A queda na arrecadação do ICMS já está refletindo os impactos da crise da Covid-19 em Santa Catarina

28/05/2020 11:53

Por: Vicente Loeblein Heinen [1] e Lauro Mattei [2]

O tema do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) está na agenda do novo governo do estado desde o início de seu mandato, em janeiro de 2019. Ainda naquele mês ocorreram fortes discussões diante da repercussão negativa de decretos assinados ao final da gestão do governador Pinho Moreira (MDB), em dezembro de 2018. Tais decretos, além de cancelar incentivos fiscais, elevaram alíquotas do ICMS para cerca de 80 produtos.

Em fevereiro de 2019 ocorreu uma sessão pública na Assembleia Legislativa (AL) com a presença do secretário estadual da fazenda. Naquela oportunidade, Paulo Eli assim se manifestou: “a situação financeira de Santa Catarina está beirando o precipício”; “os cortes em incentivos são necessários porque há privilégios e desigualdades em vários setores”; “o déficit mensal do governo está em R$ 210 milhões”; “a dívida pública de Santa Catarina é impagável”; “a carga tributária é elevada e mal distribuída”; “a Secretaria da Fazenda não é contra incentivos fiscais, mas a favor da isonomia e contra a desigualdade”.

Durante a atividade houve uma forte reação de diversos deputados de distintos partidos políticos, que se manifestaram contrários aos encaminhamentos do Executivo Estadual, até mesmo porque os incentivos fiscais precisavam ser rediscutidos pela AL até o final de julho de 2019. Em função disso, em março de 2019 chegou a ser protocolado um pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o qual não prosperou até hoje. Em grande medida, isso se deve ao recuo do governo estadual diante de poderosos lobbies de diversos setores empresariais.

Vale ressaltar que as medidas anunciadas em 2018 estabeleciam uma redução gradual das renúncias fiscais entre 2019 e 2022, sendo que neste último ano o percentual deveria ser de 16% da arrecadação. Entretanto, em abril de 2019 foi aprovado o projeto nº 249/2019 que suspendeu os referidos decretos governamentais de 2018. Posteriormente, esse projeto se transformou na Lei nº 17.720/2019, a qual revogou em definitivo os dispositivos que estabeleciam o percentual de 16% para 2022.

Com isso, prevaleceram os interesses de alguns setores empresariais, e o estado – que segundo declaração do secretário da fazenda já se encontrava em situação falimentar no início de 2019 – deverá ter sua arrecadação cada vez mais debilitada, sobretudo diante da grave recessão econômica que se avizinha em função da pandemia provocada pelo novo coronavírus.

A arrecadação de ICMS e a pandemia em Santa Catarina

A Secretaria de Estado da Fazenda (SEF) de Santa Catarina divulgou recentemente os dados da arrecadação do ICMS estadual para abril de 2020. Mesmo que de forma indireta, essas informações podem dar indicativos importantes  dos impactos da pandemia provocada da Covid-19 sobre a dinâmica econômica estadual.

O ICMS é o principal imposto na estrutura de receitas das unidades federativas do país. Para se ter uma noção de sua importância para o estado de Santa Catarina, basta registrar que em 2016 o ICMS representou 43,1% de todas as receitas líquidas do estado e cerca de 4% de seu PIB.

Além do efeito direto sobre o PIB, o ICMS indica, de forma indireta, a dinâmica da própria economia estadual, uma vez que se trata de um imposto sobre consumo. Nesse sentido, os dados recentemente divulgados pela SEF revelam algumas informações bastante relevantes que estão sintetizadas na tabela abaixo:

Tabela 1 – Arrecadação de ICMS em Santa Catarina entre fevereiro e abril de 2020

Fonte: SEF/SC [3]

Inicialmente é importante registrar que, na série dessazonalizada, o volume arrecadado permaneceu estável no mês de março em relação ao mês de fevereiro do mesmo ano. Já no mês seguinte houve uma fortíssima retração, atingindo o patamar de 24,1%, indicando que a queda no consumo foi muito mais acentuada em abril do que no mês anterior. Nos aspectos relacionados à pandemia, vale notar que os resultados de março estiveram muito menos condicionados às medidas de distanciamento social, que foram adotadas pelo governo estadual a partir de 17/03. Portanto, é provável que em março os impactos da Covid-19 estavam mais restritos a influências externas, as quais já tinham sido observadas também em fevereiro. Já em abril o consumo foi amplamente afetado, seja pelo fechamento de estabelecimentos de comércio e serviços, seja pelas restrições logísticas ou pela queda generalizada na demanda, tanto interna quanto externa. Tudo isso causou impactos negativos de forma intensa ao longo de todo o mês.

Mesmo que a arrecadação de ICMS não possa dar a dimensão correta do que ocorre na economia informal, sua dinâmica pode dar alguns indicativos importantes sobre o desempenho de cada setor de atividade econômica. Nesse sentido, observamos que no mês de março as quedas foram mais restritas, afetando principalmente aqueles segmentos que tiveram suas atividades paralisadas já na primeira metade do mês, como são os casos da cultura, esporte e recreação (-50,5%); de alojamento e alimentação (-21,9%); e da educação (-20,8%). Em termos relativos, porém, praticamente toda a queda esteve concentrada no comércio (-5,4%), que representa cerca de 40% de toda a arrecadação de ICMS do estado. Por outro lado, naquele mês alguns setores ainda apresentavam resultados positivos, como são os casos dos serviços pessoais (7,1%); eletricidade e gás (14,8%); e principalmente saúde e assistência social (34,9%).

Esse cenário se alterou drasticamente no mês de abril, uma vez que a arrecadação caiu aceleradamente em praticamente todos os setores. Em termos absolutos, a redução chegou a 92,7% nas atividades imobiliárias; 73,4% em artes, cultura, esporte e recreação; 65% em alojamento e alimentação; e 58,2% em água e gestão de esgoto e resíduos. Já a maior contribuição foi da indústria de transformação, cuja arrecadação de ICMS representa cerca de 35% do total de Santa Catarina e que registrou retração da ordem de 31,3% em abril. Os segmentos industriais que mais contribuíram para essa queda foram os de alimentos e bebidas; têxtil-vestuário; eletro-metal-mecânico; combustíveis e matérias plásticas.  Além disso, também houve uma aceleração da queda arrecadação no comércio, que chegou a 27,9% em abril. Esse desempenho indica sérios problemas nas contas públicas estaduais que deverão ser enfrentados na sequência.

De uma maneira geral, as informações anteriores permitem afirmar que os impactos mais severos da nova crise econômica enfrentada pelo país se manifestaram mais claramente em Santa Catarina somente no mês de abril,  quando foram atingindo com força os setores econômicos mais relevantes e que mais empregam trabalhadores no estado. A propósito, isso ajuda a explicar porque os dados da PNAD Contínua do primeiro trimestre de 2019 ainda não revelaram um crescimento explosivo da taxa de desemprego em âmbito estadual, o que certamente será visto nas próximas divulgações da pesquisa pelo IBGE.

Por fim, devemos ter claro que esse desempenho da arrecadação da economia catarinense não se deve apenas à paralisação interna de determinados setores de atividade econômica. Ao contrário, ele demonstra a inserção de Santa Catarina em uma crise que atinge, ao mesmo tempo, uma ampla gama de cadeias produtivas, tanto na esfera nacional como mundial.


[1] Vicente Loeblein Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[3] Lauro Mattei é professor titular do Departamento CNM/UFSC, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSC, coordenador geral do Necat e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: l.mattei@ufsc.br.

[3] SEF/SC. Arrecadação ICMS por setor econômico. 2020.