O crescimento dos casos ativos em todas as regiões de Santa Catarina no mês de fevereiro de 2021

02/03/2021 17:48

Lauro Mattei[1]

Após quase um ano da pandemia no estado de Santa Catarina, o mês de fevereiro apresentou um cenário de deterioração das condições de controle da doença com aceleração expressiva da contaminação da população, sendo este um dos piores momentos da pandemia desde os primeiros registros oficiais no mês de março de 2020. Mas esse agravamento da situação não é obra do acaso, conforme foi alertado por diversos segmentos científicos ainda no mês de dezembro de 2020, quando o governador do estado, atendendo reivindicações de setores empresariais, flexibilizou todas as medidas restritivas vigentes até então com o intuito de garantir uma boa temporada de verão, além de garantir a “defesa da liberdade individual”, uma vez que segundo ele, não competia ao governo “interferir na liberdade das pessoas”. Os resultados estão aí, infelizmente às custas de centenas de vidas de catarinenses.

A seguir mostraremos que, embora municípios da região Oeste estejam em evidência nos noticiários, o surto atual da pandemia já se espraiou fortemente por todas as regiões do estado, sendo que em algumas cidades se contatou uma verdadeira explosão do número de pessoas contaminadas no mês de fevereiro, revelando a situação caótica e trágica em curso em Santa Catarina.

A tabela 1 apresenta a taxa de crescimento da doença na microrregião de Florianópolis, que é composta por mais 5 municípios (Antonio Carlos, Governador Celso Ramos, Paulo Lopes, Santo Amaro da Imperatriz e São Pedro de Alcântara), além das 4 cidades que compõem a área conurbada da capital catarinense. Inicialmente observa-se que ao final de fevereiro esses quatro municípios respondiam por 97% de todos os casos da microrregião. Neste caso, chama atenção a expressiva taxa de crescimento dos casos ativos na cidade de São José, atingindo 753% no mês considerado, além do elevado número de pessoas contaminadas na capital do estado, apesar da taxa de crescimento ser inferior aos demais municípios. Por fim, registre-se que também não são nada desprezíveis as taxas de crescimento dos casos ativos nas cidades de Palhoça e Biguaçu. Adicionalmente, registre-se que a microrregião de Florianópolis detém 95% dos casos ativos da Grande Florianópolis, enquanto as quatro cidades da área conurbada da capital representam 91% de todos os casos da Grande Florianópolis.

Tabela 1: Taxa de crescimento % dos casos ativos em cidades da microrregião de Florianópolis

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        Fonte: Boletins Epidemiológicos. Secretaria Estadual da Saúde de SC

A tabela 2 apresenta a evolução dos casos ativos em algumas cidades do Vale do Itajaí, especialmente do Alto Vale (Rio do Sul), Médio Vale e Baixo Vale (Balneário Camboriú. Neste caso, destacam-se as altas taxas de crescimento dos casos ativos nas cidades de Timbó e Pomerode, bem como a expressiva quantidade de pessoas contaminadas na cidade de Blumenau e o crescimento linear dos registros ativos em Rio do Sul. Apenas a título de registro, nota-se que as cidades do Baixo Vale, como Balneário Camboriú e Itajaí, apesar de não apresentaram taxas de crescimento mais expressivas como nas demais localidades, elas possuem números elevados de pessoas doentes.

Tabela 2: Taxa de crescimento % dos casos ativos em cidades do Vale do Itajaí

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              Fonte: Boletins Epidemiológicos. Secretaria Estadual da Saúde de SC

A tabela 3 apresenta a evolução dos casos ativos em cidades do Norte Catarinense. Embora tenha número absoluto ainda baixo, São Francisco do Sul apresentou uma taxa de crescimento bastante elevada (156%). Já o oposto ocorreu em Jaraguá do Sul, que apresentou um número elevado de pessoas contaminadas. Finalmente, a cidade de Joinville, apesar de apresentar uma taxa relativamente baixa, permanece com um número de pessoas contaminadas extremamente elevado (o terceiro maior do estado). Com isso, nota-se que aos poucos o surto que está em curso em outras regiões do estado está se espraiando também nesse espaço geográfico.

Tabela 3: Taxa de crescimento % dos casos ativos em cidades do Norte

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        Fonte: Boletins Epidemiológicos. Secretaria Estadual da Saúde de SC

A tabela 4 mostra a evolução das pessoas contaminadas em municípios da região Serrana de Santa Catarina, chamando atenção para a alta taxa de crescimento do município de São Joaquim, muito embora o número de doentes nesta localidade ainda seja baixo, comparativamente às demais cidades. Por outro lado, verifica-se que Lages – por ser o grande polo regional – é a cidade com o maior número absoluto de pessoas doentes, fazendo com que seja parte do grupo dos dez municípios do estado com o maior número de casos ativos. Por fim, nota-se que nessa região ainda não está ocorrendo um espraiamento do surto atual de forma tão aguda, comparativamente a outras regiões do estado.

