Comércio varejista catarinense teve expansão em 2022, apesar de quedas setoriais localizadas

11/04/2023 14:46

Guilherme Ronchi Razzini*

Matheus Souza da Rosa**

A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC-IBGE), divulgada no último mês de fevereiro e com dados referentes a dezembro de 2022 que marcam o fechamento do ano, apresentou expansão de 0,4% no volume de vendas nacional em relação ao mês imediatamente anterior. Na mesma base de comparação houve registro de expansão de 0,7% para as vendas em Santa Catarina. Da perspectiva do acumulado no ano, contudo, houve queda de -0,6% no cenário nacional e expansão de 2% no cenário estadual. Por fim, na comparação com o cenário pré-pandemia, ou seja, no comparativo entre fevereiro de 2020 e dezembro de 2022, houve retração no cenário nacional de -1,4% no período, enquanto estadualmente a expansão foi de 10,3%.

Em relação aos resultados regionais, foram registradas expansões em 19 Unidades da Federação (UFs) pesquisadas no acumulado anual, com destaque para Paraíba (8,4%), Roraima (6,8%) e Mato Grosso (6,1%), o que demonstra que a maior parte das UFs apresentou melhoras significativas em relação a 2021. Em contraste, houve retração em oito UFs, com maior intensidade em Pernambuco (-10,1%), Bahia (-6,7%) e Rio de Janeiro (-4,2%).

Deste modo, o presente artigo analisa o desempenho do comércio varejista ampliado no Brasil e em Santa Catarina, apresentando os resultados do setor para o ano encerrado por meio dos dados disponibilizados pela PMC-IBGE, no contexto do atual estágio da pandemia e da conjuntura macroeconômica.

Atividade comercial no Brasil em dezembro de 2022

A Figura 1 apresenta o desempenho do comércio varejista ampliado no Brasil desde janeiro de 2014. É possível perceber que entre janeiro de 2014 e meados de 2016 houve vigência de uma tendência de retração consolidada, reflexo principalmente do cenário macroeconômico nacional, caracterizado pelo desemprego crescente e pela deterioração do poder de compra da população. No momento seguinte, entre meados de 2016 até o ano anterior ao início da pandemia aumentou o ritmo de expansão ao longo destes anos, porém ainda abaixo do volume alcançado até 2014.

Com o início das medidas tomadas para frear o avanço da pandemia e o cenário macroeconômico de incertezas, houve uma queda expressiva nos meses após fevereiro de 2020, entretanto o volume de vendas se recuperou rapidamente e logo atingiu patamar superior ao período anterior ao início da pandemia. Nos anos de 2021 e 2022, houve grande volatilidade no desempenho do varejo nacional, resultado do descontrole pandêmico no país e do cenário econômico vacilante.

Figura 1: Variação do volume de vendas no comércio varejista ampliado no Brasil entre janeiro de 2014 e dezembro de 2022 (2014 = 100).

Fonte: PMC-IBGE (2023). Elaboração NECAT-UFSC.

A Tabela 1 apresenta as quatro séries da PMC-IBGE ao longo dos últimos doze meses. Na comparação com o mês imediatamente anterior, o que melhor caracteriza o ritmo da atividade no curto prazo, foi registrado expansão de 0,4% no volume de vendas, dando sequência aos últimos resultados que indicam certa estabilidade, sem grandes quedas ou expansões. No indicador que compara o resultado com o mesmo mês do ano anterior, houve retração de -0,6%, reforçando o resultado de novembro e consolidando a sétima retração do ano nessa série.

Tabela 1: Variação do volume de vendas do comércio varejista ampliado no Brasil (janeiro de 2022 a dezembro de 2022).

Fonte: PMC-IBGE (2023). Elaboração NECAT-UFSC.

Notas:

1 Base: mês imediatamente anterior — série com ajuste sazonal

2 Base: Igual mês do ano anterior

3 Base: Igual período do ano anterior

4 Base: Últimos 12 meses anteriores

Como resultado do último mês do ano, o indicador do acumulado (janeiro a dezembro de 2022 em comparação com o acumulado de janeiro a dezembro de 2021) registrou retração de -0,6%, indicando leve deterioração do cenário para o setor varejista na comparação entre o último ano e 2021. Com esse dado, foram registradas quedas na comparação anual acumulada em oito dos 12 meses, indicando que esse descompasso negativo em relação a 2021 foi uma tônica importante ao longo de boa parte do ano.

