PIB do País tem queda de 1,5% no primeiro trimestre de 2020

06/06/2020 12:45

Por: Mateus Victor Fronza [1]Lauro Mattei [2]

Em 28/05/20, o IBGE apresentou os resultados do PIB do país para o primeiro trimestre de 2020. Imediatamente grande parte dos analistas econômicos passou a creditar a queda verificada aos impactos da pandemia do novo coronavírus que afetou mais fortemente o país a partir do mês de março[3]. Como o trimestre só teve um mês (março) com possíveis efeitos da pandemia da COVID-19, neste texto vamos mostrar o que vinha ocorrendo com a economia brasileira anteriormente ao início da pandemia no país.

Deve-se recordar que a economia brasileira já vinha capenga desde 2015. Para se ter ideia da dimensão do problema, basta observar que o PIB apresentou, em média, uma taxa de crescimento negativa da ordem de 0,90% ao ano entre 2015 e 2019. Nesse período foram realizadas diversas reformas tratadas como salvadoras da pátria (limitação do teto de gastos públicos, reforma trabalhista, reforma da previdência, etc.), mas que pouco contribuíram, uma vez que ainda hoje o país convive com uma taxa de desemprego bastante elevada (quase 12 milhões de pessoas), bem como uma das piores taxas de investimento da economia nas duas últimas décadas.

No dia 04/03/2020, o IBGE divulgou o PIB do país relativo ao ano de 2019, cuja taxa de crescimento para tal período tinha a previsão de crescimento de 2,5%. O que se viu foi que as profecias do ministro da economia anunciadas durante os debates sobre a reforma da previdência ainda no primeiro semestre de 2019 de que se fosse feita uma reforma forte da previdência “os investimentos iriam disparar imediatamente e o crescimento do PIB atingirá 3%” ainda em 2019 não se concretizaram[4]. Pois bem, a tal reforma foi feita, não houve disparo imediato dos investimentos e o crescimento do PIB em 2019 foi de 1,1%, percentual inferior inclusive ao ano de 2018, que foi da ordem de 1,3%[5].

Mesmo que alguns impactos da pandemia já estejam presentes nos resultados econômicos auferidos pelos dados do primeiro trimestre, deve-se registrar que as medidas de isolamento social para conter a pandemia começaram a ser aplicadas somente no mês de março, o que novamente contradiz falas do Ministro Paulo Guedes que afirmava insistentemente no início da pandemia (março) que a economia brasileira já estava em “pleno voo”.

Também devemos recordar que desde o início do ano de 2020 muitos países já tinham sido afetados pela pandemia da COVID-19, sendo que a China já tinha sofrido os primeiros impactos da doença ainda no mês dezembro de 2019. Neste sentido, é importante observar na figura a seguir que o impacto negativo da pandemia sobre as principais economias foi extremamente forte, uma vez que as influências foram exercidas ao longo de todo trimestre, ao passo que no Brasil esses impactos começaram a ser sentido somente no último mês do referido trimestre. Isso explica porque a variação negativa em relação ao mesmo período do ano anterior foi baixa (0,3%), ainda que o resultado comparado ao trimestre anterior seja muito pior.

Quadro 1: Variação do PIB dos Países nos resultados do primeiro trimestre de 2020

variacao do pib

Desta forma, nota-se que o PIB do primeiro trimestre de 2020 apresentou uma variação brusca em relação ao trimestre imediatamente anterior[6], pois obteve uma queda de 1,5%, sendo este maior recuo desde o segundo trimestre de 2015, quando a economia recuou 2,1%. Quando analisado em relação ao mesmo período do ano anterior, foi uma retração 0,3%, a maior desde o 4º trimestre de 2016.

1.         ANÁLISE DESAGREGADA DE VALORES

Esse tipo de análise permite observar o comportamento do PIB em dois momentos distintos: o primeiro momento em relação ao trimestre imediatamente anterior, com ajuste sazonal, enquanto o outro momento diz respeito ao mesmo trimestre do ano anterior.

1.1       Análise em relação ao quarto trimestre de 2019

O Gráfico 1 apresenta a tendência abordada anteriormente, pois desde o 2º trimestre de 2019 os dados apresentam taxas de crescimento cada vez menores, o que é conflitante com a ideia de que a economia do país estava em recuperação.    

Gráfico 1: Variação do PIB em relação ao trimestre imediatamente anterior com ajuste sazonal (1º trimestre de 2010 a 1º trimestre de 2020)

grafico 1

Fonte: IBGE

1.1.1    Valor Agregado Bruto

Os componentes do valor agregado bruto, que teve uma queda de 0,2%, expressam as quedas que ocorreram no PIB. Os dados apresentam um pequeno crescimento da agropecuária, setor que durante a pandemia continua tendo demanda, com um crescimento de 0,6%.

