Notas sobre a redução dos óbitos por Covid-19 de pessoas idosas em Santa Catarina após a imunização

09/07/2021 10:48

Por: Lauro Mattei[1]

Após cinco meses e meio do início do processo de imunização contra a COVID19, começaram a surgir os primeiros estudos sérios relativos aos impactos da vacinação sobre o número de óbitos, especialmente das pessoas das faixas etárias mais idosas, as quais foram consideradas prioritárias na campanha de imunização tendo em vista ser um dos grupos mais vulneráveis.

Estudo divulgado pelo portal UOL em 04.07.2021, tomando como referência as informações disponíveis até o final de junho de 2021, revelou a ocorrência de reduções bastante expressivas do número de óbitos nas faixas etárias acima de 70 anos de idade, fato que foi creditado aos efeitos positivos da imunização em curso. Além disso, verificou-se naquele momento que a faixa etária de idosos entre 60-69 anos ainda não tinha registrado possíveis efeitos desse processo, além da faixa de 50-59 anos continuar com números crescentes de óbitos[2].

Recentemente o governo de Santa Catarina divulgou uma informação oficial afirmando categoricamente que “com o avanço da vacinação em SC, os óbitos de idosos por Covid-19 têm redução de 75%” e que “nas demais faixas, que passaram a receber a primeira dose ao longo do mês passado, a redução no mesmo período foi de 26%”. Para os governador do estado, esses “dados provam a importância do esforço do governo em acelerar a imunização dos catarinenses”[3].

Na verdade, essa notícia contém diversas inconsistências, destacando-se: a)que o período escolhido para analisar os impactos da vacinação sobre os óbitos de idosos foi março de 2021, mês que, como todos sabem, foi muito atípico diante da grande explosão do número de óbitos; b) que no referido mês todas as faixas etárias, inclusive os idosos, tiveram um aumento explosivo do número de óbitos; c)que os dados utilizados para a elaboração do gráfico que apresenta o percentual divulgado oficialmente são totalmente distintos dos dados oficiais de óbitos que constam dos boletins epidemiológicos; d)que o calendário diferenciado de vacinação entre as diversas faixas etárias que fazem parte do “grupo de idosos” provoca efeitos distintos sobre os percentuais de redução de óbitos em cada faixa específica dos idosos.

Diante da divulgação e da repercussão de uma noticia oficial sem muito respaldo empírico, apresenta-se na sequência um conjunto de informações e análises que procuram mostrar estatisticamente os verdadeiros impactos do processo de imunização contra a Covid-19 sobre o número de óbitos da população idosa catarinense.

A evolução mensal e agregada do número de óbitos em SC

A Tabela 1 apresenta a evolução agregada a cada mês dos óbitos que ocorreram em Santa Catarina desde o início da pandemia. Inicialmente é importante registrar que durante o primeiro surto expressivo da doença, meses de julho e agosto de 2020, ocorreu  um aumento expressivo do número de óbitos. Em termos percentuais, as ocorrências nesses dois meses representam 11% de todos os óbitos que ocorreram no estado até o momento.

Outro aspecto importante a ser mencionado é que nos oito primeiros meses (março a outubro de 2020) os óbitos registrados representam apenas 18% do total de mortes que ocorreram durante toda a pandemia. Se a esse percentual for somada a participação dos óbitos ocorridos no mês de novembro, chega-se ao patamar de 22%, ou seja, em nove meses de pandemia (de março a novembro de 2020) ocorreram apenas 22% do total de mortes registradas no estado.

Além disso, observa-se que no mês de dezembro de 2020 houve um aumento de 40% do número de óbitos em relação ao mês anterior. Com isso, somente o mês de dezembro responde por 9% do total dos óbitos ocorridos até 30.06.2021. Isso significa que nos 10 primeiros meses de pandemia (março a dezembro de 2020) ocorrem 31% do total de mortes registradas até o momento.

A partir da virada do ano observou-se um aumento expressivo dessas ocorrências em relação ao total registrado nos meses anteriores. Nos dois meses iniciais de 2021 (janeiro e fevereiro) os óbitos registrados passaram a responder por aproximadamente 12% do total de mortes ocorridas no estado. Já no mês de março de 2021 foi registrada uma grande explosão do número de óbitos, tendo sido registrado nesse mês 21% do total de mortes que ocorreram no estado em 16 meses de pandemia. Isso significou um crescimento de 48% em relação ao total existente até o mês anterior. Essa escalada de óbitos continuou nos três meses seguintes (abril a junho), quando foram registradas mais 5.976 mortes, o que corresponde a 35% do total. Com isso, nota-se que somente em quatro meses de 2021 (março a junho) ocorreram 56% do total de óbitos registrados no estado. Se a este percentual for somado os percentuais dos meses de janeiro e fevereiro, verifica-se que 68% de todos os óbitos registrados no estado ocorreram nos seis primeiros meses de 2021.

