Covid-19 e os preços dos alimentos em Santa Catarina

16/12/2020 15:20

Por: Lilian de Pellegrini Elias[1]

O aumento do preço dos alimentos em Santa Catarina ganhou os noticiários nos últimos meses em função de alguns dos itens mais consumidos pela população terem atingido altas históricas de preço. Este é o caso do arroz, um dos itens mais consumidos no domicílio, que se destacou ao apresentar aumento de 84% no preço nominal no atacado entre fevereiro e novembro de 2020 como pode ser visto no Gráfico 1. A variação de fevereiro a novembro havia atingido 88%. Os preços no atacado são considerados aqui um bom sinalizador para o que ocorre nas gôndolas do supermercado, visto que variações de preços são usualmente repassadas ao consumidor.

Gráfico 1: Preços* Médios do Arroz beneficiado tipo 1 – parbolizado – 30 kg no atacado de Santa Catarina de janeiro de 2014 a novembro de 2020

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Fonte: Cepa/Epagri (2020); *Preços nominais.

No entanto, o aumento brusco dos preços não se resume ao arroz. O feijão preto teve aumento de 82% de preço no mesmo período (fevereiro a novembro de 2020). A soja, produto necessário para a alimentação animal e para a agroindústria na produção de óleo de soja e outros derivados do grão, teve um aumento de preços de 96% entre fevereiro e novembro de 2020 (Gráfico 2). A título de comparação as variações de preço do arroz, do feijão preto e da soja entre fevereiro e novembro de 2019 foram de 0,2%, -30,6% e 11,9%.

Gráfico 2: Preços* Médios do Feijão Preto 60 kg e Soja 60 kg no atacado de Santa Catarina de janeiro de 2014 a outubro de 2020

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Fonte: Cepa/Epagri (2020); *Preços nominais.

O que causa o aumento preço dos alimentos? As razões das mudanças nos preços dependem das características do produto. O preço pode ser influenciado pela quantidade produzida em uma safra, pela quantidade consumida ao longo do tempo e pelo custo de produção. Bem como, o preço pode ser formado por acordos preestabelecidos entre quem compra e quem produz (mais da metade da safra de 2020/2021 de soja e milho já foi comercializada antecipadamente), por associações de produtores ou de consumidores caso tenham capacidade de formação de preço e pelo estado. Políticas públicas de estoques de alimentos e de preço mínimo ou máximo podem alterar a variação e a trajetória dos preços. Produtos como o arroz e o feijão, que são produtos comercializados internacionalmente, tem seu preço influenciado também pelo mercado internacional.

No cenário atual podemos destacar dois fatores relacionados ao aumento no preço dos alimentos, especialmente aos alimentos comercializados internacionalmente (soja e milho com maior participação). O primeiro é a alta do dólar que torna o produto brasileiro mais atrativo ao mercado internacional. O segundo é a ausência de medidas de contenção da oscilação de preços no mercado interno.

Na primeira metade de dezembro de 2020 um dólar equivale a em torno de R$5,15, cerca de 50% a mais do que no mesmo período de 2016 (em torno de R$3,40) e cerca de 25% de a mais do que o mesmo período de 2019 (em torno de R$4,20). A alta do dólar ao longo dos últimos anos ampliou a oferta de produtos, notadamente commodities, brasileiros no mercado internacional. Se, na década de 2000 a média de exportação de arroz era de menos de 250 mil toneladas anuais, na década de 2010 atingiu a média de 1,050 milhões de toneladas anuais (MDIC, 2020). O ano de 2020 dá sinais de que fechará o ano em novo recorde de exportações, visto que em novembro já soma 1,4 milhões de toneladas exportadas (o recorde atual é de 1,46 milhões em 2018). A soja, também deve bater novo recorde de exportação em 2020. As exportações de 2020 somam 82,8 milhões de toneladas em novembro. O ano com recorde de exportação foi 2019 com 83,3 milhões de toneladas exportadas (MDIC, 2020).

A alta abrupta do preço o arroz e demais produtos no mercado interno sinaliza para a necessidade de medidas que impeçam a transmissão ao mercado interno da alta dos preços em reais do mercado internacional. Como exemplo de medidas de garantia da disponibilidade de alimentos para os brasileiros estão o estímulo contínuo da produção alimentar e a garantia de estoques no mercado interno.

No que se refere às medidas de estímulo à produção, alguns itens alimentares vêm deixando de ser produzidos no estado, como é o caso do feijão. A área plantada de feijão diminuiu 84% desde o final da década de 1980. O feijão passou a ser produzido no estado para a comercialização por produtores com mecanização e áreas maiores, os demais produtores seguiram produzindo apenas para subsistência. Os altos custos de produção, que inclui a intensidade de mão-de-obra, a sensibilidade da cultura a eventos climáticos, em especial estiagem, junto à oscilação de preço fazem do feijão um mal negócio para o pequeno produtor. Já a soja, teve um aumento de 60% da área plantada, sendo como principal destino a exportação – da exportação catarinense 84% vai para a China (MDIC, 2020). O arroz segue sendo uma produção importante, mas, como visto neste ano: à medida que o preço sobe, o produto é direcionado para a exportação, causando escassez no mercado interno.

No que se refere aos estoques, os estoques públicos de arroz se mantiveram em 21 mil toneladas ao longo de 2020, muito abaixo das 5,3 milhões de toneladas do final da década de 1980 (SANTOS JÚNIOR, 2020). As 21 mil toneladas de estoque não são suficientes para abastecer nem um dia do consumo brasileiro do produto, sendo, portanto, incapaz de atuar de forma a evitar oscilações de preço[2]. Os estoques privados de arroz, por sua vez, foram utilizados para a exportação do produto, o que agravou a escassez no mercado interno. Os produtores, no entanto, não necessariamente são beneficiados pelos preços mais altos, isto, pois, dificilmente possuem capacidade de armazenamento ou capital necessário para “transportar” a produção da safra até a entressafra. O “preço alto” não chega tão “alto” ao produtor, os produtores reagem às oscilações frequentes de preços buscando alternativas de maior rendimento.

Conclusões

As mudanças estruturais na produção agrícola e nos hábitos alimentares devem ser vistas com cuidado em função de seu impacto na soberania e na segurança alimentar. A produção agrícola vem se tornando cada vez mais voltada ao mercado externo, o que não vem se refletindo em maior rendimento e estabilidade aos produtores. O consumidor tem visto seu poder de compra em termos de alimentos diminuir, movimento intensificado nestes meses de pandemia.

Referências

EPAGRI/CEPA. Mercado agrícola . Florianópolis, SC: Epagri. 2020.

MDIC. Comex Stat. 2020.

SANTOS JÚNIOR. Sérgio Roberto Gomes Dos. Análise Mensal – Arroz – Maio/Junho de 2020. Brasília/DF: [s.n.], 2020.


[1] Economista com doutorado em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp. Pesquisadora do NECAT-UFSC. E-mail: lilianpellegrini@gmail.com.

[2] Segundo a Conab o consumo brasileiro de arroz em 2019/20 foi de 11.955,9 mil toneladas, a produção brasileira foi de 10,6 milhões de toneladas, a importação de 808,8 mil toneladas acumulando um estoque da 541,2. 21 mil tonadas é o consumo de 64,1% de um dia, considerando um ano de 365 dias.