Mercado de trabalho catarinense bate recorde de informalidade no 3º trimestre de 2020

19/01/2021 11:37

Por: Vicente Loeblein Heinen[1]

Apesar dos saldos positivos registrados recentemente pelo Novo Caged e pela PNAD Covid-19, a PNAD Contínua indica que o mercado de trabalho catarinense permaneceu em queda ao longo do 3º trimestre de 2020[2]. O objetivo deste texto é verificar quais grupos de trabalhadores contribuíram para esse resultado, analisando o comportamento da população ocupada em Santa Catarina segundo os indicadores de setor de atividade econômica; posição na ocupação e categoria do emprego; sexo; e cor/raça.

Setor de atividade econômica

Considerando os três primeiros trimestres de 2020, o setor industrial foi o que mais contribuiu para a queda do emprego em Santa Catarina. Conforme a Tabela 1, a Indústria de transformação foi responsável pelo fechamento de 76 mil postos de trabalho entre janeiro e setembro de 2020, o que equivale a 28% de todas as ocupações perdidas no período. Esse desempenho foi puxado pela queda abrupta nas contratações dos segmentos têxtil-vestuário, alimentício e de papel e celulose, bem como nas indústrias de bens de capital e de material de transporte.

Tabela 1 – População ocupada por grupamento de atividade econômica em Santa Catarina (mil pessoas).

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

Essa retração do emprego industrial concentrou-se nos dois primeiros trimestres de 2020. Já no 3º trimestre, a Indústria de transformação recuperou 5 mil vagas, registrando um crescimento de 0,7%. Tal saldo se deve em grande medida à demanda derivada do Auxílio Emergencial (que contribuiu para a retomada de empregos nos segmentos de confecção de artigos do vestuário e acessórios e fabricação de embalagens) e à retomada da construção civil (que se refletiu em geração de empregos nas indústrias de produtos de metal e de madeira, materiais plásticos e cerâmica).

Impulsionada pelas obras residenciais e pela baixa na taxa básica de juros, a Construção também iniciou trajetória de recuperação no 3º trimestre, registrando saldo de 7 mil ocupações no trimestre. Apesar disso, o setor segue com déficit de 41 mil postos de trabalho no acumulado do ano, o que equivale a uma retração de 16,1% na população ocupada.

Sendo um dos setores mais diretamente afetados pela pandemia da Covid-19, o Comércio acumulou perda de 66 mil postos de trabalho nos três trimestres analisados. Diferentemente da indústria, o comércio seguiu em queda no 3º trimestre, apresentando o pior desempenho absoluto entre todos os setores, com o fechamento de 25 mil postos de trabalho. Esse saldo explica 72% da queda agregada da população ocupada em Santa Catarina no período.

Já no setor de serviços, os impactos observados são muito heterogêneos. Dentre os grupamentos que compõe o setor, o mais prejudicado foi o dos serviços domésticos, cuja demanda caiu drasticamente em razão do isolamento social e da maior permanência em casa das famílias de classe média-alta. Com isso, 53 mil trabalhadores domésticos perderam sua ocupação entre janeiro e setembro de 2020, o que representa cerca de 30% da população antes ocupada nessas atividades.

De modo geral, os serviços prestados às famílias tiveram os piores desempenhos no acumulado do ano, com destaque às atividades de alojamento e alimentação (-18,7%) e de arte, cultura, esporte e recreação (-21,9%). No entanto, os resultados do 3º trimestre indicam que esse processo pode ter atingido seu ápice, vide a desaceleração na queda do emprego nos serviços de alojamento e alimentação (-2,3%) no trimestre e a recuperação incipiente das atividades relacionadas à cultura (16,6%). Após ter sofrido intensas quedas no “primeiro pico” da pandemia, as Outras atividades de serviços (que englobam serviços pessoais tais como tratamentos de beleza, lavanderias e cuidados de animais domésticos) também voltaram a apresentar resultados positivos no último trimestre da série, recuperando 23 mil ocupações. Esse foi o melhor resultado dentre todos os grupamentos no período, e pode ser compreendido como uma estratégia de sobrevivência dos trabalhadores que perderam suas ocupações na fase mais aguda da crise[3].

