Panorama do orçamento dos domicílios catarinenses a partir da POF 2017/2018

13/09/2020 17:12

Por: Mateus Victor Fronza * Vicente Loeblein Heinen **

A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) é realizada pelo IBGE em intervalos de seis ou sete anos e tem por objetivo avaliar “as estruturas de consumo, de gastos, de rendimentos e parte da variação patrimonial das famílias, oferecendo um perfil das condições de vida da população a partir da análise dos orçamentos domésticos”[1].

A POF é realizada desde o biênio 1987-1988, com edições em 1995-1996, 2002-2003 e 2008-2009. Recentemente, foram divulgados os primeiros resultados de sua nova edição, referentes ao período 2017-2018, os quais revelam mudanças importantes nas condições de vida das famílias brasileiras e catarinenses.

Assim, este texto tem por objetivo atualizar a situação dos orçamentos domiciliares de Santa Catarina, tendo em vista sua evolução em comparação com a pesquisa anterior (2008-2009). Para tanto, ele está estruturado em duas seções: uma referente às despesas e a outra referente aos rendimentos dos domicílios.

A composição das despesas dos domicílios catarinenses

Embora a despesa mensal média das famílias de Santa Catarina permaneça superior à do Brasil, essa discrepância diminuiu entre as duas últimas edições da POF, pelo menos quando são considerados os valores nominais[2]. Em 2008/2009, essa despesa era 33,6% maior nas famílias catarinenses, em comparação com a média nacional (R$3.509,58 contra R$2.626,31, respectivamente). Já no período 2007/2018, essa diferença foi reduzida para 6,1%, sendo de R$ 4.931,18 a despesa média em Santa Catarina, enquanto a do país era de R$4.649,03 (Tabela 1).

Tabela 1 – Despesa média mensal familiar, tamanho médio de despesa per capita, Santa Catarina (2008/2009 e 2017/2018)

Tabela 1

Fonte: POF (2020); Elaboração: Necat/UFSC

Outro dado que apresenta mudança significativa entre os dois períodos é o tamanho médio das famílias[3], que encolheu tanto no estado quanto no país. Em 2008/2009, cada família possuía, em média, 3,30 pessoas no Brasil e 3,09 pessoas em Santa Catarina. Esse número caiu em ambas as localidades em 2017/2018, sendo que a média nacional ficou em 3 e a estadual em 2,78 pessoas.

Como essa alteração familiar ocorreu em intensidade semelhante em ambos os casos, as tendências anteriormente apresentadas se repetem no cálculo da despesa per capita (despesa domiciliar total/ tamanho das famílias). Em 2008/2009 a despesa per capita estadual foi de R$1.135,79, frente aos R$795,85 da média nacional. Isso indica que os catarinenses gastavam, em média, 42,7% a mais que os demais brasileiros. Nos resultados da POF 2017/2018, essa diferença caiu para 14,5% devido à elevação da despesa per capita catarinense para R$1.773,71 e a brasileira para R$1.549,68.

A POF divide as despesas familiares totais entre despesas correntes, aumento do ativo[4] e diminuição do passivo[5]. Conforme apresentado na Tabela 2, aumento do ativo na POF 2008/2009 foi responsável por 8,8% do dispêndio total médio mensal dos catarinenses. Esse percentual caiu enormemente no período entre as duas pesquisas, acumulando redução de 5,1 pontos percentuais (p.p.), atingindo 3,7% das despesas em 2017/2018. Por outro lado, a diminuição do passivo cresceu 1,8 p.p. entre as pesquisas, saindo de 1,6% para 3,4%. Esses resultados indicam que os catarinenses passaram a gastar relativamente menos com investimentos e mais com o pagamento de dívidas na última década.

Tabela 2 – Despesa total média mensal (R$) em Santa Catarina, 2008/2009 e 2017/2018

Tabela 2

Fonte: POF (2020); Elaboração: Necat/UFSC

As mudanças patrimoniais das famílias catarinenses estão diretamente relacionadas às variações em suas despesas correntes, que são o terceiro componente das despesas totais. Elas passaram a representar 92,9% do orçamento das famílias catarinenses em 2017/2018, significando um aumento de 3,3 p.p. em relação ao período anterior.

As despesas correntes são divididas em duas: de consumo e outras. As despesas de consumo são mais abrangentes e serão analisadas mais à frente. As “outras despesas correntes”, por sua vez, incluem impostos, contribuições trabalhistas, serviços bancários, pensões, mesadas e doações. Essa categoria foi responsável por 9,7% da despesa em 2008/2009 e 10% em 2017/2018, registrando uma variação de 0,3 p.p.