Tabela 1: Evolução mês a mês dos óbitos por Covid-19 em SC

T1

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC

A evolução mensal dessas mesmas informações é mostrada por meio do gráfico 1. Do ponto de vista dos óbitos agregados no estado até o final de junho de 2021, nota-se uma expansão relativamente branda até o mês de dezembro de 2020 para, no início do ano começar um processo mais agressivo de perdas de vida para a Covid-19. Tal movimento sofreu uma verdadeira explosão no mês de março, com continuidade nos meses seguintes.

Gráfico 1: Evolução agregada do número de óbitos em SC até Junho de 2021

G1

Fonte: Boletins Epidemiológicos – SES/SC. Elaboração: NECAT-UFSC

O gráfico 2  mostra a evolução mensal dos óbitos decorrentes da Covid-19 destacando, primeiramente, os dois picos de óbitos que ocorreram no ano de 2020 (julho-agosto e dezembro) para, posteriormente, revelar a pequena redução registrada nos meses de janeiro e fevereiro de 2021 e a grande explosão de óbitos ocorrida em março de 2021.

Gráfico 2: Evolução mensal do número de óbitos em SC até Junho de 2021

 G2

Fonte: Boletins Epidemiológicos – SES/SC. Elaboração: NECAT-UFSC

Por esses gráficos é possível verificar alguns equívocos de conteúdo da notícia divulgada pelo governo estadual, uma vez que o mês de março de 2021, que sozinho responde por mais de 20% de todos os óbitos registrados até o momento, não pode ser tomado como ponto de referência para se analisar os impactos da vacinação sobre a redução dos óbitos, tendo em vista que, além do processo de imunização ter iniciado no mês de janeiro de 2021, a grande explosão de óbitos provoca um desvio estatístico ao se tomar esse mês como ponto de partida para qualquer cálculo percentual.

Mensurando os impactos da vacinação sobre a redução dos óbitos em pessoas idosas do estado de Santa Catarina

O Gráfico 3 apresenta a participação percentual dos óbitos por cada faixa etária agrupada no total estadual a partir do mês de agosto de 2020, com destaque para o período inicial de imunização da população catarinense. Inicialmente, registra-se que a participação percentual da faixa etária entre 0-19 anos de idade, que é bastante incipiente no total (0,5%), praticamente se manteve inalterada ao longo de todo o período considerado.

Gráfico 3: Evolução do percentual de óbitos por Covid-19 por faixas etárias agrupadas no total estadual, segundo períodos selecionados

G3

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC

Já duas faixas intermediárias (20-39 e 40-59 anos de idade) apresentaram tendência de aumento de suas participações no agregado estadual de óbitos, especialmente a segunda faixa, que atingiu o patamar de 25% no mês de junho de 2021.

Em sentido oposto, nota-se que a faixa de 60 a 79 anos de idade iniciou um processo de redução de seu percentual de participação a partir do mês de maio, situando-se em 50% no último mês considerado. Finalmente, destaca-se a queda do percentual de participação da faixa de 80 anos ou mais no agregado estadual de óbitos a partir do mês de março, movimento que ficou estabilizado no patamar de 20% na última data considerada. Tal tendência claramente pode ser identificada como reflexo do processo de vacinação.

O gráfico 4[4] apresenta a evolução do percentual de participação de cada faixa etária nos óbitos acumulados ocorridos no estado a partir do início do processo de imunização. Mais uma vez chama atenção o efeito decorrente da explosão dos óbitos no mês de março em função da expansão de novos casos provocada pela variante P1 ainda no mês de fevereiro de 2021, quando a média semanal móvel atingiu aproximadamente 5.000 casos diários ao final do referido mês.