Essa queda no setor varejista encontra eco no setor industrial, cuja retração anual foi de -0,7% em 2022. Ambos tiveram um ano de fraco desempenho, reflexo, sobretudo, das altas taxas de juros que restringem o acesso ao crédito, da queda da qualidade do emprego que marcou o pós-pandemia e da retração nos níveis de renda.

A Tabela 2 ilustra o resultado de cada segmento do varejo ampliado e sua contribuição para a composição da taxa absoluta global (p.p). Através desta tabela é possível identificar aqueles segmentos que tiveram maior impacto na composição da queda setorial na comparação com dezembro de 2021. Inicialmente, cabe destaque para os segmentos de outros artigos de uso pessoal e doméstico (-0,9 p.p) e tecidos, vestuário e calçados (-0,9 p.p). Tais segmentos apresentaram as maiores quedas na composição absoluta da taxa, ambos representam parcela considerável do volume de vendas e tiveram quedas expressivas no ano, reflexo da prioridade do dispêndio da população em segmentos mais essenciais ao dia a dia. As atividades de combustíveis e lubrificantes, por sua vez, fizeram parte da composição absoluta da taxa de variação em 1,2 p.p, indicando que, mesmo encerrando no negativo, parte do resultado agregado foi influenciada positivamente pela desoneração do preço dos combustíveis que vigorou desde o início do segundo semestre do ano passado. É de se esperar que, caso não houvesse esse estímulo extraordinário ao consumo, a retração acumulada para o setor poderia ter sido ainda maior.

Tabela 2: Desempenho do volume de vendas do setor varejista ampliado e seus respectivos segmentos na comparação com o mesmo mês do ano anterior.

Fonte: PMC-IBGE (2023). Elaboração NECAT-UFSC.

A Tabela 3 ajuda a compreender de forma mais detalhada os resultados das atividades do setor, a partir dos resultados na comparação com o mês imediatamente anterior. Foram registradas expansões em apenas três das 10 atividades do varejo ampliado, sendo veículos, motocicletas, partes e peças (2,4%); material de construção (1,3%) e livros, jornais, revistas e papelaria (0,1%). Por outro lado, houve maior retração das atividades de tecidos, vestuário e calçados (-6,1%), outros artigos de uso pessoal e doméstico (-2,9%) e combustíveis e lubrificantes (-1,6%).

Ao analisar os resultados setoriais, cabe salientar que no varejo restrito, ou seja, sem os segmentos de veículos, motocicletas, partes e peças e material de construção, houve expansão de 1% no volume de vendas no ano de 2022. Tal resultado ilustra como os setores de bens duráveis registraram fortes retrações, justamente os segmentos que exigem algum tipo de financiamento e cuja demanda pode ser adiada em períodos de redução do poder de compra.

Tabela 3: Variação mês a mês com ajuste sazonal do volume de vendas no comércio varejista ampliado e suas subdivisões no Brasil (janeiro de 2022 a dezembro de 2022).

Fonte: PMC-IBGE (2023). Elaboração NECAT-UFSC.

A Figura 2 ilustra o acumulado no ano (janeiro a dezembro/22) por segmento do setor varejista ampliado em 2022. Neste caso, é possível analisar os resultados por segmento durante todo o ano, destacando-se inicialmente que dentre os dez segmentos do varejo ampliado, 5 deles registraram expansão no ano, enquanto os demais apresentaram queda no volume de vendas. O segmento que apresentou melhor desempenho foi o de combustíveis e lubrificantes, impulsionado principalmente pelos resultados do segundo semestre em decorrência da desoneração dos tributos federais que reduziram o preço final do produto ao consumidor, registrando expansão de 16,6% no volume de vendas. Além disso, o segmento de livros, jornais, revistas e papelaria também apresentou bom resultado na comparação com o volume de vendas do ano anterior, com expansão de 14,8%, em decorrência das voltas integrais as aulas no ano, além das baixas bases de comparação em relação ao ano de 2021.