As despesas com consumo são a maior parte dos gastos dos domicílios catarinenses. Em 2008/2009, elas correspondiam a 79,9% do orçamento, tendo passado para 82,9% no período seguinte. Ao desagregá-la, verificamos um grande rol de tipos de despesa. Dentre eles, a POF dá especial destaque à alimentação, que receberá uma análise particular mais adiante em uma subseção específica. No momento, cabe observar que sua participação aumentou 0,8 p.p. entre as duas pesquisas, chegando ao patamar de 14,2% em 2017/2018.

Em comparação com os dados de 2008/2009, os catarinenses passaram a gastar relativamente mais com habitação; higiene e cuidados pessoais; assistência à saúde e educação. Em termos relativos, a habitação foi a categoria que mais cresceu (1,3 p.p.), já concentrando 29,9% do orçamento das famílias em Santa Catarina. Esse crescimento foi puxado pelos gastos com aluguel, que passou a representar 15,5% da despesa total em 2017/2018, registrando um aumento muito expressivo, de 2,9 p.p., em relação à pesquisa de 2008/2009. Por outro lado, houve decréscimo relativo nas despesas com mobília e artigos do lar; e com eletrodomésticos, que agora representam apenas 1,7% e 1,4% do orçamento total, respectivamente.

Os cuidados pessoais e higiene cresceram 1,2 p.p., tendo sua participação elevada para 2,9%. O maior crescimento foi no subgrupo de instrumentos e produtos de uso pessoal, cujo aumento de 0,8 p.p. fez com que sua participação chegasse a 1,7%.

A assistência à saúde teve um acréscimo de 1,4 p.p. em relação a 2007/2008, passando a representar 6% das despesas familiares na última pesquisa. Essa variação se deu, principalmente, em razão do aumento dos gastos com remédios (0,9 p.p. a mais), que já representam 3,1% das despesas totais. Os planos de saúde não sofreram mudanças percentuais na parcela dos gastos.

A educação teve um acréscimo de 1,4 p.p e atingiu 2,5% dos gastos. A maior parte das despesas com educação se deve ao pagamento de cursos superiores, cuja participação no agregado subiu de 0,5% para 0,7% ao longo do período analisado.

As únicas despesas de consumo que tiveram sua participação reduzida foram as relativas ao vestuário e aos transportes. As despesas com vestuário diminuíram 0,9 p.p. entre 2008/2009 e 2017/2018, representando 3,5% dos gastos totais. Já as despesas com transportes diminuíram 1,9 p.p., muito embora ainda concentrem 17,1% do total. Essa queda foi alavancada pela redução de -2,2 p.p. nos gastos com aquisição de veículos, cuja participação passou de 9,8% para 7,6%. Além disso, também houve queda relativa nos gastos com transporte urbano, que variou -0,4 p.p., atingindo 0,5% do agregado. Por outro lado, os gastos com gasolina para veículo próprio e com manutenção e assessórios aumentaram, chegando a 2017/2018 como 4,6% e 2,1% do total, respectivamente.

Despesas com alimentação

Conforme apontamos anteriormente, a POF permite uma análise bastante rica sobre as despesas com alimentação no estado, as quais são apresentadas na Tabela 3. A primeira da alimentação no domicílio e fora do domicílio[6]. Quanto a essa distribuição, observamos que as despesas com alimentação fora de casa diminuíram 1,9 p.p. em relação a 2008/2009, atingindo o patamar de 27,6% em 2017/2018. Essa variação resulta principalmente da diminuição nos gastos com lanches e com refeições (almoço e jantar) em restaurantes e similares. Por outro lado, houve aumento significativo no consumo de sanduíches e salgados.

Tabela 3 – Despesa familiar mensal média (R$) com alimentação em Santa Catarina (2008/2009 e 2017/2018)

Tabela 3

Fonte: POF (2020); Elaboração: Necat/UFSC

Dentre os alimentos consumidos no domicílio, as carnes, vísceras e pescados apresentaram a maior perda relativa (-1,7%), tendo sua participação no agregado reduzida de 15% para 13,3%. Ainda assim, essa é a categoria mais expressiva nas despesas alimentares dos catarinenses, com gasto mensal médio de R$ 70,57 por domicílio. Em grande medida, as carnes vermelhas e os pescados estão sendo substituídos por aves e ovos, cuja participação aumentou 0,7 p.p. no período, alcançando 4,9% da despesa com alimentos em 2017/2018.

