5 pessoas por hora perderam a vida pela Covid-19 no mês de março/21 em SC

01/04/2021 19:39

Por: Lauro Mattei[1]

Ainda no final de 2020, diante das frágeis ações de prevenção à Covid-19, as autoridades nacionais e estaduais foram alertadas sobre o cenário terrível que seria enfrentado pelo país a partir dos primeiros meses do ano de 2021, caso nenhuma providência efetiva fosse adotada[2]. Naquele momento, a pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, cunhou a seguinte expressão: “O Brasil irá viver em março de 2021 o mês mais triste de sua vida”. E olha que naquela data ainda não tinha sido descoberta a nova variante do Sar-Cov-2, denominada de P1, popularmente conhecida como a “variante brasileira” do novo coronavírus.

Em função de que essa variante se espalhou rapidamente pelo país, uma vez que sua transmissibilidade é muito maior e bem mais agressiva, assistiu-se a uma verdadeira explosão dos registros oficiais da doença e, por consequência, dos óbitos. Duas situações contribuíram para agravar ainda mais esse cenário: por um lado, a falta de uma política preventiva de controle da pandemia por parte do governo federal e, por outro, os impasses do Plano Nacional de Imunização (PNI), que até hoje se ressente da falta de vacinas em quantidades suficientes para desencadear uma vacinação em massa da população do país.

Neste contexto, recentemente surgiram diversas afirmações em relação aos óbitos em curso, uma vez que alguns segmentos estão supondo que ocorreu uma mudança nessas mortes em relação às diversas faixas etárias da população. Tendo essa suposição em mente, o presente artigo analisa a evolução da participação dos óbitos de cada faixa etária ao longo de todo o período (abril de 2020 a março de 2021), bem como apresenta a evolução da taxa de crescimento de cada faixa etária específica.

A tabela 1 apresenta a evolução agregada dos óbitos ao longo dos treze meses de pandemia em Santa Catarina. Inicialmente é importante registrar que as taxas de crescimento nos meses iniciais apresentam um percentual bastante elevado em função de que o número absoluto de ocorrências era extremamente baixo até o mês de junho de 2020. Com o surgimento do primeiro surto expressivo da doença nos dois meses seguintes, esse panorama se alterou, fazendo com que essas taxas refletissem mais adequadamente a realidade. Desta forma, nota-se que o aumento mais expressivo do número de óbitos só vai acontecer a partir do mês de julho de 2020, com forte expansão no mês seguinte. Em termos percentuais, essas ocorrências nesses dois meses (julho e agosto) representam 17,5% de todos os óbitos que ocorreram no estado até o momento.

Tabela 1: Evolução mês a mês dos óbitos por Covid-19 em SC

tabela 1 artigo 0104

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC.

Outro aspecto importante a ser mencionado é que nos oito primeiros meses (março a outubro de 2020) os óbitos registrados representam apenas 29% do total de mortes que ocorreram durante toda a pandemia. Se a esse percentual for somada a participação dos óbitos ocorridos nos mês de novembro (6%), chega-se ao patamar de 35%, ou seja, em 9 meses de pandemia (de março a novembro de 2020) ocorreram apenas 35% do total de mortes registradas no estado. Tal situação pode ser observada visualmente por meio do gráfico 1.

Gráfico 1: Evolução mês a mês dos óbitos por Covid-19 em SC desde março/20

gráfico 1 artigo 0104

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC.

A tabela 2 apresenta a evolução em separado dos óbitos ocorridos a partir do mês de novembro de 2020 visando mostrar mais claramente a concentração recente dessas ocorrências. Inicialmente observa-se que no mês de dezembro de 2020 ocorreu uma grande elevação do número de mortes fazendo com o mesmo atingisse o segundo maior percentual (13,5%) dentre todos os meses considerados. Isso representou um crescimento de 40% em relação ao total registrado nos meses anteriores. Nos dois meses iniciais de 2021 (janeiro e fevereiro) houve um ligeiro recuo dos óbitos registrados, ainda que os mesmos se mantivessem num patamar elevado. Com isso, ambos passaram a responder por aproximadamente 20% do total de mortes ocorridas no estado.

Tabela 2: Evolução dos óbitos por Covid-19 em SC a partir do acumulado até novembro de 2020

tabela 2 artigo 0104

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC.

Já o mês de março de 2021 apresentou uma grande explosão do número de óbitos, uma vez que somente nesse mês foram registradas 32% do total de mortes que ocorreram no estado em 13 meses de pandemia. Isso significou um crescimento de 48% em relação ao total existente até o mês anterior. Se a este percentual for somado os percentuais dos meses de janeiro e fevereiro, verifica-se que 51,5% de todos os óbitos registrados no estado ocorreram nos três primeiros meses de 2021. Além disso, se for considerado o período entre dezembro/20 e março/21, observa-se que 65% do total de mortes do estado ocorreram em apenas 4 meses.