A indústria teve um recuo de -1,4%, o qual se explica por problemas financeiros das empresas e também pela política trabalhista de redução das jornadas de trabalho e dos salários durante a pandemia. Neste ramo de atividade, notou-se que a maior queda ocorreu na indústria extrativista (-3,2%), seguida pela indústria de construção (-2,4%), de transformação (-1,4%), e pela indústria de eletricidade, gás, água e esgoto (0,1%).

A evolução dos 3 setores de atividade e de seus subsetores pode ser vista por meio do Gráfico 2. O ramo dos serviços, que no 4º trimestre de 2019 teve 0,7% de crescimento e apresentou o maior crescimento entre os três setores do VAB, no primeiro trimestre de 2020 teve uma queda de 1,6%. Em grande medida, esse comportamento, decorre da situação de seus diversos subsetores, muitos dos quais são influenciados negativamente por períodos sazonais (verão em Jan-Fev) e também pela falta de contato direto com os clientes (caso do distanciamento social em março). Assim, verifica-se que o Comércio teve queda de 0,8% e o subsetor de Transporte, armazenagem e correio teve redução de-2,4%. Essas quedas vieram acompanhadas por reduções nos subsetores de Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (-0,1%); Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social (-0,5%) e Outras atividades de serviços (-4,6%). O único crescimento verificado no período ocorreu no subsetor Atividades Imobiliárias (0,4%), todavia ressalta-se que esse subsetor guarda um estreito relacionamento com o subsetor da Construção civil.

Gráfico 2: Variação dos setores e subsetores do Valor Adicionado Bruto em relação ao trimestre imediatamente anterior com ajuste sazonal (1º trimestre de 2020)

grafico 2

Fonte: IBGE

2.2       Análise em relação ao primeiro trimestre de 2019

O Gráfico 3 analisa as variações dos dados em relação ao primeiro trimestre dos dois últimos anos (2019-2020). Primeiramente chama atenção a queda de 0,3% no primeiro trimestre de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior. Assinala-se que essa é a primeira redução observada desde o 4º trimestre de 2016, quando ocorreu um decréscimo de 2,2%. Esse comportamento evidencia dois fatos: por um lado, corrobora com a afirmação de que a economia brasileira não vem mantendo um nível de crescimento robusto há muito tempo e, por outro, novamente contradiz as afirmações do ministro da economia de que a economia brasileira estava decolando no primeiro trimestre de 2020 antes de ser afetada pela COVID-19.

Gráfico 3: Variação do PIB em relação ao mesmo trimestre do ano anterior (1º trimestre de 2010 a 1º trimestre de 2020)

grafico 3

Fonte: IBGE

2.2.1    Valor Agregado Bruto

O VAB apresentou queda comparativamente ao primeiro trimestre de 2019 da ordem de 0,2%, sendo que tal redução decorre da queda no agregado industrial (-0,1%) e no agregado de Serviços (-0,5%). Apenas a agropecuária apresentou pequeno crescimento.

No caso particular da agropecuária, que teve crescimento de 1,9%, deve-se mencionar, segundo o IBGE, as contribuições positivas para o período, tanto da soja (+6,7%) e do arroz (+3,5%).

Já a indústria foi mais fortemente impactada devido às quedas nos subsetores de Produção e distribuição de eletricidade, gás e água (-1,8%); de construção (-1%); e de transformação (-0,8%). Apenas observou-se um crescimento de 4,8% na Indústria extrativista. Segundo o IBGE, isso ocorreu devido ao crescimento expansivo da extração de petróleo e gás, movimento este que suplantou a queda do setor extrativo de minérios ferrosos.

Gráfico 4: Variação dos setores e subsetores do Valor Adicionado Bruto em relação ao mesmo trimestre do ano anterior (1º trimestre de 2020)

grafico 4

Fonte: IBGE

O setor de serviços apresentou desempenho dispare entre seus diversos subsetores. O comércio, por exemplo, que é um subsetor muito suscetível às restrições orçamentárias das famílias e de mobilidade das pessoas, teve um crescimento de 0,4%, o menor da série desde o primeiro trimestre de 2017. Outros subsetores tiveram crescimento, mas também abaixo de valores de suas séries. Nestes casos, destacam-se o subsetor da Informação e comunicação, que cresceu 1,3%; as Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados, que cresceram 2%; e as Atividades imobiliárias, que cresceram 1,6%. O subsetor de Transporte, armazenagem e correio caiu 1,6%; o de Administração, defesa, saúde e educação pública e seguridade social caiu 0,4%, enquanto Outras atividades de serviços decresceu 3,4%.

3.         EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO

Em relação à balança comercial, a economia brasileira foi impactada pela paralisação de grandes parceiros comerciais, como a China, pelas restrições produtivas e de força de trabalho e pela variação do dólar, que chegou ao patamar de cinco reais ainda no mês de março.