Dentre os demais grupamentos de serviços, o destaque positivo ficou por conta das Atividades profissionais, científicas e técnicas e de Saúde e serviços sociais, que geraram 12 mil e 10 mil vagas no trimestre, respectivamente. No caso do primeiro grupamento, esse saldo foi suficiente para recuperar as perdas registradas nos trimestres anteriores, resultando em um crescimento de 6,5% no acumulado do ano. Já o grupamento da saúde e dos serviços sociais segue com leve queda (-0,9%) acumulada. Por outro lado, houve quedas expressivas nos grupamentos da Educação (-15 mil ocupações) e da Administração pública, defesa e seguridade social (-5 mil). Apesar de ter perdido 9 mil ocupações no trimestre, os serviços de Informação e comunicação seguem com o melhor resultado no acumulado do ano, com saldo de 19 mil ocupações, sendo um dos setores menos afetados pela pandemia.

Por fim, o setor agropecuário sofreu retração de 3,8% no trimestre, o que representou a perda de 13 mil ocupações. Essa queda expressiva dissolveu o crescimento do setor nos trimestres anteriores, resultando num saldo praticamente nulo no acumulado do ano.

Posição na ocupação e categoria do emprego

De acordo com os dados contidos na Tabela 2, o emprego com carteira de trabalho assinada no setor privado continuou caindo no 3º trimestre, com perda de mais 47 mil vagas. Com isso, a principal categoria do emprego no estado já acumula queda de 11% desde o início de 2020, representando o fechamento de cerca de 200 mil postos de trabalho.

Tabela 2 – População ocupada por posição na ocupação e categoria do emprego em Santa Catarina (mil pessoas)

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

Em termos relativos, os empregados sem carteira no setor privado tiveram queda semelhante, da ordem de 3,4% no trimestre. Entretanto, a maior flexibilidade dessa categoria fez com que ela fosse atingida de forma muito mais intensa nos períodos mais agudos da crise, tendo perdido cerca de ⅓ de todas as suas ocupações entre o 1º e o 3º trimestre de 2020. Além da contribuição do comércio e dos serviços prestados às famílias para esse resultado, vale destacar a grave perda de empregos ocorrida nas pequenas indústrias, particularmente na produção artesanal de alimentos e nas facções têxteis.

No âmbito do setor público, os empregados sem carteira foram fortemente prejudicados, acumulando perda de 17 mil ocupações até setembro de 2020. A maior parte dessas ocupações dizem respeito a profissionais da educação que são contratados em regimes temporários para trabalhar em escolas estaduais e municipais. Com a paralisação das aulas presenciais, a Secretaria da Educação e prefeituras de todo o estado deixaram de contratar ou não prorrogaram grande parte desses contratos, que representam parcela expressiva dos empregados sem carteira no setor público.

Embora tenha fechado 16 mil postos de trabalho no trimestre, a categoria dos Militares e funcionários públicos estatutários segue com saldo positivo, de 27 mil novas ocupações, no acumulado do ano. Puxada pelo crescimento das contratações na área da saúde, os empregados com carteira no setor público aumentaram em 5 mil pessoas no trimestre.

O maior saldo do trimestre foi novamente o dos trabalhadores por conta própria, concentrados na construção civil e nos serviços pessoais e profissionais. 39 mil trabalhadores ingressaram nessa categoria somente no 3º trimestre de 2020, o que equivale a um crescimento de 4,8%.

O desemprego e a maior permanência em casa provocados pela pandemia também expandiu enormemente o número de trabalhadores familiares auxiliares, isto é, aqueles que trabalham de forma não-remunerada ajudando membro(s) de sua unidade domiciliar. Essa categoria cresceu em 19 mil pessoas no 3º trimestre, absorvendo uma parcela significativa do desemprego potencial gerado durante a pandemia.

Essa dinâmica revela que as ocupações informais têm absorvido grande parte dos trabalhadores que perderam seus empregos, especialmente aqueles que recebiam menores salários e não possuíam poupança suficiente para sair da força de trabalho. Em razão disso, observam-se sinais inversos no saldo trimestral de ocupações formais (-75 mil) e informais (+40 mil). Ao contrário do que ocorreu no início da pandemia, agora é o emprego formal que puxa a queda da população ocupada em Santa Catarina, já representando cerca de 75% de todos os postos de trabalho perdidos no estado entre janeiro e setembro de 2020.