  Tabela 4: Taxa de crescimento % dos casos ativos em cidades da Serra

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         Fonte: Boletins Epidemiológicos. Secretaria Estadual da Saúde de SC

A tabela 5 mostra a evolução das pessoas contaminadas na região Sul Catarinense, chamando atenção para as elevadas taxas de crescimento observadas nos municípios de Araranguá e de Orleans, ambos com um número absoluto de pessoas contaminadas em forte expansão, especialmente na segunda quinzena de fevereiro. Também não é nada desprezível a taxa de crescimento dos casos ativos na cidade de Criciúma, sendo que nesse município se localiza o maior número de contaminados de todo sul catarinense. Essa elevação absoluta dos registros ativos na segunda quinzena de fevereiro levou Criciúma a fazer parte dos dez municípios do estado com os maiores números de pessoas doentes. Comportamento parecido também está sendo observado na cidade de Tubarão, que apresentou taxas consideráveis e o segundo maior número absoluto de pessoas contaminadas do Sul Catarinense.

Tabela 5: Taxa de crescimento % dos casos ativos em cidades do Sul

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         Fonte: Boletins Epidemiológicos. Secretaria Estadual da Saúde de SC

A tabela 6 apresenta a evolução do número de pessoas com casos ativos na região Oeste Catarinense, principal foco de contaminação do surto atual. Inicialmente é importante frisar uma característica relevante da dinâmica populacional dessa região, cuja mobilidade é muito grande em direção às cidades-polo regionais, como são os casos de Chapecó, Concórdia, Xanxerê, Videira, Joaçaba e São Miguel do Oeste. Grande parte dessa mobilidade decorre dos empregos gerados pelas indústrias frigoríficas e de lacticínios localizadas nas principais cidades, as quais aglomeram um número bastante considerável de trabalhadores. Além do expressivo crescimento dos casos ativos na cidade de Chapecó, tanto em termos percentuais como em valores absolutos, fazendo com que a mesma passasse a ocupar o 1º lugar no ranking estadual dos municípios com maior número de pessoas doentes, verifica-se também o crescimento expressivo, tanto em termos absolutos como das taxas percentuais, em diversas cidades, destacando-se os casos de Concórdia, Xanxerê, Xaxim e Videira. Já em outros casos (Palmitos, Pinhalzinho, São Domingos e Mondaí), embora o número de pessoas contaminadas não seja tão expressivo, o que chama atenção é a velocidade do contágio da doença nessas localidades.

Tabela 6: Taxa de crescimento % dos casos ativos em cidades do Oeste

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    Fonte: Boletins Epidemiológicos. Secretaria Estadual da Saúde de SC

No cenário atual, comparativamente ao surto anterior observado entre os meses de junho e agosto de 2020,  verifica-se um ritmo de espraiamento da doença muito mais expressivo, uma vez que a doença está chegando rapidamente nos pequenos municípios, como são os de Coronel Freitas e São Domingos, cidades com menos de 10 mil habitantes.

Por fim, da mesma forma que no surto anterior, aventa-se a hipótese de que o processo contaminatório atual está encontrando seu ambiente propício para transmissão nos parques industriais frigoríficos e de lacticínios da região. Tal hipótese se ampara no fato de que em grande parte das cidades listadas existe algum tipo de empreendimento empresarial das áreas acima citadas.


Considerações Gerais

 Santa Catarina está enfrentando o mais longo surto da COVID-19 desde que essa doença se instaurou no estado, uma vez que a partir do início de novembro as taxas de crescimento de transmissão do vírus têm se mantido em níveis elevados, fazendo com que o estado ocupe atualmente a 4ª posição no ranking nacional dentre as unidades da federação com o maior número de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus. Ao final de fevereiro de 2021, mais de 7 mil pessoas perderam suas vidas, enquanto o estado registrava o recorde dos casos ativos, ultrapassando a marca de 35 mil pessoas ainda com a doença.

 Mesmo diante desse cenário de total descontrole da doença no estado, o governador continua tocando a música de apenas duas notas: Santa Catarina tem a menor taxa de letalidade do país e tem uma das melhores gestões da pandemia, conforme declaração à imprensa proferida em 23.02.21 ao ser inquirido sobre o caos que estava se instalando na estrutura de saúde do estado.

Registre-se que ao longo de quase um ano de convivência com a doença foram adotadas muitas iniciativas governamentais para combater a pandemia, tanto no âmbito estadual com das municipalidades. Todavia, nos parece que a mensagem emitida pela Organização Mundial da saúde (OMS) em março de 2020 não foi muito bem compreendida pelas terras catarinenses, uma vez que a maioria das iniciativas não esteve focalizada na esfera da prevenção da pandemia, mas sim no combate de suas consequências. Com isso, no momento o estado se encontra exatamente naquela posição que a OMS alertava para ser evitada, ou seja, o colapso do sistema de saúde. E isso não está ocorrendo ao acaso!

Por isso, é importante recordar manifestação do governador em uma rede de TV no dia 23.12.20 diante do aumento da doença no estado: “Santa Catarina tem a melhor gestão da Covid-19 no Brasil e nosso trabalho foi feito. Nós não podemos operar um milagre neste momento. Para evitar que as pessoas venham a falecer esse milagre depende de Deus”. Na verdade, o que chama atenção nessa fala do Governador Moisés é que ela guarda muita semelhança com as falas recorrentes do Presidente Messias, uma vez que ambas procuram jogar suas responsabilidades básicas para a ordem divina. Todavia, desde os tempos do filósofo Adam Smith sabe-se que o destino da humanidade está sob a ordem dos homens e não na alçada divina.


[1] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de PósGraduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br  Artigo escrito em 02.03.2021