A tabela 3 apresenta a evolução dos óbitos segundo o sexo das pessoas. De um modo geral, ao longo de todo o período observou-se que essa relação ficou entre 40% e 60%, ou seja, os homens sempre foram majoritários nos registros oficiais de óbitos decorrentes da Covid-19. Todavia, quando se correlaciona esse indicador (óbitos) com o número de registros da doença segundo o sexo, nota-se que as mulheres respondiam por aproximadamente 52% dos casos ao longo de todo o período, enquanto os homens atingiam cerca de 48%. Isso indica que as mulheres, embora ligeiramente superiores em relação aos homens nos casos oficiais, se situaram em um patamar bastante inferior quando se considera a proporção de óbitos. Se esse fato está indicando uma maior resiliência das mulheres à Covid-19, somente pesquisas futuras poderão comprovar tal comportamento.

Tabela 3: Evolução dos óbitos por sexo em SC entre abril de 2020 e março de 2021

tabela 3 artigo 0104

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC.

A tabela 4 apresenta a evolução dos óbitos segundo as diversas faixas etárias consideradas nos dados oficiais do governo estadual. O corte inicial adotado (31.08.20) se refere ao fato de que o mês de agosto simboliza, em termos de óbitos, o pico do primeiro surto, o qual foi seguido por quedas importantes nos três meses seguintes. No entanto, a partir de dezembro de 2020 teve início um novo processo de expansão dos óbitos no estado, porém de forma bem mais aguda comparativamente ao surto anterior. Em função disso, todos os três meses de 2021 estão sendo considerados nessa análise.

Do ponto de vista da participação percentual de cada faixa observa-se uma trajetória praticamente linear na maioria delas, chamando atenção para a existência de dois movimentos distintos nos meses recentes. Por um lado, as faixas de 30-39 anos e de 40-49 anos apresentaram uma ligeira tendência de aumento de suas participações, especialmente nos meses de fevereiro e março e, por outro, uma redução da participação das faixas de 80-89 anos e 90 ou mais, particularmente no mês de março quando houve uma grande expansão dos óbitos. É bastante provável que nestas duas últimas faixas essa redução possa estar relacionada à vacinação que já estava em curso desde meados de janeiro de 2021.

Tabela 4: Percentual de participação das faixa etária nos óbitos, segundo os meses selecionados

tabela 4 artigo 0104

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC.

A tabela 5 apresenta a evolução do crescimento percentual de cada faixa etária nos períodos considerados. Considerando-se apenas o período entre dezembro de 2020 e março de 2021, verifica-se que na comparação relativa entre os meses de janeiro e dezembro a faixa de 30-39 anos apresentou a maior taxa de crescimento, ainda que em termos absolutos as pessoas idosas acima de 60 anos sejam responsáveis pela grande maioria dos óbitos no referido mês. Já na comparação seguinte, ou seja, óbitos ocorridos em fevereiro/21 em comparação com aqueles registrados em janeiro/21 por cada faixa etária, verificou-se que o maior aumento percentual foi registrado na faixa etária de 20 a 29 anos, destacando-se que nesta comparação já foi registrada redução percentual para as faixas de 80-89 anos e mais de 90 anos de idade. É bastante provável que este comportamento dessas duas faixas de idosos já esteja refletindo os impactos positivos da vacinação desses grupos etários.

Tabela 5: Evolução das taxas de crescimento (%) de cada faixa etária no total em períodos selecionados

tabela 5 artigo 0104

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC.

Por fim, na comparação das ocorrências do mês de março em relação ao mês anterior, notou-se que os maiores aumentos ocorreram novamente nas faixas etárias entre 30-39 anos e 40-49 anos, ao mesmo tempo em que se verificaram novas quedas da participação percentual das duas últimas faixas etárias de idosos.

Em síntese, as análises das informações relativas aos óbitos ocorridos entre os meses de dezembro de 2020 a março de 2021 permitiram observar dois movimentos distintos. Por um lado, ocorreu de fato um deslocamento etário das mortes, sendo que as faixas etárias entre 30-39 anos e 40-49 anos apresentaram percentuais de crescimento em aceleração, especialmente nos três primeiros meses de 2021, movimento que foi observado também na faixa etária de 20-29 anos, porém em magnitude menor. Por outro, a partir do mês de fevereiro as taxas de crescimento de óbitos de idosos das faixas de 80-89 anos e 90 anos ou mais começaram a regredir, indicando claramente os efeitos da vacinação nessas faixas etárias iniciada ainda em meados de janeiro de 2021.

Caso esse último aspecto (efeito vacinação) venha a se confirmar mais robustamente nos próximos meses, coloca-se uma questão central neste momento trágico da vida dos brasileiros: muitas dessas vidas que ainda continuam sendo perdidas diariamente poderiam ter sido salvas, caso tivéssemos no Brasil uma política nacional efetiva de prevenção à doença casada com um programa de vacinação em massa da população como está acontecendo em diversos países.


[1] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br

[2] É importante recordar que naquele momento ocorria em Santa Catarina uma discussão sobre as medidas necessárias para conter a pandemia, a qual acabou sendo judicializada e resultando em um jogo de gato e rato entre os poderes Executivo e Judiciário, processo que teve apenas um vencedor: o vírus, que continuou circulando mais fortemente em todo o estado a partir de então.