Metas e prioridades do governo de Santa Catarina para 2022: breve análise do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária (PLDO)

05/05/2021 10:21

Por: Juliano Giassi Goularti[1]

O PLDO encaminhado pelo governo do estado de Santa Catarina ao Parlamento Catarinense (PL./0123.0/2021) estabelece as metas, prioridades e objetivos da administração pública para o ano seguinte. No PLDO, o governo do estado fixa o montante de recursos que pretende arrecadar, gastar, economizar, repassar aos poderes e, em função da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), traçar políticas públicas estratégicas de recuperação econômica e medidas sanitárias de enfrentamento e controle da virose que já vitimou mais de 13 mil catarinenses e quase 400 mil brasileiros.

No PLDO, o governo do estado ainda autoriza o aumento das despesas com pessoal, regulamenta as transferências a entes públicos e privados e disciplina o equilíbrio entre as receitas e as despesas. A lei orçamentária anual é uma das principais legislações que define o destino dos recursos públicos em curto prazo – ao contrário das ações de planejamento do Plano Plurianual (PPA) que são de médio prazo – e, portanto, impacta o cotidiano do estado e dos municípios catarinenses.

Dentro do seu ordenamento jurídico, toda programação do PLDO está sujeito à Constituição Federal de 1988, particularmente da Lei nº 4.320, de 1964 (que instituiu as normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados e Municípios, além do Distrito Federal) e da Lei Complementar nº 101, de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a qual determina que os objetivos e gastos públicos estejam previstos no PPA, LDO e Lei Orçamentária Anual. Além disso, as diretrizes orçamentárias têm que cumprir a legislação tributária, garantir a sustentabilidade da dívida pública, estabelecer a projeção atuarial do regime de previdência dos servidores (IPREV), estimar a renúncia de receita e prever os riscos fiscais que poderão afetar as contas públicas, especialmente comprometendo a qualidade dos serviços públicos. Em síntese, PLDO é um documento que mostra ao conjunto da sociedade como a administração pública irá se comportar econômica e politicamente.

Uma análise inicial das diretrizes orçamentárias propostas pelo governo estadual para o exercício financeiro de 2022 revela que a receita total foi estimada em R$ 34.479 bilhões (valor corrente), sendo que de impostos, taxas e contribuições de melhoria são R$ 22.799 bilhões. Quanto às despesas, verifica-se que dos RS 29.790 bilhões em despesas correntes, cerca de R$ 19.295 bilhões são gastos com pessoal; R$ 9.588 outras despesas e R$ 906 milhões com juros e encargos da dívida. Aliás, com uma dívida pública consolidada de R$ 22.833 bilhões, o PLDO projeta um resultado primário de R$ 1.524 bilhões, isto é, 4,42% da receita total estimada. Diante desse cenário, emergem algumas indagações: a) considerando o superávit primário de R$ 1.860 bilhão anunciado em 2020 e diante da crise econômica imposta pela Covid-19 é plausível o governo apresentar como meta um superávit de R$ 1.524 bilhões? b) não seria mais recomendável reduzir a meta fiscal para ampliar os gastos públicos em programas de recuperação econômica e em ações sociais de combate a fome?

Quanto às despesas de capital, foi projetado um valor de R$ 4.688 bilhões, sendo R$ 2.346 bilhões para investimentos; R$ 728 milhões para inversões financeiras e R$ 1.613 bilhões para amortização da dívida. Em síntese, 86,40% da despesa projetada são despesas correntes (custeio) e 13,59% despesas de capital (investimentos), sendo que destes apenas 6,8% são efetivamente investimentos públicos, conforme definição constante do anexo 1. Por exemplo, a reabilitação e aumento de capacidade de rodovias, conservação e segurança rodoviária, mobilidade urbana, geração de energia elétrica, expansão do gás natural, esgoto sanitário, integração logística, etc.

Chama atenção no PLDO os riscos fiscais do estado estimados em R$ 15.290 bilhões, contra R$ 13.807 bilhões constantes no PLDO/2020, crescimento de 10,74%, muito acima do INPC que no ano de 2020 foi de 5,45%. Na mesma linha de preocupação, destaca-se o crescimento extraordinário da renúncia de receita tributária que irá somar R$ 14.017 bilhões, muito acima dos R$ 6.349 bilhões, aumento de 121% em relação ao PLDO do ano passado. Quanto a isso, vale observar que somente em 2020 a renúncia de receita tributária, que somou R$ 5.535 bilhões, representou uma desvinculação constitucional de R$ 664,2 milhões da saúde e R$ 1.383 bilhões da manutenção e desenvolvimento da educação, o que poderá comprometer o Plano Estadual da Educação (Lei nº 16.794, de 2015).