As exportações tiveram queda de 0,9% em relação ao trimestre imediatamente anterior, já as importações cresceram 2,8%, o maior crescimento verificado desde o segundo trimestre de 2018. Quando se compara essas informações com o primeiro trimestre de 2019, nota-se que a balança comercial teve uma variação ainda maior, uma vez que as exportações caíram 2,2% e as importações aumentaram 5,1%. Segundo o IBGE, os destaques negativos nas exportações foram os minerais metálicos, veículos automotores, máquinas e equipamentos e produtos de metal. Já os destaques positivos nas importações foram máquinas e equipamentos, metalurgia, material elétrico e outros equipamentos de transporte.

4.         CONSUMO DAS FAMÍLIAS E FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (FBCF)

O consumo das famílias e o investimento apresentam caminhos muito próximos, isto porque os cidadãos dependem dos empresários para terem emprego e renda, enquanto esses últimos dependem de capital para investir e um clima favorável, dois elementos afetados negativamente pela pandemia, ainda que seus efeitos tenham se restringido a um único mês do trimestre. O clima de incerteza tomou conta do período final do período considerado, provocando demissões e acordos entre empresários e trabalhadores com redução de salários correspondentes à diminuição da jornada de trabalho. Tais fatos influenciaram negativamente o nível de renda e, por conseguinte, o nível de consumo.

Em função disso, nota-se que o consumo das famílias apresentou queda de 2% em relação ao trimestre anterior, merecendo destaque o fato de que essa taxa vinha tendo aumentos em relação ao trimestre anterior desde 1º trimestre de 2017. O consumo das famílias também apresentou queda em relação ao primeiro trimestre de 2019. Ao contrário das taxas a valores superiores a 1,4% desde o segundo trimestre de 2017, no primeiro trimestre de 2019 ocorreu uma queda de 0,7%.

Já a FBCF teve um crescimento de 3,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior, contrariando a tendência de queda da série que vinha desde o terceiro trimestre de 2019. A FBCF também apresentou crescimento em relação ao primeiro trimestre de 2019, cujo valor foi de 4,3%. Segundo o IBGE, esse comportamento positivo é explicado “pelo aumento da importação líquida de máquinas e equipamentos, principalmente para a atividades de petróleo e gás, que compensou a queda da produção nacional de bens de capital e da Construção”.

Apesar desse crescimento da FBCF no primeiro trimestre de 2020, a taxa de investimento em relação ao PIB continua abaixo dos períodos anteriores, conforme pode ser observado no Gráfico 5.

Gráfico 5: Variação da taxa de investimento no Brasil (1º trimestre de 2014 a 1º trimestre de 2020)

grafico 5

Fonte: IBGE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De um modo geral, pode-se afirmar que os efeitos econômicos da pandemia provocada pelo novo coronavírus começaram a se explicitar ainda no primeiro trimestre, especialmente no último mês desse período. Ressalta-se, todavia, que os mesmos deverão ser mais expressivos a partir do segundo trimestre, quando o período integral estiver sob os referidos efeitos.

No cenário global já está definida uma recessão de grandes proporções, conforme indicam as primeiras informações das maiores economias mundiais, uma vez que praticamente todas elas foram afetadas desde o início de 2020. Esse fato irá provocar impactos negativos sobre a economia brasileira, muito embora o país teve tempo para se preparar adequadamente, pois a pandemia demorou bem mais tempo para começar no Brasil. Todavia, hoje está claro que as políticas de enfrentamento do problema não foram eficazes na dimensão que a doença exigia para ser efetivamente combatida e mitigar os seus efeitos sobre os sistemas econômicos.

Em síntese, pode-se afirmar que os dados do primeiro trimestre revelam menos os efeitos da pandemia e muito mais o fracasso da política econômica neoliberal, em curso desde 2015, em promover o crescimento econômico. Além disso, deve-se registrar também que no início de 2020 – antes mesmo da pandemia chegar ao país – analistas já projetavam um crescimento econômico fraco para o ano de 2020. E todas essas projeções creditavam tal perspectiva aos equívocos e escolhas da política econômica definida pelo atual ministro.

Desta forma, reafirmamos que sem uma política econômica anticíclica que seja capaz de estimular a produção empresarial, bem como o emprego e a renda dos trabalhadores visando manter a demanda agregada em ascensão, além de uma solução definitiva para a crise política que está em curso no país, os efeitos da pandemia poderão ser ainda mais prejudiciais à economia e  ao conjunto da sociedade nos próximos períodos.


[1] Estudante de Economia da UFSC e bolsista do NECAT/UFSC. Email: mateusvfronza@gmail

[2] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: l.mattei@ufsc.br

[3] Lembrando que o primeiro caso oficial no país foi documentado em 26/02/2020

[4] Essa profecia foi feita na Câmara Federal em julho de 2019 durante as discussões sobre a reforma da previdência.

[5] Já a Taxa de Investimento teve um crescimento de apenas 2,2% em 2019, comparativamente à taxa de 3,9% em 2018.

[6] Sempre que foi referido a trimestre imediatamente anterior, é feito com base em ajuste sazonal