Desemprego seguiu crescendo em Santa Catarina em junho, aponta PNAD Covid-19
Por: Vicente Loeblein Heinen[1] e Lauro Mattei[2]
O IBGE divulgou na última quinta-feira (23/07) os resultados da PNAD Covid-19 para o mês de junho de 2020. Esses dados revelam a continuidade do processo de degradação do mercado de trabalho nacional diante da crise associada à Covid-19, além de permitir analisar o desdobramento dessa tendência a nível estadual.
No conjunto do país, a taxa de desocupação atingiu 12,4% em junho, abrangendo um total de 11,8 milhões de brasileiros. Em comparação com maio, esse percentual representa um aumento de 1,7 pontos percentuais (p.p.). Essa elevação resultou do aumento do número de pessoas procurando alocação no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que as vagas ofertadas seguem em declínio. Nesse sentido, cabe registrar que o número de desocupados no Brasil cresceu em 1,7 milhão em junho, enquanto os ocupados diminuíram em aproximadamente 1 milhão de pessoas.
Esse comportamento está associado à dinâmica das pessoas que foram afastadas de seus postos de trabalho em razão da pandemia. Essa população diminuiu em aproximadamente em 4 milhões em junho, representando cerca de ¼ do total de pessoas que se encontravam afastadas em maio. No entanto, essa população foi apenas parcialmente reincorporada às suas atividades prévias, uma vez que o crescimento do número de ocupados não-afastados (3,2 milhões) foi inferior à redução da população afastada. Apesar disso, o Brasil ainda conta com 11,8 milhões de pessoas afastadas do trabalho que exerciam devido ao distanciamento social, sendo que 7,1 milhões deles ainda continuam sem rendimentos do trabalho.
Outro fator que agrava este cenário é a manutenção de um número muito elevado de pessoas que necessitaria trabalhar, mas não procurou emprego nas semanas de referência da pesquisa. Essa população seguiu crescendo em junho, atingindo 26,7 milhões de pessoas. Desse total, 17,8 milhões estavam “desalentados pela pandemia”, ou seja, não buscaram trabalho por conta da pandemia ou por falta de trabalho na localidade em que habitam.
Somando-se a categoria dos desocupados com a dos afastados de seus trabalhos de forma não-remunerada e a dos “desalentados pela pandemia”, chega-se a 36,7 milhões de pessoas. Essa população equivale a cerca de ⅓ do total da força de trabalho ampliada pelo desalento.
O cenário crítico se mantém: comparação com os resultados de maio
Para analisar como as tendências do agregado nacional se explicitaram também em Santa Catarina, a Tabela 1 apresenta o comportamento dos principais indicadores do mercado de trabalho catarinense entre maio e junho de 2020.
Tabela 1 – Condição da população em idade ativa em Santa Catarina (maio e junho de 2020, mil pessoas)
Fonte: PNAD Covid-19 – Divulgação mensal
Inicialmente, nota-se que a população fora da força de trabalho manteve-se na casa dos 2,2 milhões de pessoas. Esse volume representa 37,9% da população catarinense em idade ativa, ficando bem abaixo da média nacional, que foi de 44%. Essa diferença conta com um fator “estrutural” e outro “conjuntural”. O primeiro deles, é a expectativa de encontrar emprego, que é relativamente melhor no âmbito estadual. Já o segundo diz respeito à dinâmica das medidas de distanciamento social, tendo em vista que, tanto a adoção de restrições mais rígidas quanto sua posterior “flexibilização”, começaram antes em Santa Catarina.
Da mesma forma, o cenário também permaneceu relativamente estável quanto à população na força de trabalho (ocupada ou procurando trabalho), cuja taxa de participação (na população em idade ativa) se manteve próxima de 62%. Grande parte desse resultado se deve à manutenção de um elevado número de “desalentados pela pandemia”. A população que não procurou emprego, mas necessitaria trabalhar ficou em 410 mil pessoas em junho, sendo que 52,1% delas (226 mil) não procuraram trabalho por conta da pandemia ou por falta de trabalho na localidade onde residem.
Mesmo que essa população ainda não tenha voltado a procurar trabalho, o desemprego no estado já cresce a um ritmo expressivo. Mais uma vez, a taxa de desocupação estadual bateu recorde histórico em junho, chegando aos 8,6%. Apesar de essa taxa ainda figurar entre as menores do país, ela teve um crescimento de 0,6 p.p. em apenas um mês. Em termos absolutos, isso significou que 317 mil catarinenses estiveram desocupados em junho, ou seja, procuraram emprego semanalmente ao longo do mês, mas não encontraram. Esse resultado representa um crescimento de 7,2% da população desocupada em junho, resultando no acréscimo de 22 mil desocupados com relação ao mês anterior.
