Rendimento médio dos trabalhadores catarinenses no 1º trimestre de 2022 foi 7,4% inferior ao mesmo período de 2021

15/06/2022 12:47

Vicente Loeblein Heinen[*]

O IBGE divulgou recentemente os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) relativos ao 1º trimestre de 2022, revelando que, tanto no Brasil quanto em Santa Catarina, o desemprego retornou à trajetória registrada antes da pandemia da Covid-19. A taxa de desocupação nacional caiu para 11,1%, ficando abaixo dos 12,4% registrados no mesmo período de 2020. No caso de Santa Catarina, esse indicador ficou em 4,5% no trimestre, também abaixo dos 5,7% do período pré-pandemia.

Vistos de forma isolada, esses números podem ser considerados bastante positivos. No entanto, a diminuição do desemprego não tem garantido alento para a maior parte da população, uma vez que tem sido acompanhada por significativas perdas de renda em todas as regiões do Brasil. Prova disso é que, mesmo com o número de ocupados no país já sendo 2,3% maior que antes da pandemia, a massa salarial ainda é 6% menor, fazendo com que a proporção de trabalhadores recebendo até 1 salário mínimo atinja o maior patamar desde 2012, quando teve início a série histórica da PNAD Contínua[1].

O objetivo deste artigo é investigar como esse processo vem ocorrendo em Santa Catarina. Para tanto, o texto está dividido em duas partes, sendo a primeira dedicada à análise dos rendimentos individuais de forma agregada e a segunda à dinâmica da distribuição de renda.

Mais trabalho, menos renda

Ainda que a taxa de desemprego em Santa Catarina não tenha atingido dois dígitos em nenhum momento da pandemia, o número de trabalhadores na ativa diminuiu muito ao longo de 2020[2]. Esse movimento foi acompanhado pela massa de rendimentos do trabalho (soma de todos os salários, rendas obtidas por conta própria, retiradas de pequenos negócios, etc.), que também sofreu quedas históricas no período[3].

Do ponto de vista do emprego, esse processo começou a ser revertido a partir da segunda metade de 2020 e foi concluído ao final de 2021, quando a procura por trabalho se normalizou e o nível de ocupação retornou à suas tendências pré-pandemia. O problema é que a massa de rendimentos deixou de acompanhar essa dinâmica em meados de 2021, conforme ilustrado no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Evolução da população ocupada e da massa de rendimentos reais habitualmente recebidos em todos os trabalhos (SC, 2018-2022, número-índice, 2018/1T=100)

Fonte: PNADC/T (2022); Elaboração própria.

Esse descompasso se deve à combinação de dois fatores. O ano de 2021 foi marcado pela aceleração do nível de preços no Brasil, com alta anual acumulada de 10,1%[4]. Esse período coincidiu com o retorno da população ao mercado de trabalho, após um longo período de inatividade, oportunidades de trabalho escassas e encolhimento da renda familiar (que se acentuou ao término do Programa Auxílio Emergencial). Como consequência desses fatores, a concorrência pelos postos de trabalho que foram sendo criados se intensificou, diminuindo o poder dos trabalhadores para barganhar reajustes em suas remunerações.

Apesar da massa de rendimentos ter voltado a crescer no 1º trimestre de 2022, essa tendência ainda não foi revertida. Assim, o cenário observado atualmente é de emprego em alta, mas de renda ainda 5% abaixo do que seria esperado em um cenário de “normalização” do mercado de trabalho. Em outras palavras, os catarinenses voltaram a trabalhar tanto quanto antes da pandemia, mas passaram a receber menos por isso.

Mais emprego e menos renda equivale a arrocho salarial. De acordo com os dados do Gráfico 2, o rendimento médio dos trabalhadores catarinenses foi de R$ 2.944 no 1º trimestre de 2022, representando uma queda real de 7,4% com relação ao mesmo período de 2021. Evidentemente, a dimensão dessa queda é fortemente influenciada pela base de comparação, uma vez que no início de 2021 grande parte dos trabalhadores mais marginalizados ainda não havia retornado ao mercado de trabalho[5]. Mesmo assim, é importante notar que o resultado permanece ruim mesmo comparativamente ao período pré-pandêmico, uma vez que a renda média recebida pelos catarinenses atualmente é ainda 2,4% menor do que era no 1º trimestre de 2020.

Gráfico 2 – Rendimento médio real habitualmente recebido em todos os trabalhos pela população ocupada com renda do trabalho (SC, 2018-2021, R$ a preços de 2022/1T)

Fonte: PNADC/T – Microdados (2022); Elaboração própria.

O empobrecimento da base da pirâmide de renda

A desvalorização da renda média em Santa Catarina se deve, sobretudo, à incapacidade dos trabalhadores que recebiam valores próximos ao salário mínimo em reajustar seus rendimentos. De acordo com os dados da Tabela 1, o número de catarinenses recebendo até 1 salário mínimo (R$ 1.212) cresceu 71,6% no último ano. Essa faixa também teve o maior aumento desde o início da pandemia (38,4%), incorporando mais 157 mil pessoas. Em contrapartida, a faixa entre 1 e 2 salários mínimos perdeu 172 mil ocupações no mesmo período, acumulando queda de 9,5%. A transição entre esses dois estratos de renda foi observada, principalmente, entre os trabalhadores informais, que estão mais desprotegidos diante do avanço da inflação[6].

