Nova ciência econômica

30/05/2025 14:04

Fernando Nogueira da Costa*

Assim como os ecossistemas não são isolados — e funcionam como partes de um sistema planetário interdependente, também as abordagens econômicas (comportamental, institucionalista, evolucionária, complexa etc.) não deveriam ser pensadas de forma estanque, mas sim como camadas interativas de um mesmo sistema dinâmico de produção, distribuição, circulação e consumo de valor. A Nova Ciência Econômica emerge com uma visão macrossistêmica e holística na qual se pondera os diversos componentes, tipo top-down, antes da avaliação do bottom-up.

Nessa abordagem verdadeiramente sistêmica, as interações entre os todos os componentes resultam na emergência do complexo sistema econômico- financeiro. Agrupados em setores institucionais, eles se relacionam por meio de fluxos digitais de pagamentos e financiamentos, acumulados em estoques para a gestão da riqueza de cada qual por meio de finanças pessoais, corporativas, públicas, bancárias e internacionais.

Uma Nova Ciência Econômica começaria por reconhecer os subsistemas:

Nível Descrição
Sistema Global A Economia como parte de uma rede de fluxos materiais, energéticos, financeiros e informacionais planetários
Sistema Institucional As     regras,     normas,     crenças     e     instituições      moldam comportamentos e escolhas econômicas
Sistema Organizacional Empresas, mercados, Estados e outras organizações atuam como

nós dinâmicos de coordenação econômica

Sistema Comportamental Indivíduos e grupos com racionalidades limitadas, emoções, hábitos e rotinas
Sistema Evolutivo mutação histórica das formas econômicas, das tecnologias, das normas e dos valores
Sistema de Complexidade Emergência    de   fenômenos    macroeconômicos    a    partir                       de interações micro e setoriais, com padrões não-lineares

O ponto de partida top-down (“de cima para baixo”), inicialmente, reconhece a Economia como subcampo da Biosfera e da Tecnosfera (mundo humano-tecnológico integrado no mundo natural). Em segundo lugar, modela a Economia não como sistema de equilíbrios estáticos, mas como processo histórico-dinâmico e adaptativo. Em terceiro lugar, integra instituições, comportamentos e tecnologias como coevolutivos — nenhum sendo “dado” ou “imutável” eternamente.

Como as diferentes abordagens econômico-financeiras interagiriam?

Abordagem Contribuição à Nova Ciência Econômica
Economia Comportamental Entender os limites cognitivos e afetivos da decisão econômica
Economia Institucionalista Explicar como as regras e organizações moldam incentivos e comportamentos
Economia Evolucionária Enxergar as inovações financeiras e a mutação dos padrões econômicos, tecnológicos e sociais no tempo
Economia

da Complexidade

 

Modelar a emergência, a adaptação e a auto-organização dos sistemas econômicos

Essas abordagens seriam complementares, não concorrentes.

Quanto à relação dos métodos de análise econômica top-down (contexto macroeconômico) e bottom-up (fundamentos microeconômicos), a visão top-down fornece o contexto sistêmico, estrutural e planetário. A visão bottom-up estuda como agentes individuais e locais respondem, inovam, adaptam e transformam o sistema.

É preciso articular as duas perspectivas. Nenhum comportamento individual faz sentido fora do sistema e nenhum sistema existe sem emergir de comportamentos e ações interativas.

Uma Nova Ciência Econômica holística reconheceria a Economia como um processo histórico, institucional, comportamental, tecnológico e ecológico de emergência complexa dentro dos limites planetários.

Apresento em seguida um resumo de cada abordagem econômica contemporânea e suas inter-relações metodológicas.

A Economia Comportamental (ou Psicologia Econômica) estuda como fatores psicológicos e emocionais influenciam decisões econômicas, contestando a hipótese do agente racional da economia neoclássica. Baseia-se em experimentos, heurísticas e vieses cognitivos. Seu método é experimental, microfundamentado, com base empírica e uso de testes psicológicos. Sua contribuição é explicar desvios sistemáticos da racionalidade, como aversão à perda, excesso de confiança, contabilidade mental etc.