Gráfico 4: Evolução percentual dos óbitos acumulados por faixas etárias em SC, segundo meses selecionados

G4

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC

Quanto ao percentual de participação da faixa etária de até 59 anos de idade no acumulado estadual, nota-se que essa participação teve uma elevação relativamente baixa entre os meses de janeiro e fevereiro e um grande aumento (288%) no mês de março, muito embora o crescimento dos números absolutos tenha sido inferior ao crescimento numérico dos óbitos da faixa de pessoas idosas. Após a explosão de março, nota-se um crescimento moderado nos meses seguintes, comparativamente ao mês de fevereiro de 2021.

Já o percentual de óbitos dos idosos, que vinha dando sinais de queda entre os meses de janeiro e fevereiro, também foi impactado pelo grande número de óbitos ocorridos no mês de março de 2021. Com isso, das 3.507 mortes registradas no estado no referido mês, 71% delas ocorreram na faixa etária de pessoas idosas. Todavia, a partir do mês de abril se configurou uma tendência bastante significativa de queda das mortes nessa faixa etária. Se desconsiderarmos os efeitos dos óbitos ocorridos durante o terceiro mês do ano, verifica-se uma queda entre 37% a 45% das mortes ao final do período considerado, fato que pode ser creditado aos efeitos positivos da vacinação.

O gráfico 5 apresenta a evolução percentual dos óbitos por mês e por faixas etárias em SC, segundo meses selecionados. Inicialmente observa-se que até o mês de março havia uma queda das mortes de idosos, enquanto a faixa etária até 59 anos de idade apresentava uma tendência de crescimento percentual mais expressiva, patamares esses que foram distorcidos pelo elevado crescimento de óbitos registrado no mês de março em ambos os casos. Ainda assim, nesse mês é possível se observar que a taxa de crescimento das mortes de pessoas até 59 anos foi muito maior, comparativamente à evolução percentual de óbitos de idosos.

Quando se consideram os meses seguintes (abril a junho), verifica-se que as reduções foram bem mais expressivas na faixa de pessoas idosas, especialmente nos meses de abril e maio, com continuidade em junho, porém em um patamar bem inferior comparativamente aos meses anteriores. Com isso, e excluindo-se as distorções das informações de março, é possível verificar que ocorreu uma redução de aproximadamente 50% dos óbitos de idosos nos últimos três meses. Esse percentual poderá ser creditado aos impactos positivos do plano de imunização dessa faixa etária.

Por fim, deve-se destacar que esse percentual de queda dos idosos acaba tendo uma contrapartida, a qual se revela no aumento de 14% dos óbitos registrados na faixa de até 59 anos. Em grande medida, esse fato ocorre porque a vacinação das pessoas nas faixas abaixo de 60 anos é bem recente e ainda não provocou nenhum efeito redutivo dos percentuais de óbitos dessas faixas etárias.

Gráfico 5: Evolução percentual dos óbitos por mês e por faixas etárias em SC, segundo meses selecionados

G5

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC

Diante do escalonamento temporal da vacinação, que teve início pelas maiores faixas etárias e com sequência nas faixas de idades inferiores, é importante observar o que ocorreu dentre algumas faixas etárias que compõem a categoria genérica de “pessoas idosas”. E isso está sendo mostrado pelo Gráfico 6, que apresenta a evolução percentual dos óbitos por mês, segundo as diversas faixas etárias dentre as pessoas idosas. Inicialmente nota-se que até o mês de março já havia uma queda maior das pessoas com idade acima de 80 anos. Isso também se refletiu no número de óbitos nesse mês, sendo que dos 2.503 óbitos de idosos registrados em março, 1.830 deles ocorreram na faixa entre 60 e 79 anos de idade, ou seja, apenas 27% diziam respeito às pessoas de 80 anos ou mais. Tal fato já poderia estar refletindo possíveis efeitos positivos da vacinação, uma vez que nesse mês atípico os óbitos dos idosos em relação ao mês de fevereiro cresceram 167% nas pessoas com 80 ou mais anos idade e 239% nas pessoas com idade entre 60 e 79 anos.

Essa tendência de queda maior dos óbitos nos idosos acima de 80 anos se repetiu nos meses de abril e maio, comparativamente à faixa de 60 a 79 anos de idade. Registre-se que no mês de maio foram contabilizadas apenas 180 mortes de pessoas idosas acima de 80 anos, ao mesmo tempo em que 821 pessoas perderam suas vidas para a Covid-19 fazendo parte da faixa entre 60 e 79 anos.