Figura 2: Acumulado no ano por segmento do setor varejista ampliado em 2022 no Brasil

Fonte: PMC-IBGE (2023). Elaboração NECAT-UFSC.

Por outro lado, houve queda expressiva no volume de vendas dos segmentos de material de construção (-8,7%), outros artigos de uso pessoal e doméstico (-8,4%) e móveis e eletrodomésticos (-6,7%). As quedas nestes segmentos podem ser explicadas por dois fatores principais: a alta da taxa de juros que dificultou o acesso ao crédito prejudicando atividades com maior valor agregado como as supracitadas; e a alta base de comparação no ano de 2021, quando ainda permaneciam medidas restritivas que levaram ao alto consumo de bens domésticos e a realização de reformas domiciliares. 

A Figura 3, por fim, apresenta os resultados dos acumulados no ano para o setor varejista ampliado nas UFs. Nota-se que dentre as 27 UFs pesquisadas, oito delas apresentaram retração no volume de vendas no período, sendo em maior intensidade nos estados de Pernambuco (-10,1%), Bahia (-6,7%) e Rio de Janeiro (-4,2%). Em contraste, houve expansão em 19 UFs, com destaque para Paraíba (8,4%), Roraima (6,8%) e Mato Grosso (6,1%).

Figura 3: Acumulado no ano por Unidade da Federação no setor varejista ampliado em 2022.

Fonte: PMC-IBGE (2023). Elaboração NECAT-UFSC.

Atividade comercial em Santa Catarina em dezembro de 2022

A Figura 4 mostra o desempenho do comércio varejista ampliado desde 2014. Em contraste com o cenário nacional, o varejo catarinense registrou expansão contínua no período pós-crise de 2015/2016, tendo interrupções significativas apenas nas ocasiões da greve dos caminhoneiros (maio de 2018); na deflagração da pandemia (março e abril de 2020) e na interrupção dos programas de auxílio emergencial implementados em resposta à pandemia (último trimestre de 2020 e janeiro de 2021). Na comparação com o período imediatamente anterior à deflagração da pandemia, o setor apresenta expansão, divergindo do cenário nacional que registra retração consolidada nesse mesmo período.

Figura 4: Variação do volume de vendas no comércio varejista ampliado em Santa Catarina entre janeiro de 2014 e dezembro de 2022 (2014 = 100).

Fonte: PMC-IBGE (2023). Elaboração NECAT-UFSC.

Os resultados da PMC para o estado catarinense estão ilustrados na Tabela 4, que apresenta as quatro principais séries temporais da pesquisa, onde estão presentes os dados na comparação com o mês imediatamente anterior, com o mesmo mês do ano anterior, no acumulado do ano (janeiro a dezembro/22) e no acumulado de doze meses (janeiro a dezembro/22). No último mês do ano, o varejo catarinense registrou expansão de 0,7% no volume de vendas na comparação com o mês imediatamente anterior, registrando a sétima variação positiva no ano e a terceira consecutiva, indicando certa estabilidade no ritmo do volume de vendas no último trimestre.

Na comparação com dezembro de 2021 foi registrada expansão de 2%, a décima do ano, indicando que, em termos de ritmo mensal, 2022 foi mais positivo do que em 2021. O acumulado anual, por fim, registrou expansão de 2,5%, encerrando o ano mantendo a expansão acumulada que se apresentou em todos os meses, ainda que com magnitude sucessivamente menor desde agosto.

Tabela 4: Variação do volume de vendas do comércio varejista ampliado em Santa Catarina (janeiro de 2022 a dezembro de 2022).

Fonte: PMC-IBGE (2023); Elaboração NECAT-UFSC.