A Economia Institucionalista (ou Sociologia Econômica) destaca o papel das instituições (regras formais e informais, cultura, normas sociais) na estruturação do comportamento econômico. Influenciada por autores como Veblen, Commons, Karl Polanyi e Douglas North, adota um método histórico-comparativo, qualitativo e institucional. Coloca foco na coevolução entre economia e sociedade. Enfatiza os mercados serem construções sociais e não fenômenos naturais. Todos possuem forte dependência de trajetória (“path dependence”), ou seja, “a história importa”.

A Economia Evolucionária (ou Biologia Econômica) analisa o processo econômico como dinâmico, histórico e irreversível, baseado em seleção, variação e retenção, inspirado na Biologia darwinista. Empresas, tecnologias e hábitos competem, sobrevivem ou desaparecem. Seu método é baseado em simulações baseadas em agentes, modelagem computacional, analogias com a biologia evolutiva. Explica a mudança estrutural, a inovação, o surgimento e declínio de setores econômicos.

A Economia da Complexidade (ou Econofísica) trata a economia como sistema adaptativo complexo, não-linear e auto-organizado. Inspira-se na física estatística e na ciência dos sistemas complexos. Modelagem matemática, redes, fractais, autômatos celulares, dinâmicas não-lineares. Entende fenômenos como crises financeiras, distribuição de renda e bolhas especulativas como emergentes de interações descentralizadas.

Inter-relações Metodológicas (Visão Sistêmica) 

Abordagem Ênfase Analítica Nível de

Observação

Tipo de

Causalidade

Relações com Outras Abordagens
 

 

Comportamental

 

 

Micro (indivíduo)

 

Cognitiva/ emocional

 

Causalidade probabilística

Informa o comportamento nos modelos evolutivos e de rede
 

Institucionalista

 

Meso (instituições)

 

Regras e normas

 

Causalidade contextual

Molda os contextos dos agentes em todos os níveis
 

 

Evolucionária

 

Meso-macro (firmas/setores)

 

Dinâmica histórica

 

Causalidade seletiva

Complementa a complexidade com trajetória e inovação
 

 

Complexidade

 

 

Macro (sistema)

 

Interações e emergências

 

Causalidade circular

Integra todas como subsistemas com interações

adaptativas

Essas abordagens se complementam ao fornecer uma visão multiescalar e multidisciplinar da realidade econômica, rompendo com a ortodoxia neoclássica. A Economia Comportamental oferece fundamentos sobre (e para) os agentes, a Institucionalista estrutura os ambientes, a Evolucionária explica a mudança, e a da Complexidade articula tudo em dinâmicas emergentes.

A formulação da nova Ciência Econômica captura de modo crítico a narrativa dominante de parte da ortodoxia macroeconômica contemporânea, em especial a vertente neoclássica fiscalista só capaz de defender uma cadeia linear (e autojustificada ideologicamente com o laissez-faire neoliberal) de causalidades como solução universal para os problemas macroeconômicos. Essa sequência, ao estilo de “modelo de confiança do hipotético investidor racional”, pressupõe uma lógica mecanicista, na qual o corte de gastos públicos iniciaria uma série virtuosa de ajustes automáticos via expectativas, levando ao “equilíbrio ótimo”!

A “sequência fácil e milagrosa” do mainstream fiscalista segue a seguinte ordem causal dedutiva-racional, no vício ricardiano de ir diretamente da Teoria Pura às decisões práticas, sem passar pelo nível menos abstrato da teoria aplicada. Nele se examinaria inclusive a viabilidade política, o impacto social e a reação comportamental heterogêneas dos distintos agentes econômicos.

Corte de gastos públicos → redução da dívida com ajuste fiscal → sinalização de responsabilidade fiscal com corte de impostos para o mercado → ancoragem das expectativas de inflação → queda dos juros (via política monetária ou prêmio de risco) → maior investimento privado via alavancagem → crescimento puxado pelo setor privado porque o Estado seria mínimo.

Essa idealização visa essa meta ideológica. Daí há inversão de causa e efeito (ou Falácia da Direção Errada) ao atribuir a causa de um evento ao seu efeito, ou seja, quando se confunde o que causou algo com aquilo causado. É uma falácia de raciocínio na qual se toma o efeito – Estado mínimo – pela causa – corte dos gastos públicos.

