PEC das Bondades não é suficiente e varejo registra retração em agosto

27/10/2022 13:52

Guilherme Ronchi Razzini*

A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC-IBGE) divulgada em outubro e com dados referentes ao mês de agosto de 2022, os resultados foram amargos para aqueles que esperavam que com os recursos da PEC das Bondades o varejo iria reagir, na realidade houve retração (-0,6%) pelo terceiro mês consecutivo. No cenário estadual, também houve retração, porém de forma menos intensa (-0,2%). Na perspectiva da série interanual houve retração de -0,7% no volume de vendas nos dados nacionais, e expansão de 4,2% no estado catarinense. Na comparação com o cenário pré-pandemia, ou seja, no comparativo entre fevereiro de 2020 e agosto de 2022, o setor apresentou retração em nível nacional (-2,9%) e expansão em nível estadual (11,6%).

Nos cenários regionais a pesquisa ilustra um cenário com hegemonia de retrações nas Unidades da Federação (UFs), apenas 15 das 27 UFs apresentaram expansão pela perspectiva da série mensal com ajuste sazonal, com destaque para os estados de Paraíba (17,2%), Tocantins (5,4%) e Roraima (3,8%). Por outro lado, houve retração em 12 das 27 UFs, com maior intensidade em Espirito Santo (-3,2%), Pernambuco (-2,4%) e Goiás (-1,8%).

Em agosto foi iniciada a distribuição dos recursos oriundos da PEC das Bondades, como o aumento do Auxilio Brasil, vale gás, e as transferências para algumas categorias, como caminhoneiros e taxistas, porém tais recursos não foram suficientes para alavancar o varejo no Brasil e em Santa Catarina. Tais resultados podem ser frutos do alto endividamento da população, o percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer chegou a 79% do total nos lares no Brasil, aumento de 1 ponto percentual na passagem mensal e de 6,1 p.p na comparação com agosto de 2021, segundo a Confederação Nacional do Comercio (CNC).

Deste modo, o presente artigo tem como objetivo ilustrar o desempenho do comércio varejista ampliado no Brasil e em Santa Catarina, a partir dos dados disponibilizados pela PMC-IBGE, no contexto do atual estágio da pandemia e da conjuntura macroeconômica.

Atividade comercial do Brasil em agosto de 2022

A Figura 1 apresenta a trajetória do volume de vendas do comércio varejista ampliado no Brasil, desde 2010 até o período atual. Nesta figura é possível perceber as variações do setor em resposta à atividade econômica do país e os distintos períodos da pandemia da Covid-19.

O setor apresenta três trajetórias consolidadas que estão ilustradas na Figura: primeiro, uma trajetória de expansão entre janeiro de 2010 até meados de 2014, período em que o setor cresceu aproximadamente 26%; na sequência é possível visualizar que uma trajetória de retração entre 2014 e meados de 2016, período em que o setor sofreu retração de aproximadamente -18% no volume de vendas; posteriormente a partir do segundo semestre de 2016, há uma tendência de expansão que segue até o inicio da pandemia em fevereiro de 2020, neste intervalo de tempo o setor acumulou expansão de aproximadamente 20%.

Figura 1: Variação do volume de vendas no comércio varejista ampliado no Brasil entre janeiro de 2010 e agosto de 2022 (2014=100)

Fonte: PMC-IBGE (2022); Elaboração NECAT-UFSC.

Após a queda intensa e significativa nos meses que sucederam o inicio da pandemia no país, no segundo semestre de 2020 houve uma expansão acelerada que recuperou o volume de vendas e registrou expansão na comparação com o período pré-pandêmico, porém tal expansão foi diluída com a queda dos programas de auxilio de renda e a piora no cenário macroeconômico. Com os dados de agosto, o acumulado no ano apresentou retração de -0,8% frente o período jan-ago/2021, num movimento que ilustra a dificuldade em criar uma sólida tendência de expansão e de recuperar a máxima histórica, ou até mesmo de se manter em patamares acima do pré-pandemia.

