Imunização completa de idosos entre 80 e 89 anos em Santa Catarina não passou de 52%

13/05/2021 10:53

Por: Lauro Mattei[1]

O Plano Nacional de Imunização (PNI) contra a Covid-19, que teve início em todo o país no dia 18.01.2021, vem enfrentando problemas desde sua concepção original, especialmente em função da falta sequencial do elemento essencial: a vacina. Mesmo assim, o sistema público de saúde (SUS) dos municípios e das unidades federativas está operacionalizando a campanha de vacinação da população catarinense nos marcos do limite acima exposto.

Após 118 dias do início da vacina[2] é importante fazer uma breve análise do andamento do processo de vacinação no estado. Para tanto, as atenções desse artigo recaem sobre as faixas etárias de 70 anos ou mais de idade, considerando-se que as mesmas já deveriam ter a imunização completa no momento, ou seja, todas as pessoas que fazem parte dessas faixas etárias já deveriam ter recebido as duas doses da vacina, independentemente do seu fornecedor.

Para tanto, inicialmente discutiremos a quantificação do público alvo de cada faixa etária, considerando-se que as projeções populacionais do IBGE não necessariamente correspondem aos dados utilizados pelo governo de SC. Posteriormente, será feito uma análise comparativa da aplicação de cada dose por faixa etária visando quantificar o déficit de imunização completa em cada uma dessas faixas de idade.

A PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO CATARINENSE POR FAIXAS ETÁRIAS

Como o último Censo Demográfico (CD) foi realizado em 2010 e o CD de 2020 não foi realizado da forma como sempre era feito, o IBGE apresenta para cada município de cada unidade da federação uma projeção da população até 2060 com base nas informações efetivas do CD de 2010. Tais projeções, que sofreram uma última atualização no ano de 2018, compreendem dados relativos ao sexo da população, à idade simples e aos distintos grupos etários populacionais de cada municipalidade e estado do país. Nessas projeções apenas a situação domiciliar não foi contemplada[3].

O Quadro 1 apresenta as projeções para cada uma das faixas etárias consideradas no ano de 2021. Todavia, em função do grande número de óbitos decorrentes da Covid19 desde março de 2020 em algumas delas, optamos por descontar dessas projeções tais ocorrências. Com isso, se espera ter um contingente populacional mais próximo da realidade. Além disso, essas projeções serão utilizadas para se fazer análises entre as informações utilizadas pelo governo de SC, comparativamente às informações oficiais do IBGE.

Quadro 1: Projeções do contingente populacional em Santa Catarina no ano de 2021, segundo as faixas etárias consideradas

Q1V

Fonte: IBGE (projeções populacionais em 2021) e SES-SC (óbitos pela Covid-19)

VACINAÇÃO EM SANTA CATARINA: UMA BREVE SÍNTESE

Com base no último Boletim Parcial de Vacinação em Santa Catarina, elaborado pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica (DIVE) da Secretaria Estadual de Saúde (SES) e divulgado em 10.05.2021, apresentamos um breve resumo das principais informações relativas ao PNI no estado catarinense.

Em termos das doses recebidas, após a última remessa por parte do Ministério da Saúde, já foram destinadas à SC 2.564.570 doses, sendo 1.442.640 doses da Coronavac, 1.064.600 doses da Astrazeneca e 57.300 doses da Pfizer. Deste total, já foram aplicadas 1.892.236 doses, considerando-se a soma das duas dosagens.

Em termos de doses aplicadas aos grupos prioritários, considerando-se a aplicação das duas doses (D1 + D2), tem-se o seguinte cenário: profissionais de saúde (377.766 doses); pessoas com deficiências e idosos institucionalizados (15.753 doses); povos Indígenas (10.965 doses); povos Quilombolas (2.390 doses); forças de segurança (6.812 doses); idosos com mais de 90 anos (35.296 doses); idosos entre 80 e 89 anos (176.031 doses); idosos entre 70 e 79 anos (589.953 doses); idosos entre 60 e 69 anos (677.270).

Quando se separa a aplicação da D1 da D2, temos o seguinte cenário: 1.236.406 doses da D1 e 655.830 doses da D2. Isso significa que até o momento apenas as pessoas que receberam a D2 estão efetivamente imunizados. Com isso, chega-se a conclusão que até o momento apenas 9% da população catarinense está totalmente imunizada.

Deste total de pessoas efetivamente imunizadas (655.830), aproximadamente 360 mil são pessoas com 70 anos ou mais de idade, as quais representam cerca de 55% do total das pessoas efetivamente imunizadas.

A VACINAÇÃO DOS IDOSOS COM 70 ANOS OU MAIS DE IDADE

O quadro 2 apresenta a imunização parcial (D1) e completa (D2) da população catarinense com 70 anos ou mais de idade, tendo em vista que esses segmentos sociais, depois de mais de três meses de vacinação, já deveriam estar totalmente imunizados.