Notas:

1 Base: mês imediatamente anterior — série com ajuste sazonal

2 Base: Igual mês do ano anterior

3 Base: Igual período do ano anterior

4 Base: Últimos 12 meses anteriores

Mesmo com o resultado positivo, é digno de nota que essa é a menor variação acumulada desde 2016, ano no qual o varejo catarinense registrou queda de -7,9%. Pode-se dizer que essa desaceleração reflete a perda de protagonismo do setor na economia catarinense em relação ao setor de serviços, emulando uma tendência que há quase duas décadas se apresenta para o setor industrial. Além disso, é de esperar que a manutenção das taxas de juros nos patamares elevados atuais tenha contribuído para essa desaceleração, especialmente afetando os setores mais sensíveis ao crédito, no mesmo sentido do que ocorreu nacionalmente.

A Tabela 5, finalmente, apresenta os saldos acumulados no ano (janeiro de 2022 a dezembro de 2022) em Santa Catarina para os dez grupos de atividade que compõem o comércio varejista ampliado. Entre as 10 atividades pesquisadas, seis delas fecharam o ano com variação positiva no saldo do indicador, com destaque para os saldos acumulados nos setores de livros, jornais, revistas e papelaria1 (20%), equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (17,4%), e combustíveis e lubrificantes (14,7%). Por outro lado, houve queda expressiva durante o ano nos setores de outros artigos de uso pessoal e doméstico (-11,7%), tecidos, vestuário e calçados (-9,6%) e material de construção (-9%).

Tabela 5: Variação do volume de vendas por grupo de atividades do comércio varejista ampliado em Santa Catarina, acumulado no ano de 2022 (em %).

Fonte: PMC-IBGE (2023). Elaboração NECAT-UFSC.

Considerações finais 

O encerramento do ano de 2022 continha a expectativa de que durante esse período haveria expansão intensa no setor, com a desaceleração da inflação (o IPCA acumulado em 12 meses recuou de 10,1% para 5,8% entre dezembro/21 e dezembro/22) e o nível de desemprego  recuou de 13,5% para 9,5% no mesmo período. Contudo, tais dados positivos foram neutralizados pelo avanço das taxas de juros e pela fraca expansão dos níveis de renda decorrente da retomada de baixa qualidade no mercado de trabalho. 

As taxas médias de juros praticadas nas diversas modalidades livremente pactuadas entre pessoas físicas e instituições financeiras avançaram de 45% para 55,8% ao ano. Além disso, ainda houve aumento considerável no comprometimento médio da renda com dívidas, alcançando cerca de 31,45% da população (BACEN, 2023).

Tais fatores impactam significativamente a formação de poupança e consumo da população de tal forma que modo essa tende a priorizar o consumo de bens necessários para a subsistência e que não necessitam de acesso ao crédito. Em grande medida, esse comportamento atinge negativamente os segmentos de material de construção, veículos, vestuário, móveis e eletrodomésticos.

Com isso, mesmo que metade dos segmentos do varejo ampliado tenha registrado expansão das vendas em 2022, poucos subsetores do comércio tiveram contribuição positiva relevante, destacando-se apenas o segmento de combustíveis e lubrificantes, cuja expansão de 16,6% contribuiu com +1 ponto percentual, fato que ajudou a amortecer a queda de -0,6% do varejo ampliado. Cabe ressaltar que tal segmento teve somente resultados positivos a partir do segundo semestre de 2022 com a redução dos tributos federais.

Referências

IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Mensal do Comércio. (PMC). Rio de Janeiro (RJ): IBGE, dezembro de 2022.

BACEN — BANCO CENTRAL — Endividamento das famílias com o Sistema Financeiro Nacional exceto crédito habitacional em relação à renda acumulada dos últimos 12 meses (RNDBF) — 14 mar. 2023. Disponível em: https://dadosabertos.bcb.gov.br/dataset/29038-endividamento-das-familias-com-o-sistema-financeiro-nacional-exceto-credito-habitacional-em-r/resource/de2a0b7c-d8ca-446a-995c-abcbf05c9a45 Acesso em: 14 mar. 2023.
CNC — CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO. VAREJO REGISTRA MENOR AVANÇO EM SEIS ANOS [S. l.], 14 mar. 2023. Disponível em: https://www.portaldocomercio.org.br/publicacoes/analise-cnc-da-black-friday-e-da-pesquisa-mensal-do-comercio_setembro-2022/450246 Acesso em: 14 mar. 2023.