A Tabela 1 apresenta as quatro séries da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) ao longo dos últimos doze meses. No indicador mês a mês com ajuste sazonal, o que melhor caracteriza o ritmo da atividade no curto prazo, foi registrada retração significativa de -0,6% no volume de vendas. Com isso, o acumulado no ano permanece em -0,8%, deste modo o volume de vendas se encontra atualmente em um estado inferior ao do ano anterior.

Tabela 1: Variação do volume de vendas do comércio varejista ampliado no Brasil (agosto de 2021 a agosto de 2022).

Fonte: PMC-IBGE (2022); Elaboração NECAT-UFSC.

Na comparação com o mesmo mês do ano anterior, houve retração de -0,7% no volume de vendas. Essa foi a quarta queda consecutiva no indicador, ilustrando uma relativa disparidade na comparação com o ritmo de vendas de 2021. No acumulado em doze meses assim como no acumulado no ano houve estabilidade com saldo de retração de -2%.

Os resultados apresentadas na PMC-IBGE de agosto de 2022 evidenciam a dificuldade enfrentada pelo setor em nível nacional de se expandir em níveis superiores aos registrados no ano anterior, ilustrado com as continuas quedas, e com o registro da queda de -0,7% na comparação com agosto de 2021. Tais resultados são explicados pelos já repetidos fatores como: elevado desemprego, a persistente inflação, baixo dinamismo econômico, e a ascensão das taxas de juros, fatores que reduzem a demanda dos consumidores e de modo direto o volume de vendas do comércio varejista ampliado. O esgotamento de medidas anticíclicas, como liberação do FGTS e antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas também contribui para a queda generalizada nos segmentes no mês, porém a expectativa é para expansão no volume de vendas em agosto com a injeção dos recursos da PEC das Bondades, como o aumento do Auxilio Brasil, vale gás, e as transferências para algumas categorias, como caminhoneiros e taxistas.

A Tabela 2 auxilia na compreensão dos impactos da conjuntura nos segmentos do varejo ampliado, a partir dos resultados mensais com ajuste sazonal. Foram registradas expansões em 6 dos 10 setores analisados, com destaque para as expansões nos segmentos de tecidos, vestuário e calçados (13%), veículos, motocicletas, partes e peças (4,8%) e combustíveis e lubrificantes (3,6%). Por outro lado, houve retração nos quatro segmentos restantes, com maior intensidade em equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (-1,4%), outros artigos de uso pessoal e domestico (-1,2%) e material de construção (-0,8%).

Alguns setores que tiveram as maiores expansões no mês compensaram parcialmente as quedas registradas nos meses anteriores, o segmento de tecidos, vestuário e calçados que registrou expansão de 13%, porém havia registrado retração de -13% em jul/22 e -11,4% em jun/22. Assim como o segmento de veículos, motocicletas, partes e peças que registrou expansão neste mês, porém a mesma não foi suficiente para compensar as quedas imediatamente anteriores no segmento. Por outro lado, há setores que nem sequer conseguem recuperar os volumes perdidos nos meses anteriores e registram novas retrações como equipamentos e materiais para escritório, outros artigos de uso pessoal e doméstico e materiais de construção, tais segmentos são impactados principalmente pela dependência em relação a oferta de crédito que vem sido suprimida com o contexto de elevação das taxas de juros.

Tabela 2: Variação mês a mês com ajuste sazonal do volume de vendas no comércio varejista ampliado e suas subdivisões no Brasil (janeiro de 2022 a agosto de 2022).

Fonte: PMC-IBGE (2022); Elaboração NECAT-UFSC.

