O novo marco regulatório da educação a distância e os cursos de ciências econômicas

19/09/2025 20:05

Paulo Sérgio Fracalanza1
Camila Kimie Ugino2
Alexis Saludjian3

INTRODUÇÃO

O decreto que institui a Nova Política de Educação a Distância (EaD), publicado em maio de 2025 pelo Ministério da Educação (MEC), representa uma inflexão importante na regulação da oferta de cursos superiores no Brasil. Sua publicação ocorre em um contexto de crescimento vertiginoso da EaD no país: segundo as projeções, já em 2024, o número de alunos de EaD ultrapassará o de discentes em formações presenciais.

De acordo com o MEC, a aceleração da expansão da EaD decorre, em grande medida, do decreto de 2017 que flexibilizou a abertura de polos de educação a distância no país. Entre 2013 e 2023, as matrículas em cursos na modalidade EaD cresceram 326%, enquanto as presenciais caíram 17,7% no mesmo período. Apenas para um registro comparativo, em 2013, havia um total de 7,3 milhões de matrículas no ensino superior, sendo 84% em cursos presenciais e apenas 16% em cursos a distância. Dez anos depois, em 2023, de um total de 9,9 milhões de estudantes matriculados, 49% (4,9 milhões) estavam em cursos a distância e 51% (5,06 milhões) em cursos presenciais, uma diferença de apenas 150 mil vagas4.

Esse expressivo avanço quantitativo, porém, nem sempre foi acompanhado de investimentos equivalentes em qualidade pedagógica, infraestrutura e acompanhamento acadêmico — gerando preocupações sobre o impacto da EaD na formação profissional.

É nesse cenário que o novo decreto se coloca como tentativa de reequilibrar expansão e qualidade, estabelecendo parâmetros mais rigorosos para o funcionamento da EaD: limites de carga horária, exigências de atividades presenciais e síncronas, infraestrutura mínima nos polos que oferecem ensino a distância, corpo docente qualificado e mediação pedagógica consistente. No caso dos cursos de Ciências Econômicas, esse debate é particularmente relevante, dado o compromisso da área com uma formação plural, crítica e socialmente responsável.

1-A FORMAÇÃO EM ECONOMIA DIANTE DO NOVO MARCO REGULATÓRIO

Segundo dados do MEC de 2024, o Brasil contava com 362 cursos de bacharelado ativos em Ciências Econômicas, dos quais 73% são presenciais e 27% ofertados a distância5. Grande parte dos cursos EaD surgiu nos últimos anos, acompanhando a lógica de massificação da educação superior. Contudo, análises do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) indicam que o desempenho dos cursos de Economia a distância permanece significativamente inferior ao dos cursos presenciais.

Esse quadro evidencia o risco de uma expansão quantitativa dissociada da qualidade. O novo decreto, ao reduzir o teto de carga horária a distância nos cursos presenciais de 40% para 30%, reforça a centralidade da formação em sala de aula e das práticas presenciais, reconhecendo que a interação entre docentes e discentes é insubstituível na construção do conhecimento.

Para a Economia, área que exige sólida formação teórica, histórica, quantitativa e humanística, tal diretriz reafirma a necessidade de resguardar padrões acadêmicos que não podem ser alcançados apenas por meios virtuais. Ademais, é importante recordar, as Diretrizes Curriculares Nacionais da área de Economia reforçam a importância de uma formação plural, capaz de articular dimensões históricas, sociais e analíticas, formando profissionais comprometidos com a compreensão crítica das desigualdades e com o compromisso da transformação social.

2-A EXIGÊNCIA DE ATIVIDADES PRESENCIAIS E A QUALIDADE DA FORMAÇÃO

Do ponto de vista da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Ciências Econômicas (ANGE)6, a formação do economista deve ser, prioritariamente, presencial. O exercício crítico da Economia requer vivência acadêmica que transcende a assimilação de conteúdos: exige diálogo, debate, exercício do contraditório e convivência democrática nos espaços universitários. A vida presencial no campus constitui um ambiente formativo que articula razão e afeto, teoria e prática, proporcionando amadurecimento intelectual, ético e social.

A nova política determina que, mesmo em cursos EaD, pelo menos 20% da carga horária deve ser cumprida em atividades presenciais. Trata-se de um pequeno avanço em relação ao modelo anterior, que delegava à mediação virtual um papel quase exclusivo.

Contudo, se a previsão de presencialidade mínima é positiva, esta deve ser acompanhada de medidas complementares — infraestrutura física adequada, corpo docente qualificado e mediação pedagógica de qualidade — de modo a superar práticas centradas em tutoria administrativa, comuns no modelo de massificação da EaD.

É bem verdade que o novo marco regulatório introduziu a figura do mediador pedagógico, em substituição ao antigo tutor que, doravante, assume apenas funções administrativas. Diferentemente do modelo anterior, o mediador pedagógico passa a exercer papel didático direto: apoiar os estudantes na resolução de dúvidas de aprendizagem, acompanhar sua trajetória formativa e atuar como elo de interação no ambiente virtual. Entretanto, embora exija-se, para tanto, formação acadêmica dos mediadores pedagógicos compatível com o curso, ainda resta indefinido, aguardando ato específico do Ministério da Educação, o padrão mínimo dessa qualificação. A ausência de clareza sobre se a formação requerida alcançará o nível de mestrado ou doutorado — prática consolidada nas universidades públicas — suscita preocupações legítimas: a substituição de professores doutores por profissionais com menor titulação pode comprometer a densidade teórica e analítica da formação do economista, especialmente em cursos EaD massificados.