Outros grupos de alimentos muito expressivos no orçamento das famílias do estado são leites e derivados (8,3%); e panificados (7,5%). Em comparação com a pesquisa anterior, esses grupos registraram variação de -0,2 p.p. e -0,4 p.p., respectivamente.

O grupo que teve a maior variação relativa no período foi o dos “Outros alimentos”, cuja participação saltou de 3% para 5,3% ao longo do período analisado. A POF inclui nessa categoria todas as aquisições de produtos agregados como, por exemplo, os populares “sacolões”, que podem ter apresentado crescimento importante nos últimos anos[7].

O segundo maior crescimento relativo ficou por conta das bebidas e infusões, que avançaram 1,1 p.p, com destaque para o consumo de bebidas alcóolicas e café. Com isso, sua participação chegou a 9,4% dos gastos com alimentação. Também houve crescimento expressivo no gasto com frutas, que atingiram 4% do total.  Por fim, vale destacar que os açúcares e derivados não tiveram incremento de participação nas despesas, permanecendo na casa dos 4,3%.

A composição dos rendimentos dos domicílios catarinenses

Os dados apresentados na Tabela 4 permitem situar o patamar dos rendimentos dos domicílios catarinenses diante do cenário nacional. Na POF 2008/2009, o valor do rendimento total médio recebido mensalmente por cada família brasileira era de R$2.641,63, enquanto em Santa Catarina essa cifra era de R$3.111,03, ou seja, 17,8% maior. Essa diferença se reduziu para 10,1% na POF 2017/2018, quando a média dos rendimentos das famílias catarinenses ficou em R$5.604,20, frente a R$5.088,70 do agregado nacional.

Tabela 4 – Rendimento total médio mensal (R$) e sua participação em Santa Catarina (2008/2009 e 2017/2018)

Tabela 4

Fonte: POF (2020); Elaboração: Necat/UFSC

Essa diferença se refletiu também no indicador do rendimento per capita. Em 2008/2009, cada catarinense recebia, em média, R$1.006,81, o que correspondia a aproximadamente 2,1 salários mínimos da época. Esse valor chegava a ser 25% maior do que a média do Brasil, onde rendimento per capita era de apenas R$ 800,49. Em 2017/2018, o rendimento per capita no Brasil ficou em R$ 1.696,23, enquanto em Santa Catarina ele passou para R$ 2.015,90. Assim, os rendimentos médios do estado mantiveram-se em patamar próximo a 2,1 salários mínimos (R$ 954, em 2018).

Os recebimentos totais das famílias catarinenses podem ser obtidos com o acréscimo das variações patrimoniais registradas no período[8], conforme Tabela 5. Em 2017/2018, as variações patrimoniais representaram apenas 5,5% do total de recebimentos, o que representa uma queda de 1,2 p.p. com relação ao período anterior. Com isso, a participação dos rendimentos totais subiu para 94,5%.

A composição das fontes de renda dos catarinenses sofreu mudanças importantes entre os dois períodos em análise. Por um lado, a participação do trabalho como fonte de renda decresceu em 3 p.p. e se tornou responsável por 58,5% dos recebimentos totais. A participação da massa de rendimentos dos trabalhadores por conta própria caiu 1,4%, enquanto a dos empregados teve queda de 1,3 p.p. e dos empregadores de -0,3 p.p. Apesar disso, a massa salarial dos empregados ainda representa 68% dos rendimentos do trabalho do estado, e cerca de 40% dos recebimentos totais.

Tabela 5 – Rendimento total e variação patrimonial médio mensal familiar (R$) e distribuição por tipo de origem do recebimento em Santa Catarina (2008/2009 e 2017/2018)

Tabela 5

Fonte: POF (2020); Elaboração: Necat/UFSC

Por outro lado, as transferências se tornaram responsáveis por 18,7% do rendimento, com um acréscimo de 4,6 p.p. com relação ao período anterior, puxado basicamente pelo aumento da participação das aposentadorias e pensões. As aposentadorias e pensões provenientes do INSS saltaram para 11,8% (+ 2,6 p.p); as públicas chegaram a 4,2% (+ 1,8 p.p.); e as privadas a 0,7% (+ 0,3 p.p.). Em grande medida, esses resultados derivam do processo de inversão em curso da pirâmide etária do estado. Completando o quadro das transferências, observamos que o valor médio recebido por programas sociais federais foi de apenas R$ 12,66, ou 0,2% do total. A participação de pensões alimentícias, mesadas e doações (0,8%) e outras transferências (1,1%) também permaneceram baixas.

