7 milhões de pessoas em relação ao trimestre anterior, considerando-se a série dessazonalizada.

Esse resultado indica uma expansão acelerada do desemprego oculto no país, conforme pode ser observado a partir do indicador de subutilização da força de trabalho, que é composto pelas seguintes medidas: desocupados; força de trabalho potencial; e subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. A taxa composta de subutilização ficou em 27,5% no trimestre encerrado em maio de 2020, o que também é um recorde na série histórica. Essa taxa é 4 p.p. superior à observada no trimestre anterior e decorre de um crescimento inédito de cerca de 10% na população subutilizada. Conforme podemos observar a partir do Gráfico 3, a maior parte desse resultado é explicado pela expansão da força de trabalho potencial, que foi muito mais expressiva que o próprio crescimento da desocupação.

Gráfico 3 – Decomposição do crescimento da força de trabalho subutilizada (trimestres móveis encerrados entre maio de 2017 e de 2020, com relação ao trimestre anterior, em %)

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Fonte: PNADC – Divulgação mensal (2020).
Nota: A contribuição de cada medida é o produto de sua taxa de crescimento com relação ao trimestre anterior e de sua participação no total da população subutilizada.

O Gráfico 3 também revela que a população subocupada por insuficiência de horas trabalhadas diminuiu desde o início da pandemia. Entre março e maio o Brasil perdeu aproximadamente 700 mil subocupações, o que revela o caráter extremamente incerto desses postos de trabalho, que estão mais sujeitos a demissões quando ocorrem quedas nas atividades econômicas.

As principais características dos postos de trabalho perdidos

Após dimensionar a queda da população ocupada, cabe verificar quais foram os setores mais afetados e quais foram as características predominantes das demissões ocorridas no período[3].

Seguindo as tendências das últimas informações divulgadas, o grupamento mais afetado foi de Comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas, que fechou 2 milhões de vagas no trimestre encerrado em maio. A principal diferença com relação às divulgações anteriores é que agora a Indústria geral também passou a figurar entre os setores com os saldos mais negativos, uma vez que perdeu 1,2 milhão de vagas. Apesar da forte adesão desse setor às regras da MP nº 936, a população ocupada na indústria sofreu queda de 10% com relação ao trimestre anterior. Esse resultado chama a atenção pois é pior, inclusive, do que aquele observado nos setores de serviços, cuja queda média ficou próxima dos 6%. Dentre os setores de serviços, os grupamentos mais afetados foram os de Alojamento e alimentação e de Serviços domésticos, que também perderam cerca de 1,2 milhão de postos de trabalho cada, registrando as maiores quedas relativas dentre todos os setores (-22,1% e -18,7%, respectivamente). Em termos relativos, a terceira maior retração foi verificada na Construção (-16,4%). Quando somados, esses cinco setores representam aproximadamente 85% de todas as ocupações perdidas no trimestre.

Quanto à posição na ocupação, notamos que cerca de 70% das ocupações perdidas diziam respeito a postos informais de trabalho. A maior queda relativa foi registrada entre os empregados sem carteira de trabalho assinada (inclusive domésticos), com variação trimestral de -20,7%. Concretamente, isso quer dizer que 1 em cada 5 brasileiros que estavam empregados sem carteira assinada foi demitido entre março e maio.  Os empregadores sem CNPJ, em razão da quebra expressiva de micro e pequenas empresas, também foram fortemente atingidos, com retração de 12,5%. Já no caso dos trabalhadores por conta própria sem CNPJ, a queda foi de 11,7%. Esse resultado foi muito próximo à retração média do conjunto das ocupações informais, que ficou em 11,8% com relação ao trimestre anterior.

Por outro lado, a queda nas ocupações formais foi menor, atingindo aproximadamente 5%. Essa discrepância revela a importância da formalização do emprego enquanto instrumento de segurança social, em contraste com a falta de garantias de emprego e de renda que tendem a acompanhar os trabalhos informais. A maior parte dos empregos formais perdidos no período se concentrou na categoria dos empregados com carteira do setor privado, com redução de 2,4 milhões vagas, significando uma variação trimestral de -7,5%. Por fim, as categorias menos afetadas foram as localizadas no setor público, que contam com maior estabilidade no emprego.

Impactos nos rendimentos do trabalho

A abrupta queda na produção e no emprego teve fortes impactos sobre a renda do trabalho no país. De acordo com os dados do Gráfico 4, a massa de rendimentos mensais efetivamente recebida em todos os trabalhos caiu 7,9% no último trimestre, considerando a série com ajuste sazonal.Parte superior do formulárioParte inferior do formulário

Gráfico 4 – Taxa de crescimento dessazonalizada dos rendimentos reais efetivamente recebidos em todos os trabalhos (trimestres móveis encerrados entre maio de 2017 e de 2020, com relação ao trimestre anterior, em %).

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Fonte: PNADC – Divulgação mensal (2020).

Entretanto, o rendimento médio real efetivamente recebido ficou praticamente estável, com variação de -0,2%. A diferença entre essas duas taxas indica que os trabalhadores demitidos foram sobretudo os que auferiam menores remunerações. Além disso, vale notar que esse resultado também ficou muito abaixo do crescimento de 3,6% observado no rendimento médio real habitualmente recebido em todos os trabalhos, o que sugere que aqueles que permaneceram ocupados também sofreram reduções em seus patamares de remuneração.


[1] Vicente Loeblein Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[2] Lauro Mattei é professor titular do Departamento CNM/UFSC, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSC, coordenador geral do Necat e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: l.mattei@ufsc.br.

[3] Visando simplificações, nesta parte do texto utilizamos as séries originais da PNAD Contínua, sem ajustes sazonais. Com isso, podem haver pequenas divergências com relação aos resultados expostos anteriormente.