Neste caso, uma das distorções já conhecidas da renúncia de receita é aquela relativa à isenção nas saídas de insumos agropecuários, com valor estimado em R$ 865.653 milhões[2]. Já a promoção e incentivo à agroecologia e produção orgânica tem um orçamento de apenas R$ 500 mil, valor comparativamente menor ao exercício financeiro de 2020, cujo montante atingiu R$ 700 mil, porém sem qualquer execução.

Embora o crescimento da renúncia de receita tributária (ICMS, IPVA e ITCMD) esteja justificado na mudança da metodologia de cálculo, desenvolvimento de novas ferramentas para cálculo da renúncia e a crise cambial, não há no texto do PLDO qualquer tipo de metas e objetivos que conectem efetivamente os R$ 14.017 bilhões da renúncia de receita com a geração de emprego, distribuição de renda, inovação tecnológica e desenvolvimento econômico. Representando 41,65% da receita total e 61,48% da receita própria do estado, essas renúncias são privilégios fiscais que não têm limite de prazo, teto fiscal e correlação com redução do preço ao consumidor final.[3] Por isso, entende-se que a simples renúncia de receita não se reverte em um mecanismo automático de promoção do desenvolvimento[4].

Outra ação que se sobressai no PLDO é o valor do estoque de dívida ativa que já está em R$ 21.435 bilhões, representando 94,01% da receita própria do estado e 5,5% do PIB catarinense. Tal montante vem crescendo acima da inflação a cada ano, destacando-se que apenas dez empresas representam aproximadamente 10% do estoque total dessa dívida. A propósito, a lei encaminhada pelo executivo ao parlamento não apresenta nenhum dispositivo para coibir este crescimento planejado pelas empresas que compromete de forma significativa a capacidade do estado em desenvolver políticas públicas gratuitas e de qualidade. Importante notar que o Programa Catarinense de Recuperação Fiscal é uma política injusta e discursiva que beneficia apenas segmentos empresariais que não pagam seus impostos em dia, em detrimento daqueles que nunca atrasam seus pagamentos.

O PLDO se propõe a fazer um alinhamento entre objetivos e realidade, ajustando as ações do governo ao que realmente é possível fazer a cada ano. Todavia, o projeto de lei não trata com o devido rigor os riscos e impactos que a continuidade da Covid-19 poderá causar. Embora as despesas com a função saúde relativas ao enfrentamento da pandemia não serão objeto de limitação de gastos pelo IPCA[5], constam duas ações especificas: i) “015037 Enfrentamento da Pandemia Covid-19”; e, ii) “015110 Repasse financeiro aos hospitais filantrópicos e municipais para enfrentamento da pandemia Covid‑19”. Mas no texto do projeto não se observa uma resposta econômica efetiva à crise decorrente da Covid-19, especialmente em termos de políticas públicas mais robustas que as consequências da pandemia assim exigem.

Por fim, no caso dos recursos de reserva de contingência (recursos para situações imprevistas do ponto de vista do planejamento orçamentário, como catástrofes ambientais, etc.) foi destinado apenas R$ 1 milhão, sendo que proposta orçamentária conterá reserva de contingência vinculada aos orçamentos fiscal e da seguridade social de, no máximo, 3% da receita corrente líquida, estimada em R$ 30.378 bilhões pelo PLDO.


[1] Doutor pelo Instituto de Economia da UNICAMP e pesquisador do NECAT/UFSC.

[2] O convênio nº 100, de 1997 do Confaz reduziu em 60% a base de cálculo do ICMS dos agrotóxicos, processo que foi renovado pelo menos 18 vezes desde a sua promulgação. A estimativa é que, em 2020, os Estados brasileiros deixaram de arrecadar aproximadamente R$ 8 bilhões com os agrotóxicos.

[3] Ver mais detalhes sobre o assunto no livro “Política fiscal e desoneração tributária no Brasil” escrito pelo autor.

[4] Ver o artigo “A política de renúncia da receita tributária em Santa Catarina: impacto financeiro, distribuição setorial e desenvolvimento regional desigual” publicado na última edição da Revista do NECAT/UFSC – http://revistanecat.ufsc.br/index.php/revistanecat/article/view/4660

[5] § 4º e 5º do art. 29 – Seção VII: da limitação do crescimento das despesas primárias correntes.