 Por fim, os aluguéis como fonte de rendimento tiveram um aumento de 0,8 p.p. e chegaram aos 1,8%. Essa fonte possui um claro viés de concentração nas classes de rendimentos mais elevados, tendo por contrapartida a elevação relativa das despesas com habitação, sobretudo entre as classes mais pobres.

A POF 2017/2018 ainda apresenta os rendimentos não monetários, que são aqueles provenientes de “doação, retirada do negócio, troca, produção própria, pescado, caçado e coletado”[9], sendo, por isso, mais expressivos em zonais rurais[10]. As receitas sem pagamento monetário aumentaram em 2,1 p.p., já representando 14,9% dos recebimentos totais.

Considerações finais

Do lado das despesas das famílias, a análise realizada aponta que a média das famílias catarinenses despendem a maior parte do seu orçamento com gastos correntes, geralmente destinados ao consumo de bens básicos para sua sobrevivência. Ao longo dos últimos anos, observamos um agravamento dessa situação. Por um lado, houve um aumento agudo nos gastos com alugueis, gasolina e alimentação. Por outro lado, reduziram-se os gastos com a aquisição de bens de consumo mais duráveis, como veículos, mobília e eletrodomésticos.

Já no que se refere à composição dos rendimentos domiciliares, a principal mudança observada foi o decréscimo da participação dos rendimentos do trabalho, para dar lugar principalmente às transferências. A maior parte das transferências provêm de pensões e previdências, que em 2017/2018 já representavam 16,7% de toda a renda das famílias catarinenses (cerca de 4,7 p.p. a mais do que em 2008/2009). Esses resultados reforçam a importância do sistema previdenciário para os rendimentos das famílias catarinenses, dando indicativos dos grandes impactos que devem ser sentidos no estado em razão da Reforma da Previdência.


* Mateus Victor Fronza é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat/UFSC. Email: mateusvfronza@gmail.com.

** Vicente Loeblein Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat/UFSC. Email: vicenteheinen@gmail.com.

[1] IBGE. POF: O que é. 2020.

[2] Todos os valores monetários são reproduzidos conforme divulgação oficial da POF. O deflacionamento desses valores não é trivial, uma vez que eles foram obtidos a partir de índices de preços regionais. Sendo assim, esses dados não permitem afirmar se a redução da discrepância entre as despesas das famílias brasileiras e catarinenses se deve às divergências de preços em cada região ou às variações no poder aquisitivo, por exemplo.

[3] “Para efeito de divulgação da POF, o termo ‘família’ é considerado equivalente à unidade de consumo. A unidade de consumo compreende um único morador ou conjunto de moradores que compartilham da mesma fonte de alimentação, isto é, utilizam um mesmo estoque de alimentos e/ou realizam um conjunto de despesas alimentares comuns.”. Cf. POF: Primeiros Resultados, 2019, p.

[4] “Ao grupo aumento do ativo, correspondem as despesas com a aquisição de imóvel, a reforma de imóvel e outros investimentos”, ibidem, p. 38.

[5] O grupo diminuição do passivo “contabiliza as despesas com pagamentos de empréstimos e prestações de financiamento de imóvel”, idem.

[6] A alimentação no e fora do domicílio tende a ser mais expressiva quando os domicílios são divididos entre rurais e urbanos, no entanto esse tipo de desagregação não está disponível para dados estaduais da POF 2017/2018.

[7] Os dados analisados não permitem auferir se esse aumento derivou da elevação dos preços ou do aumento nas quantidades consumidas.

[8] “Compreende vendas de imóveis, carros e outros bens, heranças e o saldo positivo da movimentação financeira (depósitos e retiradas de aplicações financeiras como, por exemplo, poupança e cotas de fundos de investimento)” ibidem, p. 22.

[9] Ibidem, p. 15.

[10] Nos relatórios da POF consta ainda que as “despesas não monetárias são iguais, em termos contábeis, aos rendimentos não monetários, com exceção do valor do aluguel estimado, cujo tratamento é explicitado na definição do rendimento”, idem. A valorações das despesas/rendimentos não monetários foram realizadas pelos próprios informantes da pesquisa, considerando os preços vigentes no mercado local.