Gráfico 6: Evolução percentual dos óbitos por mês em SC, segundo as diversas faixas etárias dentre as pessoas idosas

G6

Fonte: Boletins Epidemiológicos SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC

Mas o fato surpreendente revelado no mês de junho foi a interrupção da tendência de queda dos óbitos de pessoas acima de 80 anos, faixa que apresentou um aumento de 21% em relação ao mês anterior. Em termos absolutos, representou a morte de 37 pessoas a mais no mês de junho comparativamente ao mês de maio. Isso fez com que a participação dessa faixa etária de 80 anos ou mais nos óbitos da categoria “pessoas idosas” atingisse 30%, patamar praticamente idêntico ao verificado no mês de fevereiro. Registre-se que o percentual de participação dos óbitos das pessoas com 80 ou mais dentre as mortes de idosos no mês de maio tinha caído para 19%. Dentre as possíveis explicações para tal comportamento, pode-se mencionar a falta de imunização completa das pessoas dessa faixa etária em um número expressivo de cidades do estado, conforme pode ser verificado nos dados disponíveis no vacinômetro, portal do governo estadual com as informações do processo de imunização.

Uma breve análise dessa situação na região da Grande Florianópolis, que é composta por 21 municípios, revelou que a vacinação com a segunda dose para pessoas com 90 anos ou mais  foi acima de 60% do público potencial em 13 cidades; entre 30% e 60% do público potencial em 4 cidades; e abaixo de 30% do público potencial em outras 4 cidades. Esses indicadores foram um pouco melhores quando se considera a faixa de 85 a 89 anos de idade e atingiram um padrão acima de 80% na faixa entre 80 e 84 anos. Além disso, observou-se várias inconsistências nas informações disponíveis, chamando atenção para o fato de que em um determinado município o número de pessoas vacinadas com a segunda dose em uma faixa etária de idosos era maior que o número de aplicação da primeira dose nessa mesma faixa etária.

Outro fato a ser mencionado é que, tanto em SC como no Brasil, a faixa etária entre 60 e 79 anos de idade foi uma das mais afetadas pela Covid-19. Sua participação no total de mortes do estado caiu de 57%, no mês de janeiro, para 33%, em junho de 2021. Já para o conjunto do país as mortes dessa faixa etária caíram para 14% no último mês considerado.

Considerações Finais

É fato que os efeitos da imunização contra a Covid-19 já são perceptíveis em várias faixas da população catarinense, especialmente das pessoas mais idosas que foram as primeiras a ser vacinadas a partir de meados de janeiro de 2021. Todavia, tais efeitos não podem ser banalizados por meio de proselitismos políticos que em nada contribuem neste momento dramático da vida dos catarinenses.

Mesmo que o processo de vacinação continue lento (ao final de junho SC tinha imunizado apenas 12% de sua população), os efeitos positivos da vacina já são bem mais perceptíveis nas faixas etárias acima de 80 anos de idade, muito embora tal faixa etária voltasse a apresentar um aumento percentual dos óbitos em junho, comparativamente ao mês de maio.  Esse  cenário poderá se agravar ainda mais diante da eminência de uma nova expansão da doença impulsionada pela variante Delta.

ANEXOS

Tabela 2: Número acumulado e mensal dos óbitos ocorridos em SC por faixas etárias das pessoas, segundo períodos selecionados

T2

Fonte: Boletins Epidemiológicos. SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC

*Como os dados dos óbitos por faixas etárias nos Boletins Epidemiológicos no mês de novembro até 12.12.20 estão sempre repetidos, não foi possível saber o número exato dos óbitos por faixa etária no mês de dezembro de 2020.

Tabela 3: Evolução % dos óbitos acumulados e por mês em Santa Catarina, segundo faixas etárias das pessoas

T3

Fonte: Boletins Epidemiológicos. SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC

Tabela 4: Evolução % dos óbitos por mês em SC, segundo as diversas faixas etárias das pessoas idosas

T4

Fonte: Boletins Epidemiológicos. SES-SC. Elaboração: NECAT-UFSC


[1] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de PósGraduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br

[2] Registre-se que essas duas faixas etárias representavam um percentual expressivo dos óbitos ocorridos em Santa Catarina.

[3] Publicado em 02.07.2021, tal documento pode ser acessado em www.sc.gov.br/noticias/temas/coronavirus/com-avanco-da-vacinacao-em-SC-obitos-de-idosos-por-Covid-19-tem-reducao-de-75

[4] As informações que deram origem aos gráficos 4, 5 e 6 se encontram nas tabelas anexas 4, 5 e 6, respectivamente.