A situação fica ainda mais grave quando se tem em vista que o nível de emprego ainda não parou de cair. Santa Catarina perdeu 40 mil ocupações somente em junho, o que representa uma queda de 1,2% da população ocupada. Para se ter ideia da dimensão dessa queda, vale registrar que ela equivale a todos os postos de trabalho perdidos no estado no conjunto do biênio 2015-2016, ou seja, no período mais intenso da recente crise econômica no estado. Em função disso, o nível de ocupação (ocupados/população em idade ativa) também atingiu novo piso histórico, caindo para 56,7% em junho.
Assim como ocorreu no conjunto do país, essa queda das ocupações diz respeito, em grande medida, à dinâmica da população afastada de seus postos de trabalho. Por um lado, o número de catarinenses que permaneceram tecnicamente ocupados, mas que não estavam trabalhando na semana de referência da pesquisa, diminuiu em 84 mil, significando uma queda de 20,6%. Por outro lado, o número de ocupados não-afastados cresceu menos (44 mil pessoas), o que pode indicar que quase a metade dos trabalhadores que deixaram de estar afastados não foram reincorporados às suas atividades prévias, mas demitidos. Essa tendência é preocupante porquanto Santa Catarina ainda conta com 322 mil trabalhadores afastados, sendo que destes 114 mil ainda estão sem rendimentos do trabalho. Além disso, vale registrar que o número de trabalhadores não-afastados que estão trabalhando de forma remota manteve-se em patamar praticamente estável, com 262 mil pessoas.
No caso catarinense, a soma da categoria dos desocupados, dos afastados de seus trabalhos de forma não-remunerada e dos “desalentados pela pandemia” foi de 645 mil. Esse montante equivale a 16,5% do total da força de trabalho ampliada pelo desalento, percentual próximo ao registrado no mês anterior (16,9%). Essa é a parcela da população catarinense que efetivamente necessitaria trabalhar, mas continuou sem renda no mês de junho. Esses resultados podem ser melhor visualizados a partir da sistematização apresentada na Figura 1.
Figura 1 – Quadro geral do mercado de trabalho catarinense (junho de 2020)
Fonte: PNAD Covid-19 – Divulgação mensal.
As principais características dos postos de trabalho perdidos
Em razão da forma em que está sendo realizada, a PNAD Covid conta com alguns problemas no que diz respeito ao detalhamento dos setores mais afetados no estado em junho. Isso porque o grupamento “Outras atividades” conta com grande expressividade no total das ocupações (cerca de 13%), não permitindo identificar efetivamente as atividades que estão contidas nesse grupamento, que perdeu 19 mil postos de trabalho em junho, representando uma queda de -4,2%.
Tabela 2 – Ocupados por grupamentos de atividade econômica em Santa Catarina (maio e junho de 2020, mil pessoas)
Fonte: PNAD Covid-19 – Divulgação mensal.
Em termos relativos, o grupamento mais afetado foi o de Serviços domésticos (-9%), seguido por Alojamento e alimentação (-5,5%), os quais perderam 10 mil e 7 mil ocupações, respectivamente. Além disso, houve perda expressiva no grupamento de Administração pública, defesa e seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais (-16 mil), cuja participação no agregado caiu de 16% para 15,7% entre os meses de maio e junho.
Saldos negativos também foram registrados nos Serviços industriais de utilidade pública e indústria extrativa mineral (-3 mil); Construção (-2 mil); Transporte, armazenagem e correio (-2 mil); e Outros serviços (-2 mil), o que indica que esses ramos ainda estão com problemas para retomar suas atividades e fazer novas contratações.
Dentre os setores que apresentaram saldo positivo, destaca-se a Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, que incorporou 10 mil postos de trabalho, registrando crescimento de 3,1%. Esse crescimento pode estar relacionado ao crescimento da produção agroindustrial, especialmente em termos de produtos alimentares. O aumento das contratações na indústria alimentícia também foi determinante para o saldo positivo registrado na Indústria de transformação, grupamento que gerou 8 mil vagas em junho, mesmo com a continuidade das demissões em diversos outros ramos industriais, especialmente o têxtil-vestuário. Apesar dos empregos na Indústria de transformação terem crescido 1,3%, sua participação no agregado ficou em 17,4%, o que pode ser considerado um patamar baixo para os padrões estaduais[3]. O mesmo pode ser dito com relação ao Comércio, que apresentou variação de 0,8%, com saldo de 4 mil ocupações.
Do ponto de vista das posições na ocupação, notamos que os empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado seguiram em declínio (-0,6%), correspondendo a uma perda de 10 mil ocupações em junho, conforme Tabela 3. Essa queda só não foi maior que a dos empregados sem carteira no setor privado, que diminuíram em 17 mil, registrando retração da ordem de 8,2% em apenas um mês.
Tabela 3 – Ocupados por posição na ocupação e categoria do emprego em Santa Catarina (maio e junho de 2020, mil pessoas)
Fonte: PNAD Covid-19 – Divulgação mensal.