Outro desafio central diz respeito à infraestrutura física e acadêmica do ensino universitário a distância. A qualidade formativa não pode prescindir de bibliotecas atualizadas, laboratórios especializados, salas de informática, espaços de estudo e ambientes de convivência e cultura. A efetividade da EaD exige que os polos de apoio presencial estejam equipados para dar suporte acadêmico de alto nível, sob pena de transformar a modalidade em mera replicação de conteúdos digitalizados. O investimento em infraestrutura, portanto, deve ser compreendido como condição sine qua non para que a expansão da EaD não se traduza em precarização das condições de ensino e aprendizagem.

Adicionalmente, a curricularização das atividades extensionistas representa um obstáculo ainda pouco debatido nos cursos EaD. A extensão, elemento estruturante da formação universitária, pressupõe vivências comunitárias, diálogo com territórios e participação em ações coletivas, dimensões que dificilmente encontram espaço em ambientes virtuais padronizados.

3-A EXPANSÃO DA EaD E A QUALIDADE DA FORMAÇÃO DO ECONOMISTA

A expansão da EaD no ensino superior brasileiro ocorreu de maneira vertiginosa, muitas vezes pautada por lógicas de mercado que priorizaram o baixo custo e a alta escala em detrimento da qualidade. Para a formação em Ciências Econômicas, tal movimento trouxe riscos significativos.

Nos últimos anos, a expressiva ampliação dos cursos superiores a distância em um quadro normativo bastante flexível sugere um processo orientado pela expansão numérica, nem sempre acompanhada de garantias pedagógicas.

O compromisso da ANGE é com uma formação científica plural, rigorosa e socialmente comprometida. Isso significa assegurar que os cursos de Economia não se limitem a transmitir competências técnicas, mas formem profissionais capazes de interpretar criticamente a realidade brasileira, suas desigualdades e os desafios do desenvolvimento econômico e social. Para tanto, a formação deve contemplar diversidade teórica, consistência metodológica e densidade analítica — atributos dificilmente garantidos em contextos de EaD precarizada.

O debate público sobre os rumos da EaD, portanto, é necessário e urgente. A Associação reconhece a importância da modalidade como instrumento de
democratização do acesso, especialmente em regiões onde a oferta presencial é limitada. Contudo, reafirma que esse acesso não pode se dar à custa da qualidade da formação, sob pena de comprometer a credibilidade da profissão e a contribuição dos economistas ao país.

CONCLUSÃO

O novo marco regulatório da EaD representa uma tentativa de reequilibrar a relação entre expansão e qualidade do ensino superior brasileiro. No caso da Economia, os dados disponíveis e a experiência acumulada sugerem que a modalidade presencial deveria continuar a ser a via prioritária de formação. A presencialidade, o convívio acadêmico e a interação dialógica constituem elementos formativos centrais, sem os quais se empobrece a formação crítica e cidadã do economista.

Podem ser consideradas positivas as medidas que impõem limites à EaD, mas permanecem importantes dúvidas sobre seus efeitos na qualificação do corpo docente e dos mediadores pedagógicos, nas condições de infraestrutura e na viabilidade de integrar atividades extensionistas em ambientes virtuais. Mais do que isso, persistem reticências quanto à efetividade e à qualidade de uma formação exigente, como a de Ciências Econômicas, em formato predominantemente virtual. Trata-se de uma área cujo processo formativo envolve não apenas a absorção de conteúdos, mas a experiência acadêmica ampliada, marcada pelo diálogo crítico, pela troca de perspectivas e pelo exercício coletivo da reflexão. Nesse contexto, a vida universitária presencial ao congregar a dimensão do amadurecimento intelectual, do desenvolvimento da sociabilidade e das trocas afetivas desempenha papel formativo insubstituível.

Portanto, diante das transformações em curso, a Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Ciências Econômicas (ANGE) recomenda que o debate sobre a nova regulamentação da EaD e os critérios de avaliação dos cursos seja conduzido de forma ampla e transparente, envolvendo instituições de ensino superior, conselhos profissionais, docentes e discentes. Apenas por meio de uma discussão participativa e crítica será possível assegurar que a expansão da EaD no Brasil se faça em consonância com os princípios da qualidade acadêmica, da pluralidade formativa e da responsabilidade social que devem orientar a formação do economista.


1 Professor de economia do IE-UNICAMP.
2 Professora de Economia da PUC-SP.
3 Professor de Economia do IE-UFRJ.
4 Esses dados e os dados a seguir podem ser consultados os anuários estatísticos do Ensino Superior do MEC.
5 Os dados podem ser consultados em https://emec.mec.gov.br/emec/nova
6 Veja a ANGE no site www.ange.org.br