Além disso, o gerente da PMC-IBGE, Cristiano Santos comentou sobre o segmento de material de construção afirmando que “houve um forte crescimento após a pandemia, tanto para obras residenciais, num primeiro momento, como para obras maiores, numa segunda onda. Agora, aos poucos, esse crescimento está sendo descontado. A atividade chegou a estar mais de 12,0% acima do patamar pré-pandemia e hoje está 1,6% acima” (G1).

A Figura 2 apresenta os resultados do acumulado no ano, ou seja, na comparação com o mesmo período do ano anterior, para o Brasil e suas respectivas UFs, até o mês de julho 16 das 27 UFs apresentam saldo de expansão, sendo de forma mais intensa nos estados de Roraima (7,5%), Mato Grosso do Sul (5,2%) e Mato Grosso (4,5%). Por outro lado, houve retração em 11 das 27 UFS, sendo as maiores retrações registradas em Pernambuco (-7,6%), Bahia (-5,3%) e Paraná (-4,3%).

Figura 2: Variação acumulada no ano no Brasil e nas suas respectivas UFs em julho de 2022.

Fonte: PMC-IBGE (2022); Elaboração NECAT-UFSC.

Atividade comercial em Santa Catarina em agosto de 2022

A Figura 3 ilustra o desempenho do comércio varejista ampliado desde 2010 no estado catarinense, é possível visualizar a trajetória do setor ao longo dos anos e traçar diferentes cenários ao longo dos anos, o período compreendido entre 2010 e 2014 foi de expansão moderada, interrompida pela crise econômica. A partir de 2014, o volume de vendas segue em retração até meados de 2016, a partir deste período o saldo segue em expansão em ritmo acelerado até fevereiro de 2020.

Com o inicio da pandemia no estado, o volume de vendas registra uma intensa retração entre os meses de fevereiro e maio, a partir de junho e até os dias atuais o setor apresenta um cenário de expansão, apresentando volume de vendas de aproximadamente 11,6% superior a fevereiro de 2020.

Figura 3: Variação do volume de vendas no comércio varejista ampliado em Santa Catarina entre janeiro de 2010 e julho de 2022 (2014=100)

Fonte: PMC-IBGE (2022); Elaboração NECAT-UFSC.

No estado de Santa Catarina, houve retração no volume de vendas assim como registrado no cenário nacional, porém em menor intensidade. Na passagem do mês de julho para agosto, houve retração de -0,2% no volume de vendas com ajuste sazonal, sendo este o 10º pior resultado entre as UFs na mesma comparação.

Os resultados da PMC estão ilustrados na Tabela 3, que apresenta as quatro principais séries temporais da pesquisa, onde estão presentes os dados na série mês a mês com ajuste sazonal, na comparação com o mesmo mês do ano anterior, no acumulado do ano e no acumulado de doze meses.

Tabela 3: Variação do volume de vendas do comércio varejista ampliado em Santa Catarina (agosto de 2021 a agosto de 2022).

Fonte: PMC-IBGE (2022); Elaboração NECAT-UFSC.

Na comparação com o mesmo mês do ano anterior foi registrada expansão de 4,2% após o índice registrar a maior retração da analise no mês anterior. No acumulado do ano houve estabilidade no saldo, com o saldo expandindo de 3,1% para 3,2%, é a primeira vez em 6 meses que o saldo não registra retração.

Por outro lado, no acumulado em doze meses houve diminuição do ritmo das expansões, com o saldo de 2,3%, o menor registrado no período ilustrado pela tabela. Em parte, isso ocorre pela nova retração da série mensal com ajuste sazonal, mas também aparece como consequência da reconfiguração das bases de comparação da série, que a partir de junho deixam de contar com os meses do primeiro semestre de 2020 e, por isso, tendem a retornar resultados menos expressivos.