Além disso, também foram registrados saldos negativos entre os trabalhadores domésticos (-4 mil com carteira e -7 mil sem carteira); empregados do setor público com carteira (-1 mil); militares e servidores estatutários (-5 mil); e trabalhadores familiares auxiliares (-8 mil).
Por fim, cabe destacar que a maioria das ocupações “geradas” no período foram de trabalhos por conta própria. Essa categoria incorporou 8 mil pessoas em junho, registrando crescimento de 0,9%. Isso indica um primeiro movimento de retomada das ocupações informais, sobretudo como estratégia de sobrevivência em meio à crise.
Menos trabalho e menos renda: jornadas e rendimentos do trabalho
Considerando o conjunto das pessoas que permaneceram ocupadas durante a pandemia, houve uma tendência geral de redução do número de horas trabalhadas, geralmente acompanhada por redução salarial. Esse movimento foi mais intenso nos meses de abril e maio; já os dados de junho apontam para um arrefecimento dessa tendência, muito embora ainda não mostrem sinais consistentes para uma retomada imediata da renda no estado. Tais situações podem ser melhor analisadas por meio das informações contidas na Tabela 4.
Tabela 4 – Jornada de trabalho e rendimentos das pessoas ocupadas com rendimento do trabalho em Santa Catarina (maio e junho de 2020)
Fonte: PNAD Covid-19 – Divulgação mensal.
A jornada de trabalho média efetivamente realizada pelos catarinenses em maio era equivalente a 81,4% da que seria realizada habitualmente, ou seja, o número de horas trabalhadas pelas pessoas que continuaram ocupadas foi, em média, 18,6% menor do que seria normalmente. Em junho, essa diferença apresentou uma redução considerável, caindo para 15,2%. Nesse mês cerca de 40 mil pessoas tiveram suas jornadas de trabalho “normalizadas”, de modo que a proporção dos trabalhadores com jornadas de trabalho reduzidas recuou para 19,5% em junho diante de 21,3% verificado em maio. Apesar disso, a jornada média efetiva no mês de junho (34,2 horas) ainda ficou inferior em 6 horas ao habitual (40,3 horas), o que pode estar indicando a existência de elevados níveis de capacidade ociosa nas empresas.
Com o incipiente aumento do número de horas trabalhadas, o rendimento médio real efetivamente recebido no estado aumentou em 1,4% no último mês, atingindo R$ 2.154. No entanto, há pelo menos duas razões pelas quais essa não é uma notícia muito animadora. Primeiro, porque os catarinenses ainda receberam apenas 87,2% do que normalmente receberiam, ou seja, os rendimentos médios seguem reduzidos em aproximadamente 13%. Em termos absolutos significa que 972 mil catarinenses mantiveram seus rendimentos reduzidos, o que representa 29,2% do total das pessoas ocupadas e com rendimento do trabalho em junho.
A segunda razão pela qual a retomada dos rendimentos deve ser analisada com cautela diz respeito ao comportamento do salário/hora no estado. Junho foi um mês marcado por um avanço do desemprego e por uma retomada nas horas trabalhadas pelas pessoas que se encontravam total ou parcialmente afastadas de suas atividades. Com isso, o rendimento médio efetivamente recebido por hora trabalhada no estado apresentou queda de 3,1% com relação a maio, caindo para 14,7 R$/hora.
Assim, com a queda das ocupações puxando para baixo e o aumento das jornadas de trabalho puxando para cima, a massa de rendimentos efetivamente recebida permaneceu praticamente estável, situando-se ao redor de R$ 7,1 bilhões.
Por fim, um outro dado importante contemplado pela PNAD Covid-19 diz respeito às transferências de renda promovidas pelo programa Auxílio Emergencial do Governo Federal. Segundo a pesquisa, esse auxílio chegou a 592 mil domicílios catarinenses, o que representa 23,8% do total. Com relação a maio, houve um aumento de 76 mil novos domicílios recebendo esse benefício. O valor médio recebido em Santa Catarina também aumentou, passando de R$ 742,94 em maio, para R$ 765,55 por domicílio em junho. Com isso, houve um aumento de 1,7% no rendimento domiciliar per capita médio recebido de todas as fontes (trabalho, seguro-desemprego, auxílios, etc.), o qual foi de R$ 1.468,45 em junho.
[1] Vicente Loeblein Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.
[2] Lauro Mattei é professor titular do Departamento CNM/UFSC, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSC, coordenador geral do Necat e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: l.mattei@ufsc.br.
[3] Mesmo que fosse descontada a parcela das ocupações classificadas como “Outras atividades”, a participação da Indústria de transformação no agregado estadual não passaria de 20%. Ressaltando sempre que há diferenças metodológicas importantes entre estas pesquisas, vale observar que na última PNAD Contínua, relativa ao primeiro trimestre de 2020, essa participação ficou próxima de 22%.