Tabela 1 – População ocupada por faixa de rendimento real habitualmente recebido em todos os trabalhos (SC, mil pessoas, salários mínimos a preços de 2022/1T)

Fonte: PNADC/T (2022) – Microdados; Elaboração própria.

A consequência disso é que a proporção de trabalhadores catarinenses recebendo até 1 salário mínimo chegou a 15,1% no 1º trimestre de 2022, atingindo o maior patamar para o período desde 2013 (Gráfico 3). Com isso, Santa Catarina já conta com 566 mil pessoas nessa condição, o que representa o maior valor absoluto para o 1º trimestre em toda a série histórica da PNAD Contínua.

Gráfico 3 – Proporção da população ocupada com rendimento do trabalho de até 1 salário mínimo (SC, 2012-2022, 1º trimestre de cada ano)

Fonte: PNADC/T (2022) – Microdados; Elaboração própria.

O alívio da conjuntura ficou por conta da retomada das faixas de renda intermediárias. Puxadas pela geração de empregos na indústria, as ocupações com rendimentos entre 2 e 5 salários mínimos cresceram 12% em relação ao 1º trimestre de 2021. Os resultados também são positivos na comparação com o período pré-pandemia, porém com uma maior concentração na faixa entre 2 a 3 salários mínimos (saldo de 132 mil novas vagas, 100 mil a mais que na faixa de 3 a 5 salários mínimos).

Por fim, as ocupações com renda superior a 5 salários mínimos encolheram 16% nos últimos 12 meses. Esse resultado se deve, principalmente, à diminuição do quadro do funcionalismo público e, em menor medida, à queda no número de empregadores com CNPJ[7]. No acumulado da pandemia, o saldo nessa faixa de renda é praticamente nulo, com variação de apenas 1,2%.

O encolhimento dos estratos de renda mais elevados e a recuperação das faixas intermediárias contiveram o crescimento da desigualdade de renda, que no início de 2021 havia atingido seu maior patamar da década. De acordo com o Gráfico 4, o índice de Gini dos rendimentos individuais[8] em Santa Catarina ficou em 0,399 no 1º trimestre de 2022.

Gráfico 4 – Índice de Gini dos rendimentos habitualmente recebidos em todos os trabalhos pela população ocupada (SC, 2012-2022, 1º trimestre de cada ano)

Fonte: PNADC/T (2022) – Microdados; Elaboração própria.

Desse modo, contata-se que a desigualdade de renda no mercado de trabalho catarinense atualmente é 2,8% inferior ao mesmo período do ano passado, porém 3,3% maior que antes da pandemia. Esse processo se deve precisamente ao empobrecimento da base da pirâmide de renda, onde se encontram as camadas sociais que mais sofrem com o recente avanço da inflação.


[*] Economista pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: vicenteheinen@gmail.com.

[1] Ver O GLOBO. País do salário minimo. 2022.

[2] O processo de retomada do mercado de trabalho catarinense foi examinado à exaustão em diversos textos publicados no Blog do Necat. Ver, por exemplo, HEINEN; MATTEI. O cenário do mercado de trabalho catarinense no 2º trimestre de 2021. Blog do Necat, 2021.

[3] HEINEN; MATTEI. Desigualdade de renda em Santa Catarina atingiu maior patamar da série histórica no 2º trimestre de 2021. Blog do Necat, 2021.

[4] Na Região Sul o aumento foi ainda maior, tendo em vista a alta de 11% registrada na RM de Porto Alegre e de 12,7% na RM de Curitiba.

[5] Conforme destacamos em textos anteriores, a renda média registrou um forte e atípico crescimento no início da pandemia, devido ao fato de que os trabalhadores mais pobres foram mais prejudicados. Nos períodos seguintes, esse processo foi sendo gradualmente revertido, à medida que houve uma retomada do mercado de trabalho informal. HEINEN; MATTEI. Quais segmentos do mercado de trabalho catarinense já se recuperaram dos impactos da pandemia? Blog do Necat, 2021.

[6] O número de pessoas trabalhando por conta própria no estado cresceu 9,7% entre o 1º trimestre de 2021 e de 2022, sendo de 13,4% o crescimento daqueles que não possuem registro no CNPJ. Além disso, os empregados sem carteira no setor privado tiveram alta de 21% no mesmo período, enquanto os trabalhadores domésticos sem registro aumentaram em 31%. Essas categorias compõem a maior parte dos trabalhadores que recebe abaixo do salário mínimo, possuindo pouco ou nenhum poder de barganha para reajustar seus rendimentos.

[7] Os serviços públicos de administração, seguridade social, educação e saúde acumulam as maiores perdas nos últimos 12 meses, com perda de 35 mil ocupações. Já entre os empregadores, nota-se uma diminuição das ocupações mais estruturadas e um crescimento acentuado dos pequenos empregadores sem registro, que se confundem com os próprios trabalhadores autônomos no mercado informal de trabalho.

[8] O índice de Gini é um indicador de desigualdade que varia entre 0 e 1, sendo que 0 representa a perfeita igualdade distributiva e 1 a máxima desigualdade. Neste caso, o índice foi calculado com base na população ocupada com rendimentos do trabalho. Trata-se de uma medida distinta da desigualdade de renda domiciliar, que engloba também as pessoas sem renda do trabalho (desempregados, pensionistas, crianças, etc.).

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