A Tabela 4 apresenta os saldos acumulados no ano (janeiro de 2022 a agosto de 2022) em Santa Catarina para os dez grupos de atividade que compõem o comércio varejista ampliado. Assim como no mês anterior, 6 dos 10 segmentos apresentam saldo de expansão na comparação com o mesmo período do ano anterior, com destaque novamente para os saldos expansivos nos setores de equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (25,6%), livros, jornais, revistas e papelaria (21,7%) e veículos, motocicletas, partes e peças (12%). Por outro lado, 4 dos 10 segmentos apresentaram saldo negativo, com maior intensidade nos segmentos de outros artigos de uso pessoal e domestico (-13,7%) e tecidos, vestuário e calçados (-6,6%).

Tabela 4: Variação do volume de vendas por grupo de atividades do comércio varejista ampliado em Santa Catarina, acumulado no ano (janeiro de 2022 a agosto de 2022).

Fonte: PMC-IBGE (2022); Elaboração NECAT-UFSC.

Entretanto, no mês de agosto foram registradas retração no saldo acumulado em 6 dos 10 segmentos analisados, o que indica uma desaceleração ou aprofundamento da retração em tais segmentos. Os resultados setoriais preocupam pelo baixo dinamismo e quedas consecutivas em setores fundamentais para o varejo catarinense, como móveis e eletrodomésticos, tecidos e vestuários e outros artigos de uso pessoal e domestico, tais segmentos agrupados representam uma grande parcela do volume de vendas do setor.

Considerações finais

Com os dados da PMC-IBGE divulgados no mês de outubro com dados referentes a agosto de 2022, é reforçado a evidencia de que o setor tem apresentado dificuldades nos últimos meses, com quedas sucessivas. Tal resultado é reflexo de um quadro macroeconômico desfavorável ao setor, com a alta das taxas de juros básica, a diminuição do volume de acesso ao credito, e o persistente alto desemprego.

Na virada do semestre, o desempenho do varejo decepcionou novamente, com a expectativa de alta no volume de vendas no segundo semestre sendo frustrado por novas quedas disseminadas nos setores, e apesar da tendência de desaceleração da inflação e dos sinais positivos do mercado de trabalho, com a atual taxa de juros básicas da economia fez com que a CNC revisasse a previsão de crescimento neste ano de 1,3% para 1,2% (CNC).

É esperado que em setembro, as vendas no varejo apresentem um crescimento marginal, porém insuficiente para que o terceiro trimestre de 2022 encerre no campo positivo, os segmentos sensíveis ao credito tem apresentado dificuldade em estabelecer um ritmo de crescimento frente aqueles sensíveis à renda, em parte explicado pela restrição do acesso ao credito e do aumento das taxas de juros.

Por fim, o comércio varejista ampliado ainda apresenta no ano um resultado volátil, com uma trajetória de leve crescimento no começo do ano, estabilidade no segundo trimestre e queda no corrente trimestre, fruto das já citadas dificuldades enfrentadas pelo setor e compartilhando as dificuldades econômicas registradas nos outros setores econômicos, ao cenário futuro certamente não há possibilidade de prever resultados sólidos de crescimento com a perspectiva de manutenção das taxas de juros básicas em patamares elevados que além de limitar o acesso ao credito ainda corroem o poder de compra.

Referências

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Mensal do Comércio. (PMC). Rio de Janeiro (RJ): IBGE, agosto de 2022.

CNC – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO. VENDAS DO VAREJO DECEPCIONAM COM 3ª QUEDA SEGUIDA. [S. l.], 07 out. 2022. Disponível em: https://www.portaldocomercio.org.br/publicacoes/analise-cnc-da-pesquisa-mensal-do-comercio-agosto-de-2022/443810. Acesso em: 21 out. 2022.

G1 GLOBO – Vendas do comércio recuam 0,1% em agosto, na terceira queda seguida. [S. l.], 07 out. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/10/07/vendas-do-comercio-recuam-01percent-em-agosto-na-quarta-queda-seguida.ghtml. Acesso em: 21 out. 2022.


* Graduando em Ciências Econômicas na UFSC e bolsista do NECAT. E-mail: guilhermerazzini33@gmail.com