Em primeiro lugar, é importante registrar que o Boletim Parcial de Vacinação, quando menciona os grupos prioritários, sempre destaca a quantidade somada de pessoas vacinadas com as duas doses, fato que ajuda a encobrir o problema que é a falta de aplicação da segunda dose em diferentes segmentos sociais e faixas etárias. Tal situação só aparece mais explicitamente na página 33 do referido boletim.

Quanto às pessoas na faixa etária de 90 anos ou mais de idade, nota-se que os percentuais de imunização efetiva (aplicação das duas doses) variam de 60%, quando se considera a população dessa faixa pelas estatísticas do IBGE, a 70% quando se considera as estatísticas do governo estadual. De qualquer forma, um percentual de 30% das pessoas dessa faixa etária sem a segunda dose pode ser considerado extremamente alto, considerando-se que é um grupo altamente vulnerável à doença.

Do ponto de vista das pessoas que se encontram na faixa etária de 80 a 89 anos de idade, a situação é mais grave ainda, uma vez que a imunização completa com a segunda dose não ultrapassou a 52% do total, considerando-se a população projetada pelo IBGE. Isso significa que 48% das pessoas dessa faixa etária ainda não tomaram a segunda dose da vacina, fazendo com que as mesmas não tenham a imunização efetiva. Talvez essa informação ajude a explicar a existência de mais de 800 óbitos nesta faixa etária apenas nos meses de março e abril de 2021.

Quadro 2: Evolução da vacinação com as duas doses (D1 + D2), segundo as três faixas etárias consideradas

Q2V

Fonte: Boletim Parcial de Vacinação em SC de 10.05.2021. Elaboração: NECAT-UFSC

Já a faixa etária de 70 a 79 anos de idade apresenta uma situação mais confortável, uma vez que o percentual de pessoas efetivamente imunizadas (que receberam as duas doses) foi de 84% pelos dados populacionais do IBGE e de 88% de acordo com as informações populacionais do governo estadual. Mesmo assim, os déficits da segunda dose variam entre 12% a 16%, patamares que ainda necessitam de uma busca ativa para efetivamente garantir a imunização desse segmento populacional, que também tem apresentado uma taxa de mortalidade alta nos últimos meses.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações sobre a vacinação das três faixas etárias consideradas revelaram a existência de um percentual expressivo, sobretudo na faixa etária entre 80 a 89 anos de idade, de pessoas que não estão completamente imunizadas, uma vez que ainda não receberam a segunda dose da vacina. Além de avançar com a vacinação em outros segmentos sociais e faixas etárias, é fundamental também que seja elevada a cobertura vacinal dessas faixas etárias consideradas, exatamente porque nelas se localiza parte importante das pessoas mais vulneráveis à doença.

Além disso, outros aspectos chamaram a atenção nessa análise preliminar do processo de vacinação em SC. Quanto aos indígenas, de um público estimado pelo governo estadual de 6.753 pessoas, aproximadamente 76% delas tomaram a dosagem completa (D1 + D2). Isso significa que mais de 1.600 índios ainda precisam tomar a segunda dose para estarem efetivamente imunizados. Aqui também fica evidente o atraso no processo de imunização desse segmento social.

Quanto aos quilombolas a situação é ainda mais precária, uma vez que do total de pessoas estimadas pelo governo estadual (4.595), apenas 52% delas tomaram a primeira dose da vacina, enquanto não existe nenhum indicador percentual sobre a aplicação da segunda dose. Esse é mais um caso grave que precisa ser considerado pelas equipes que fazem a gestão da vacinação no estado.

Quanto às pessoas com deficiências e que se encontram em ILPI´s não se tem sequer o quantitativo estadual. Com isso, a única informação existente é que 665 pessoas nesta condição tomaram a segunda dose, o que significa 81% das pessoas que tomaram a primeira dose nesta mesma condição. Mais um segmento social cujas informações ainda são bastante precárias.

Do ponto de vista das pessoas idosas em ILPI´s também não se tem o quantitativo estadual utilizado pelo governo do estado. Com isso, sabe-se apenas que 7.452 pessoas tomaram a primeira dose e que 91% delas tomaram a segunda dose, percentual que a nosso ver deveria ser de 100% devido à condição de vulnerabilidade em que essas pessoas se encontram.

Finalmente, observa-se que em 118 dias de vacinação, apenas 9% da população catarinense está efetivamente imunizada. A continuar o ritmo atual de vacinação, serão necessários mais 1.311 dias, ou 43.7 meses, ou ainda 3.6 anos, para se imunizar 100% da população catarinense. Lamentavelmente esse poderá ser o tempo que ainda teremos que suportar antes que a pandemia esteja definitivamente controlada.


[1] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de PósGraduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br Artigo escrito em 12.05.2021.

[2] A data final de referência das informações para computação desse período é 10.05.2021.

[3] Para informações metodológicas sobre o tema, consultar a publicação: PROJEÇÕES da população: Brasil e Unidades da Federação: revisão 2018. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2018. 56 p. (Série relatórios metodológicos, v. 40). Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/bibliotecacatalogo?view=detalhes&id=2101597. Acessado em 12.05.2021.