Com efeito, a informalidade do mercado de trabalho catarinense, que havia caído momentaneamente em razão da maior proteção social dos empregados formais no período inicial da crise, voltou a crescer. Esse movimento é captado pela taxa de informalidade (proporção da população ocupada que se encontra em postos de trabalho informais) estadual, apresentada no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Taxa de informalidade da população ocupada em Santa Catarina (2014-2020, em %)

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

De acordo com esse indicador, o grau de informalidade do trabalho em Santa Catarina atingiu 35,4% no 3º trimestre de 2020, representando o maior índice já registrado na série histórica da PNAD Contínua (iniciada em 2012). Essa percentagem supera em 1 ponto percentual o patamar registrado no mesmo trimestre de 2019, e em até 4 pontos percentuais o índice de 2014.

Sexo

Conforme indicam os dados contidos na Tabela 3, o desemprego tem atingido muito mais as mulheres do que os homens catarinenses. Essa desigualdade acentuou-se no 3º trimestre, quando a população ocupada masculina cresceu em 20 mil, mas a feminina decresceu em 55 mil pessoas. O aumento dessa desigualdade deve-se principalmente a dois fatores: primeiro, à estrutura setorial dos empregos perdidos (especialmente serviços domésticos e comércio, que tradicionalmente ocupam grande parte das mulheres) e recuperados (sobretudo indústria e construção, que ocupam majoritariamente homens) no período; segundo, à capacidade de procura por emprego, tendo em vista a saída massiva das mulheres do mercado de trabalho por fatores relacionados a gênero[4].

Tabela 3 – População ocupada por sexo em Santa Catarina (mil pessoas)

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

Somando esses saldos aos registrados nos dois trimestres anteriores, observa-se uma queda da ocupação da ordem de 10,9% para as mulheres, face a 4,4% para os homens. Isso implica dizer que, do total de postos de trabalho perdidos desde o início da pandemia, cerca de ⅔ eram ocupados por mulheres.

Cor ou raça

Segundo as informações da Tabela 4, apenas a população parda apresentou saldo positivo (9 mil ocupações) no trimestre, enquanto brancos e pretos registraram novas perdas (37 mil e 7 mil ocupações, respectivamente). Em termos relativos, essa queda foi mais intensa para a população preta, representando uma retração de 8,7%.

Tabela 4 – População ocupada por cor/raça em Santa Catarina (mil pessoas).

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Fonte: PNADC/T (2020); Elaboração: Necat/UFSC.

Embora tenha perdido mais postos de trabalho, a população branca foi relativamente menos atingida entre o 1º e o 3º trimestre de 2020, acumulando variação de -1,3%. Em que pese a recuperação incipiente no último trimestre, a população ocupada de cor parda diminuiu 18% no mesmo período. O cenário mais grave, todavia, é o da população preta, que perdeu aproximadamente 40% de suas ocupações no acumulado do ano.

Considerações finais

No primeiro semestre de 2020, as ocupações perdidas foram sobretudo as mais precárias, com destaque aos grupos de trabalhadores que não conseguiram realizar suas atividades à distância. Já no 3º trimestre, a retração no nível de ocupação foi puxada pelo emprego formal, que apresenta certa defasagem e menor intensidade de queda em comparação com a retração das ocupações informais nos trimestres anteriores. Ao mesmo tempo, o esfacelamento do distanciamento social permitiu que os serviços presenciais voltassem a ser realizados, em grande medida às margens da fiscalização sanitária. Com isso, a dinâmica geral observada no 3º trimestre foi a realocação de parte dos trabalhadores que perderam seu emprego – sobretudo aqueles que não contam com suficientes poupança e/ou proteção social – em atividades autônomas, no intuito de recuperar alguma fração da renda perdida.


[1] Vicente Loeblein Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat. E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[2] Em termos agregados, esse resultado já foi analisado em outro texto publicado no Blog do Necat. Nesse texto, também apresentamos os possíveis motivos da divergência entre os resultados da PNAD Contínua e das demais pesquisas mencionadas, destacando as diferenças em suas formas de captação e na classificação dos trabalhadores afastados de seus postos de trabalho.

[3] Os serviços pessoais são atividades que exigem baixo investimento inicial e pouca qualificação profissional. Em razão disso, tendem a concentrar grande parte do desemprego oculto, que cresce exponencialmente em momentos de retração do emprego formal.

[4] Cf. GÊNERO E NÚMERO; SOF. Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia, 2020.