As vertentes heterodoxas contemporâneas — comportamental, institucional, evolucionária e econofísica — convergem em rejeitar essa visão por razões epistemológicas, empíricas e sistêmicas. Elas propõem uma ontologia aberta, não linear, histórica e complexa da atividade econômico-financeira.

A crítica da Economia Comportamental alerta a propósito da racionalidade limitada e efeitos perversos de austeridade. A ideia de cortes de gastos aumentarem a confiança do consumidor/investidor é refutada empiricamente: políticas de austeridade reduzem renda, emprego e confiança, especialmente em contextos de estagnação.

Heurísticas como vieses cognitivos e efeitos de incerteza profunda inibem decisões de investimento mesmo com queda dos juros. Por exemplo, consumidores em ambientes de risco macroeconômico adotam comportamentos de poupança defensiva, não consumo adicional.

A crítica da Economia Institucionalista se baseia na existência tanto de regras formais quanto instituições vivas como hábitos, práticas e costumes. A resposta do sistema não depende apenas de políticas, mas das instituições sociais, jurídicas e políticas capazes de as sustentar.

O “ajuste fiscal” produz deslegitimação do Estado e erosão do pacto social entre classes sociais com conflitos de interesses antagônicos, com efeitos negativos sobre estabilidade e confiança. A ideia de “ajuste técnico” ignora a estrutura de poder e os conflitos distributivos reais.

A crítica da Economia Evolucionária se dirige às dinâmicas caóticas, irreversíveis diante as mudanças nas condições iniciais e a descoordenação sistêmica. O sistema econômico é visto como histórico, aberto e sujeito a rupturas e irreversibilidades, não como “máquina com mecanismo de equilíbrio”.

Expectativas não se ajustam automaticamente, e a inovação depende de coordenação público-privada, não de retração estatal. Cortes de gasto público quebram cadeias produtivas, desorganizam sistemas de inovação e desarticulam trajetórias industriais.

A crítica da Econofísica alerta a propósito das dinâmicas emergentes e instabilidade estrutural. Modelos baseados em redes e sistemas complexos mostram as ações locais (como corte de gastos ou tarifaço nos Estados Unidos) terem efeitos globais desproporcionais e fora do controle de O Aprendiz… de feiticeiro.

A economia real funciona como um sistema dinâmico com acoplamentos não lineares entre mercado financeiro, produção, consumo e crédito. Reduções abruptas de gasto público amplificam choques e gerar instabilidades de longo prazo, inclusive colapsos de confiança e liquidez.

Economistas com formação atualizada devem obter uma visão holística da Nova Ciência Econômica. A integração dessas abordagens permite visualizar a economia como um sistema adaptativo complexo, com os seguintes princípios:

Princípio sistêmico Implicação para a política fiscal e monetária
Racionalidade limitada Expectativas são voláteis, não só racionais
Instituições moldam conduta Regras fiscais importam menos diante a legitimidade e funcionalidade institucional
Inovação é não linear Estado é necessário para criar coordenação de longo prazo
Sistemas são interdependentes Cortes locais em potências econômicas causam rupturas globais
História importa (path dependence) Políticas devem considerar trajetórias, não apenas estados finais

A “sequência milagrosa” da ortodoxia ignora os efeitos distributivos, históricos, comportamentais e institucionais reais das políticas públicas. O corte de gastos reduziria a dívida nominal à custa da destruição de capacidades produtivas, do aumento da desigualdade e da amplificação de fragilidades sistêmicas.

A Nova Ciência Econômica, ao integrar diversas abordagens heterodoxas, propõe não existir crescimento sustentado (e ecologicamente sustentável) sem coordenação estratégica entre Estado, Mercado e sociedade civil, ancorada em instituições confiáveis, investimento em capacidades educacionais-tecnológicas e políticas distributivas estruturantes de um mercado interno pujante.


Download da Palestra aos Estudantes de Economia do Sul na UFSC em 02.05.2025, proferida pelo professor Fernando Nogueira da Costa – Situação Atual e Perspectivas do Ensino de Economia

* Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.